terça-feira, agosto 31, 2010

onde está o pacto das águas?!

Comitê do São Francisco: Da Pseudo Gestão de Conflitos à Desarticulação do Sistema

por Almacks Luiz Silva

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Final de tarde de Outubro de 2005, em uma emissora de rádio baiana o então articulador do governo Lula entrevistado por um irmão de fé declara: “…pois é Mario em pleno Sabá eu que sou judeu fui lá a pedidos do presidente Lula para tirar um padre da greve de fome, volto pra casa com mais uma missão cumprida.” Era este o primeiro contato de Wagner com os comitês de bacia. Encerrava neste instante os 11 dias da primeira greve de fome do Bispo de Barra Frei Luiz – maior representante da luta contra a transposição e dos direitos de participação e de decisão atribuídos pela lei das águas aos comitês de bacia e demais conselhos gestores.

O tempo passou e o debate prometido não ocorreu, a transposição atropelou todas as liminares conseguidas e foi realizada pelos homens do exercito brasileiro. Wagner se elegeu governador da Bahia e o Estado assumiu uma posição favorável ao projeto de retirada das águas do anêmico Chico. Viva, viva a criação de camarão!
A toque de caixa os comitês passaram a ser instalados aos bolos na Bahia, (4, 5, 6 ao mesmo tempo). Não há tempo para formação dos membros, somente para a instalação devidamente decretada em ato solene com a presença do Governador. Muitos atos públicos e a Bahia perdeu o lugar de destaque no Fórum Nacional de Comitês de Bacia. Melhor criar o Fórum de órgãos Gestores, mas esta é outra historia!
Novos técnicos e agora um lugar na diretoria executiva do CBHSF. Durante três anos muitas ausências de titular e suplente – velha dupla JUJU! Não sabia, não podia, não queria kkkkkkkk.
Vamos, vamos eleições 2011, saem os candidatos, entram os maratonistas. Quero a presidência!!!!!!!!!!!!!!!! E agora numa derrota para a sociedade civil de cinco Estados, a Bahia esta fora das tomadas de decisão de um dos maiores rios do Brasil. A agencia está em Minas, a presidência do CBHSF também. O governo da Bahia montou chapa sem a sociedade civil, e critica que os vencedores que montaram chapa sem usuário.
O comitê do São Francisco possui 40% de usuários, e apenas 20% de uma militante sociedade civil, mas o governo de todos nós não sabe o que é isso, Não estão acostumados com comitês que questionam e negociam. Na Bahia não houve mobilização, nem divulgação do processo eleitoral do Velho Chico – eles esperavam os recursos federais! Concordemos com o candidato derrotado – O maior comitê do país esta desarticulado – onde esta o pacto das águas?! O que o Estado da Bahia fez para impedir que isso acontecesse?!
Na Bahia os comitês se reúnem quando técnicos do governo querem fazer das diárias extensão dos seus salários. Ninguém sabe nada, ninguém decide nada, ninguém faz nada!
Muitas viagens, muitas visitas e dos encontros nenhuma deliberação segue para o CONERH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos. Autorizados pelo Estado, técnicos seguem em equipe grandes para longos dias de viagens e apenas duas horas de reunião. Se confundem e agem hora como repassadores de recursos, hora como cabos eleitorais. Falta conhecimento, iniciativa, participação, debate!
Chama gente, registra tudo – que processo lindo! Olha o pescador cantando, a poesia do quilombola – olha o cocar do índio, mas o que é mesmo outorga?!
Só nos resta pedir que Wagner, traga o pó do pirlipimpim e vamos todos fazer uma viagem ao infinito, e com o respeito às comunidades tradicionais, característica de avanço do seu governo, podemos até beber cachaça porque é cultura e o governo caboclo paga!
Almacks Luiz Silva é Bacharel em Gestão Ambiental e militante do MPA BRASIL, entidade que compõe a Via Campesina

Fonte: EcoDebate, 31/08/2010

segunda-feira, agosto 30, 2010

políticas ecológicas, "greenwashing"

Greenwashing, Autorregulação e Certificação: Camuflagem ecológica

Entrevista com Tim Bartley
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Um dos principais especialistas da academia americana em novos parâmetros para o desenvolvimento sustentável e condições decentes de trabalho, o sociólogo Tim Bartley é uma das estrelas do seminário Oficina sobre Governança Corporativa Conduzida pela Sociedade Civil na América Latina: Questões de Pesquisa Crítica e Oportunidades para Colaboração, organizado pelo Núcleo de Economia Sócio-Ambiental da USP, juntamente com a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e o Instituto Lozano Long de Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas.
Bartley abrirá o evento, que acontece segunda e terça-feira, tratando dos limites da autorregulação social do capitalismo contemporâneo. O professor da Universidade de Indiana é um cético quando se trata da capacidade do mercado de ir além de termos que tomaram o mundo do consumo desde o fim dos anos 1980, como selos ambientais e marcas de qualidade. Para ele, os chamados produtos de sistemas de regulamentação privados tiveram o inegável mérito de popularizar o debate sobre os danos causados a trabalhadores e ao ambiente, mas também modificaram de forma intensa os movimentos sociais, com militantes transformados em fiscais e o conveniente fim das pressões para uma redução planetária do consumo. Deixa-se de lado a ideia de menos consumo e abraça-se o mote do consumo consciente. Reportagem de Eduardo Graça, para o Valor Econômico, de Nova York.
Valor: Qual é o principal problema com os selos de qualidade e de autenticidade sustentável?
Bartley: Pense no caso da soja, por exemplo. Um dos focos dos selos de qualidade é o desenvolvimento sustentável. Um dos problemas do desaparecimento das florestas tropicais é justamente o fato de áreas florestais serem usadas para agricultura e produção de biocombustíveis. Há toda uma nova onda de certificação envolvendo tanto a soja quanto o azeite extraído das palmeiras. Há uma enorme controvérsia: esses selos são o que chamamos de “greenwashing”, branqueamento ecológico, por analogia com branqueamento de capitais à camuflagem de capitais, com políticas ou iniciativas aparentemente ecológicas, mas sem resultado real, ou são de fato um atestado de segurança para o consumidor?
Valor: É uma realidade presente no Brasil?
Bartley: O que espero aprender melhor sobre o Brasil é como o relacionamento entre programas de certificação se relacionam com os movimentos sociais, especialmente no caso da reforma agrária. Será que eles estão retardando programas governamentais de redistribuição de terra? Ou o contrário?
Valor: Os movimentos sociais viraram vítimas da autorregulamentação das corporações?
Bartley: É preciso ter em mente que os programas mais significativos nas áreas ambiental e de condições de trabalho são fruto da pressão exercida pelos movimentos sociais contra práticas de governos e corporações. Algumas vezes, essas regulamentações foram criadas para que empresas se protegessem contra essa mesma pressão. Uma preocupação é a de que esse tipo de regulamentação acabe desmobilizando os movimentos sociais. O sistema de certificações e a autorregulamentação privada não podem ser acusados de ser fatores centrais na desmobilização dos movimentos sociais. Mas certamente desviaram a atenção de militantes. Muitos deles se transformaram em fiscais dessas iniciativas. Em alguns casos, protestos contra certas empresas são natimortos desde que elas concordem em seguir as diretrizes propostas por certas iniciativas. Não houve uma “desrradicalização” dos movimentos sociais por causa desse novo foco, mas claramente uma mudança de objetivos.
Valor: Parece uma mudança importante na própria noção do que, afinal, seria considerado um movimento social.
Bartley: Sim. Preocupa-me, por exemplo, que essas iniciativas estejam corroendo movimentos sociais formados nos países desenvolvidos em torno da ideia de diminuir o consumo como forma de luta política. Do fim dos anos 1980 até o fim da década seguinte, os movimentos sociais na América do Norte e na Europa batiam tanto na tecla do consumo verde (compre orgânico, compre produtos produzidos perto de sua casa) quanto da diminuição do consumo como fim. Era uma proposta de repensar o excesso de consumo. Essa crítica foi deixada de lado.
Valor: Por quê?
Bartley: Os movimentos sociais se cansaram de dizer “não”. Não compre isso, não consuma aquilo. Havia uma pressão enorme para que se apresentasse uma mensagem positiva. E há também o fato de que os movimentos sociais surgidos nesse período recebem dinheiro de ONGs muitas vezes financiadas pelas mesmas empresas interessadas no processo de regulamentação e especialmente concentradas na continuidade da compra de seus produtos, agora dentro dessa categoria de “sustentável”, de “seguro” para o consumidor.
Valor: Onde fica o consumidor nessa equação? Os certificados são mesmo efetivos? Modificam a maneira pela qual se vai às compras?
Bartley: Um pequeno segmento de consumidores nos Estados Unidos e um outro, pouco maior, na Europa, estão mais cientes do processo de produção, que começa do outro lado do planeta, até que aquele produto chegue à sua casa. Mas isso não é importante para a maioria dos consumidores. A importância dos certificados é a de chamar a atenção para o impacto do consumo. A questão é: quando você escolhe um projeto com um certificado, qual é a diferença na vida real? Eles estão de fato mudando as condições de trabalho de um país emergente, por exemplo, ao levar o consumidor a fazer uma escolha moral?
Valor: Estão?
Bartley: Os estudos já realizados não nos oferecem um quadro claro. Em alguns casos, há uma melhoria nas relações trabalhistas. Em outros, a certificação é apenas “greenwashing”. Os consumidores querem cada vez mais ter certeza de que estão comprando algo puro, limpo, sem impacto negativo, mas isso é uma falácia. A natureza do capitalismo contemporâneo e a cadeia moderna de suprimentos transformam essa garantia verde em uma impossibilidade. Se esperamos que um produto certificado seja perfeito, então estamos comprando uma ilusão. Se concordamos que ele é um pouco menos danoso do que um produto similar, mas não certificado, então pode ser o caso. E aí pergunto: essa é a melhor maneira de tratar a questão ecológica? Não se teria um maior efeito com um maior envolvimento do Estado?
Valor: Em sua opinião, qual deveria ser o papel do governo na regulamentação da produção agrícola e industrial?
Bartley: Não há substituto para um governo democrático na política de regulamentação de produtos. Não podemos esperar que o mercado e as corporações vão, por uma questão racional e prática, por meio dos selos de qualidade, por exemplo, se autorregular de forma perfeita. Há aspectos importantes nessa discussão, como no caso da agricultura, da posse de terras, da reforma agrária, que precisam continuar sendo regulamentadas por políticas públicas.
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Fonte: EcoDebate, 30/08/2010

sexta-feira, agosto 27, 2010

Estado sintomático

Sábios e Doentes
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Quando um dia sequer sem ameaças
Dor e fome ainda morrem no corpo
Os caminhos demonstram violências
E ainda impunes se entrelaçam noutros
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As mesmas promessas se arrastam
Anos a fio cortando fundo no osso
Sem panacéias que satisfaçam nada
É uma navalha o mais provido esboço
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Mesquinharias, ambições e lucros
Impedem as necessidades da gente
Propiciam cicatrizes nos sonhos
Assim como as repetições dementes
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Folias insanas, maus políticos, bravatas
Nos queima a todos através dos anos
Suja-se o bom gosto das almas
Que ainda acreditam nos planos
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A hora dos consertos chega e se vai
Pelos filhos que tateiam esperanças
Em vendas manchadas por interesses vis
Até se acudir no balanço das mudanças
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Ainda pisamos no olho da água doce
O mineral com vigor ainda borbulha
Espelho natural sem rancor se derrama
E nos alimenta com manancial ternura
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Vale ainda os valores da sabedoria
Em cascatas reviradas por letras e lanças
Uma verdade com gosto de ruptura
No peito do ser que mantêm sua dança

agrobusiness e dualismo tecnológico

Diagnóstico do agronegócio e a variável ambiental

por Roberto Naime
Na segunda metade do século XX, o setor primário do Brasil passou por uma dramática transformação. Deixou a fase romântica, onde a vida junto a natureza era mais idealizada e passou a se tornar um tipo de exploração com características sistêmicas, alta organização e elevado nível de complexidade. Nascia o agronegócio.
No Brasil, ocorreu a passagem de uma condição de modelo agricultura voltado para a auto-suficiência da propriedade, para o complicado sistema de interdependência, que marca as relações do setor rural com a indústria e os serviços, na configuração do Sistema Agroindustrial.
Surge o agricultor moderno, também chamado de empresário rural, dedicado exclusivamente às tarefas do cultivo agrícola e da criação pecuária. As funções de armazenar, processar, e distribuir alimentos e fibras são assumidas por outras organizações empresariais. O estado do Mato Grosso constitui um paradigma desta transição, pois a própria ocupação do estado ocorreu de forma concomitante com a mudança de modelo.
Na cadeia do agronegócio, para montante ou para cima, que são as fases anteriores à produção, ocorrem a produção de insumos agrícolas e fatores de produção, incluindo máquinas e implementos, tratores, combustíveis, fertilizantes, suplementos para ração, vacinas e medicamentos, sementes melhoradas, inseticidas, herbicidas, fungicidas e muitos itens mais, além dos serviços bancários, técnicos de pesquisa e de informação.
Para baixo ou a jusante aparecem estruturas complexas de armazenamento, transporte, processamento, industrialização, comércio e distribuição atacadista e varejista. Enfim, em torno da agricultura passou a orbitar uma rede extensa e complexa de organizações públicas e privadas, formando o sistema de alimentos e fibras.
O agronegócio ou “agribusiness” é definido como a soma total das operações envolvendo a produção e distribuição de suprimentos agrícolas, as operações de produção na fazenda e o armazenamento, processamento e distribuição de produtos agrícolas e dos itens produzidos.
No decorrer da evolução da agricultura para o agribusiness, ficou notável o fenômeno conhecido como dualismo tecnológico, que é reconhecido em dois extremos opostos: agricultura comercial que é um pólo dinâmico que incorpora tecnologias avançadas, ganhos sistemáticos de produtividade e articula a produção agroindustrial com o desenvolvimento urbano e a agricultura de baixa renda que é um núcleo estagnado, que utiliza tecnologia tradicional e produz à base de unidades familiares. Com diferenças em gênero, número e grau, ambas convivem num mesmo momento e requerem políticas públicas e ações empresariais diferentes.
O agricultor tradicional é eficiente do ponto de vista de alocação de recursos. O que lhe falta é informação, conhecimento de mercado, assistência técnica adequada e acesso a tecnologia. Aliás, a eficiência e ineficiência podem ocorrer em todos os tamanhos e tipos de propriedade agrícola. A palavra-chave é “gestão”.
O agronegócio é responsável por 37% dos empregos no país, 30% do PIB e cerca de 40% das exportações. Mas é necessário que esta atividade incorpore cada vez mais os conceitos de sustentabilidade. O respeito ao meio ambiente tem que deixar de ser uma questão de legalidade e passar a ser uma questão de convicção.
Não é necessário considerar a variável ambiental apenas na hora de obtenção de licenciamentos e adequações legais. É preciso compreender as vantagens geradas pelo equilíbrio homeostático da natureza e os ganhos sustentáveis de longo prazo que se obtém com esta visão.
Roberto Naime, Professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE, Novo Hamburgo – RS, é colunista do EcoDebate.
Fonte: EcoDebate, 27/08/2010

ao Presidente Lula

Carta Kaiowá Guarani



Senhor Presidente Lula,
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Várias vezes ouvimos o senhor falar e nos prometer pessoalmente que iria resolver o problema da demarcação de nossas terras Kaiowá Guarani. Não entendemos porque isso até hoje não aconteceu. Ouvimos até o senhor pedir isso ao governador. Porém, como ele se manifestou várias vezes contra o reconhecimento de nossas terras, tínhamos a certeza de que ele não só nada faria, como se empenhou em impedir a demarcação.
Agora, senhor presidente Lula, o senhor vem aqui na região do nosso território Kaiowá Guarani, em Dourados, sem ter, em quase 8 anos de governo praticamente nada feito pelas nossas terras. Ou melhor, fizeram muitas promessas, a Funai colocou a nossa situação como prioridade, assinou juntamente com o Ministério Público um Termo de Ajustamento de Conduta. O tempo já expirou e nada das nossas terras sequer serem identificadas.
Senhor Presidente, por favor, não prometa nada, mande apenas demarcar nossas terras. O resto sabemos dos nossos direitos e vamos batalhar por eles. Já esperamos demais e toda nossa enorme paciência acabou. Só esperamos não precisar ir pelo mundo afora, na ONU e nos tribunais internacionais denunciar um governo em quem tanto esperamos. Temos a certeza que o senhor que quer entrar para a história como um grande presidente desse país e para a humanidade, não queira entrar também como massacrador do nosso povo. Caso não demarcar as terras, infelizmente é isso que continuará a acontecer conosco. O senhor já deve ter ouvido falar do recente assassinato dos nossos dois professores, Jenivaldo e Rolindo, na terra indígena Ypo’i, município de Paranhos. Seus familiares vieram aqui exigir justiça e garantia de vida e seus direitos à sua terra tradicional à qual voltaram recentemente. Querem encontrar o corpo de Rolindo e ali enterrar Jenivaldo.
Finalmente, senhor presidente Lula, Não deixe nosso povo Kaiowá Guarani sofrendo tanto. Nosso povo continua sendo morto que nem animal e muitos de nossos jovens se suicidam pela falta de esperança e de terra. Sofremos demais com tanta violência em e contra nossas comunidades. Isso só vai começar a mudar com a demarcação de nossas terras, juntamente com um plano de recuperação ambiental e produção de alimentos.
Não fazemos pedidos, exigimos direitos. Demarcação de nossas terras com urgência para que nosso povo volte a viver em paz, com felicidade e dignidade.
Conselho da Aty Guasu Kaiowá Guarani e Comissão de Professores Indígenas Kaiowá Guarani
Dourados, 24 agosto de 2010.
Carta socializada pelo CIMI e publicada pelo EcoDebate, 27/08/2010

Nota do EcoDebate: O Mato Grosso do Sul continua o principal palco de continuados crimes e agressões contra índios do povo Guarani-Kaiowá.
Os episódios de violência anti-indígenas são frequentes e, mesmo assim, pouquíssimo divulgados pela grande mídia e praticamente desconhecidos da maioria da população.
O histórico do MS fala por si mesmo e precisamos nos esforçar na denúncia da manutenção da herança genocida, bem como cobrar que as apurações destes continuados crimes também identifiquem os mandantes, os contratantes dos pistoleiros de aluguel.
No EcoDebate, em razão de nosso compromisso com os movimentos sociais e populares, mantemos pauta permanente sobre os conflitos no campo e as questões indígenas, quilombolas e de reforma agrária. Ao nosso modo e na medida de nossas possibilidades tentamos ‘cobrir’ a lacuna de informações deixada pela grande mídia.
Relacionamos, abaixo, algumas matérias que demonstram o quanto os conflitos no Mato Grosso do Sul deixaram de ser ‘meros conflitos isolados’ para assumir um caráter de intolerância étnica.
Retomada da esperança com os estudos antropológicos para identificação de terras indígenas no MS. Entrevista com Egon Heck
Fonte: EcoDebate, 27/08/2010

quinta-feira, agosto 26, 2010

recado aos economistas

aos jovens futuros economistas e aos que desejam estudar Economia
por Hugo Eduardo Meza Pinto e Marcus Eduardo de Oliveira
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As personalidades listadas a seguir têm algo em comum – Alan Greenspan (ex-presidente do Banco Central americano), Peter Druker (guru da Administração), Philip Kotler (guru dos Negócios Empresariais), Kofi Anan (ex-Secretário Geral da ONU), Mick Jagger (cantor), Arnold Schwarzenegger (ator e governador da Califórnia), Ivan Zurita (presidente da Nestlé), Roger Agneli (presidente da Vale) e Bernardinho (técnico de vôlei da seleção brasileira) – todos, sem exceção, passaram por uma faculdade de Economia.
Apesar de não exercerem a profissão de economista, estas personalidades, certamente, utilizaram e ainda utilizam os conceitos da ciência econômica em suas vidas profissionais ou mesmo pessoais.
Qual o motivo de comentarmos isso? Durante os últimos anos tem-se falado de maneira generalizada em Economia (enquanto ciência), principalmente em alguns dos conceitos que envolvem este ramo do conhecimento.
Atualmente, percebe-se uma tendência em discutir conceitos econômicos na sociedade. Muito se fala, por exemplo, na importância da educação financeira. Nesse pormenor, já há estudos que apontam para a viabilidade de inserir conceitos sobre educação financeira na grade curricular do ensino médio. Nesta mesma linha, é comum vermos e ouvirmos em programas de TV e rádio alguém se dedicar aos assuntos do universo da Economia. Não por acaso, sempre aparecem especialistas no assunto, apresentando-se em tom de conselhos.
Diante disto, uma pergunta se apresenta como pertinente: Como explicar a diminuição de demanda de estudantes pelo curso de Economia no Brasil, e em alguns outros lugares do mundo? A Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Economia (Anges) aponta para essa diminuição desde a década de 1980. Corrobora para isso os dados apresentados pelo Censo da Educação Superior Brasileira do Ministério da Educação (MEC) mostrando que somente 3,2% do total de matrículas, no Brasil, são do curso de Economia. Nos Estados brasileiros, há uma tendência dramática de diminuição de vagas preenchida para a graduação em Economia, quer seja em instituição privada ou nas universidades públicas e federais.
Conquanto, a pergunta permanece: Como explicar essa dicotomia entre se falar e mesmo estudar Economia no dia a dia?
Uma das razões disso, talvez, seja por que os próprios economistas pecam ao se apresentarem em tons demasiadamente teóricos; pouco compreensíveis, portanto, para os não familiarizados com os jargões econômicos. Não por acaso, nós economistas, “inventamos” até mesmo um linguajar complexo e sofisticado (“economês”) na tentativa de explicar os fatos. É a linguagem tecnicista e rebarbativa, sibilina por conceito, que mais atrapalha que ajuda as pessoas a bem compreenderem o universo econômico.
Para complicar ainda mais a pouca compreensão do público em geral, nós economistas acreditamos piamente no uso de modelos matemáticos para explicar quase tudo, como se as relações sociais e econômicas fossem previsivelmente exatas e como se a vida de todos nós se resumisse a números, taxas e índices. Ora, isto mostra a frieza de uma ciência que, ao contrário, tem um lado de estudo muito humano, voltado a entender a sociedade em suas múltiplas manifestações, principalmente no aspecto social.
No entanto, ao insistirmos em teorizar de forma estritamente acadêmica e por vezes, pouco popular, criamos com isso uma espécie de ranço na aceitação social que prejudica, sobremaneira, a imagem do profissional economista. Não raro, esses profissionais são muitas vezes vistos como arautos do apocalipse; ou o que é pior: de estimuladores e entendidos apenas de crise, do caos, da confusão.
Uma segunda questão – que se alinha a primeira – sobre a dificuldade em angariar novos interessados em estudar Economia recai, em nosso entendimento, na pouca familiaridade em tentar explicar para a sociedade o campo de atuação do economista. Por vezes, não somos claros em explicar que este profissional pode ocupar espaços em atividades públicas e privadas; dada a abrangência de conhecimentos sólidos que o curso fornece. Esta abrangência somente é possível por se tratar de uma formação sólida que não se limita a dados técnicos, mas que abrange a discussão dos processos históricos e sociais que construíram, desde os escritos seminais dos clássicos ingleses, o pensamento econômico.
Todavia, nunca é tarde para a mudança. O momento que se apresenta é muito propício para tentar recuperar o interesse por estudar Ciências Econômicas. A nossa profissão de economista no Brasil tem exatamente 59 anos de existência, desde o reconhecimento formal regulamentada pela Lei n° 1.411, de 13 de agosto de 1951.
No entanto, nessas quase seis décadas, poucos foram os momentos em que professores, conselheiros, profissionais da área e estudantes se reuniram para discutir os caminhos, os valores, a missão, o propósito e a atuação do economista no exercício de suas atividades. Excetuando-se os congressos e encontros profissionais realizados, são raros os momentos de profunda reflexão em torno do objetivo de orientar os jovens futuros economistas sobre o modo de atuar e, mais que isso, sobre como a Economia – tanto na teoria quanto na prática – age e influencia no cotidiano das pessoas.
Outro fito deste artigo é, justamente, o de contribuir para a orientação futura do jovem estudante de Economia, visando também resgatar as demandas verificadas no passado, quando se formavam muitos economistas. Para isso, nos sentimos encorajados a esboçar algumas linhas direcionadas, especificamente, ao debate sobre a atuação e o papel do economista em nossa sociedade. Desnecessário afirmar, contudo, que não nos apresentamos como conselheiros e donos da verdade; não temos a prerrogativa do tom professoral.
É oportuno reiterar que apenas desejamos, tão somente, contribuir para o aprofundamento de temas que cercam a natureza da ciência econômica no que toca a discorrer sobre os propósitos mais interessantes dessa ciência – para aquilo que se convenciona entender ser uma boa economia – e, ademais, para vermos aumentar o interesse pelo curso superior.
No sentido de discutir os propósitos da ciência econômica, um primeiro ponto a ser ressaltado é que o economista que constrói hipóteses deve, obrigatoriamente, a seguir, confrontar seus modelos com a realidade social. Somente o mundo real poderá validar ou não suas idéias. É imprescindível, todavia, não perder de vista que os modelos da economia são imperfeitos; sua verificação é aproximativa. A realidade social – em todas suas manifestações – é passível de soluções econômicas. Por sinal, todo problema social exige, por contrapartida, uma solução econômica. Dessa constatação emerge afirmar que a Economia precisa, para ser aceita definitivamente como uma ciência capaz de promover boas ações, colocar o progresso a serviço dos mais pobres. Talvez o principal papel da Economia seja o de ser construtiva. Para isto, não se deve perder de vista que no atual mundo, em que um terço da humanidade continua mergulhada na miséria, a ciência econômica deve, à sua maneira, priorizar o combate às questões sociais mais agudas.
O desenvolvimento econômico quando proferido e ensinado pela economia só faz sentido se levar bem-estar aos que mais sofrem. Gandhi, uma das almas mais brilhantes que já pisou no planeta Terra, a esse respeito disse que “o desenvolvimento seria bom e justo somente se elevasse a condição dos mais necessitados”.
Os jovens futuros economistas precisam, neste pormenor, em busca de alcançar equilíbrio econômico-social, encarar que a justiça social é um imperativo que deve predominar sobre a produção. O mundo da Economia não deve, pois, ser reduzido à condição de mercado, nem de mercadoria. Antes disto, é fundamental ter ciência que existe algo de mais valioso: a vida humana. Aos jovens futuros economistas em processo de graduação, e aos que desejam se inscrever num curso de Economia, recomenda-se não se recuse ao exercício de ver a sociedade tal qual ela é. Se os economistas de hoje, de ontem e, espera-se que os do amanhã têm uma função a cumprir na sociedade, entendemos que essa é, em larga medida, a de se envolver no processo de transformação econômica e social.
Cristovam Buarque, engenheiro de formação e economista por opção do doutorado, diz brilhantemente que “não faz sentido ser economista se não for para lutar contra a fome e a pobreza que marca a vida de muitos brasileiros”.
Entendemos que o futuro economista deve, caso concorde com essa premissa e se predisponha a lutar por uma sociedade de iguais, ter clara a idéia central de que a Economia precisa ser inclusiva. A Economia, definitivamente, não funciona sem a inclusão das pessoas por um motivo bem simplista: ela é feita pelos homens e para os homens.
Por fim, reitera-se aqui que por inclusão entendemos uma vida sem dificuldades básicas; uma vida de acesso, de oportunidades iguais.
Neste pormenor, concordamos plenamente que a finalidade do economista e a da ciência econômica seria aquilo que Carl Menger argumentou, em seu tempo: “a economia precisa satisfazer as necessidades humanas”. Detalhe: não estamos nos referindo ao conspícuo. Estamos nos referindo, apenas, a necessidades básicas: comer, se vestir, se abrigar, trabalhar, buscar ser feliz.
A você, caro estudante que deseja ingressar no curso de Economia, sinta-se tocado no seguinte: esta ciência tem todas as ferramentas para ajudar no seu progresso e da sociedade. Contamos contigo para a consolidação dessa árdua tarefa. Assim como a Economia (enquanto ciência) precisa de você, você também precisa da Economia (também enquanto atividade) para fazer avançar a qualidade de vida de todos. O desafio está lançado. Venha estudar Economia!
Nós, e a maioria de economistas que sentem nas veias a profissão, garantimos que vale a pena.
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Hugo Eduardo Meza Pinto, Economista, Doutor pela (USP). É Diretor Geral das Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba – Brasil. Meza{at}santacruz.br
Marcus Eduardo de Oliveira, Economista, mestre pela (USP). É professor de Economia da FAC-FITO / UNIFIEO (S. Paulo – Brasil). 
prof.marcuseduardo@bol.com.br
Fonte: EcoDebate, 25/08/2010

"chargeando" o informal

trabalho escravo, ainda...

Trabalho escravo pode ameaçar exportações do Brasil
Brasília - Durante o curso Trabalho Escravo – Aspectos Trabalhista e Penal, hoje (25), em Brasília, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, ressaltou que o trabalho escravo no país é uma questão que vai além dos direitos humanos e reflete na economia, ameaçando até as exportações. O ministro afirmou também que a não solução do problema é uma de suas “frustrações pessoais” na Secretaria.
“O Brasil corre os risco de ter problemas na Organização Mundial do Comércio (OMC) porque países concorrentes podem levar fotos e provas do uso de trabalho escravo na produção de soja, por exemplo”.
Ele também destacou a importância da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438 para a erradicação do trabalho escravo no país. A PEC prevê a expropriação e destinação para a reforma agrária de todas as terras onde sejam flagrados trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo.
Os juristas presentes defenderam ainda a aprovação de outras proposições do Congresso, como o Projeto de Lei 207/2006 que proíbe a concessão de crédito e de participação em licitações do governo de empresas que expõe trabalhadores a situações degradantes.
Para o juiz Luciano Athayde Chaves, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, é preciso ir além das mudanças na lei e atentar para novas formas de exploração, que ocorrem também em centros urbanos. Ele acredita que o Estado deve oferecer apoio em várias frentes para resolver o problema. “Libertar o trabalhador sem oferecer reparação através de ações pedagógicas e da concessão de recursos por danos morais em ações coletivas é condenar o libertado a voltar à antiga condição”.
Segundo a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Rosângela Rassy, a produção de etanol vem mudando os locais onde trabalhadores são submetidos a condições de trabalho escravo. “Em 2009, a Região Sudeste foi a campeã em autuações e resgate e também houve aumento no Sul”, afirmou. O curso para aprimoramento de magistrados continua até sexta (27) com palestras e oficinas.
Edição: Talita Cavalcante
Fonte: Agência Brasil, 25/08/2010

impacto das radiações

A conspiração do silêncio
Há 50 anos, as conseqüências sanitárias das atividades nucleares são ocultadas pela Organização Mundial da Saúde. Nesse período, concentrações nocivas de radionuclídeos acumularam-se na terra, na água e no ar. Todos os estudos que alertavam sobre o impacto das radiações foram solenemente ignorados. O lucro falou mais alto
por Alison Katz
Em junho de 2007, Gregory Hartl, porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que as atas da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre a catástrofe de Chernobyl, realizada entre 20 e 23 de novembro de 1995, tinham sido publicadas. Nunca foram. Os resultados da Conferência de Kiev, de 2001, também não vieram a público. Ambos os eventos discutiram o terrível acidente nuclear de 26 de abril de 1986, que contaminou centenas de milhares de pessoas na Ucrânia, na Bielorrússia e na Rússia.
Pressionada por jornalistas, a OMS reiterou a mentira contada por Hartl, limitando-se a fornecer como referência o resumo das intervenções em Kiev e uma seleção muito restrita de artigos e exposições do encontro de Genebra.
Esta é apenas a ponta do iceberg da dissimulação institucional.
Um milhão de crianças doentes
A posição da organização é questionada de forma permanente desde 26 de abril de 2007, no 21° aniversário da catástrofe, quando dois piquetes foram montados em frente à sua sede 1. Diariamente, ao entrar e sair do trabalho, os empregados da instituição deparam com um quadro mostrando um milhão de crianças doentes e sob irradiação na região adjacente a Chernobyl. A Independent WHO (OMS Independente, na tradução literal), responsável pela mobilização, acusa o órgão de negar assistência às populações em perigo e de ser cúmplice em ocultar as conseqüências do desastre. Os manifestantes reivindicam a independência da OMS em relação à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) 2 para que a questão receba um tratamento sério e científico e as pessoas contaminadas sejam atendidas de forma adequada. Eles já lançaram um “apelo internacional dos profissionais da saúde” 3 e preparam uma resolução que pretendem aprovar na Assembléia Mundial da Saúde, foro decisório da OMS que fará sua próxima reunião em maio 4.
De acordo com seu estatuto, a AIEA tem como objetivo “acelerar e ampliar a contribuição da energia atômica para a paz, a saúde e a prosperidade em todo o mundo”. Na realidade, não passa de um lobby – militar, aliás – que nada tem a fazer na “família” ONU e não deveria interferir na escolha de políticas sanitárias ou de pesquisas. No entanto, nenhuma investigação ou ação da OMS sobre o binômio radioatividade/saúde pode ser empreendida sem o aval prévio da AIEA. O pacto que liga as duas organizações, de 1959, dispõe que “cada vez que uma das partes se propuser a empreender um programa ou atividade em um domínio que apresente ou possa apresentar interesse importante para a outra parte, a primeira consultará a segunda a fim de resolver a questão em comum acordo”. Sendo assim, a agência impôs seu veto às conferências previstas pela OMS sobre radioatividade e saúde. Já a autoridade sanitária internacional, sem estabelecer qualquer forma de retaliação, apoiou as estatísticas grotescas da AIEA referentes à mortalidade e à morbidez resultantes do acidente de Chernobyl, que apontam para apenas 56 mortos e quatro mil casos de câncer da tireóide 5.
Alimentos contaminados
Ora, a negação da doença inevitavelmente implica na negação da cura. Hoje, nove milhões de pessoas vivem em zonas de altíssimo nível de radioatividade. Há 21 anos elas não têm outra opção senão consumir alimentos contaminados, com efeitos devastadores 6. Para a AIEA, porém, toda pesquisa capaz de mostrar os danos das radiações ionizantes representa um grave risco comercial e precisa ser proibida a qualquer preço. Por isso, as investigações sobre os eventuais prejuízos ao genoma humano, uma das conseqüências mais graves dessa contaminação, não figuraram no estudo internacional exigido pelos Ministérios da Saúde da Ucrânia, da Bielo-Rússia e da Rússia.
Segundo diversas produções científicas de instituições independentes 7, esse conflito de interesses já foi fatal a centenas de milhares de pessoas. E o fardo mais pesado ainda está por vir, decorrente dos longos períodos de latência da concentração de radionuclídeos nos órgãos internos. Centenas de estudos epidemiológicos realizados na Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Rússia já detectaram uma alta significativa de todos os tipos de câncer, além do aumento das mortalidades infantil e perinatal, da taxa de abortos espontâneos, de deformidades e anomalias genéticas, perturbações ou retardamento do desenvolvimento mental, doenças neuropsicológicas e casos de cegueira, moléstias dos aparelhos respiratório, cardiovascular, gastrointestinal, urogenital e endócrino 8.
Mas quem dá atenção a esses dados? Quatro meses depois de Chernobyl, o senhor Morris Rosen, diretor da segurança nuclear da AIEA, teve o desplante de declarar que “mesmo se todo ano houvesse um acidente desse tipo, continuaria considerando a energia nuclear interessante” 9. Se o público fosse informado a respeito de suas conseqüências reais, porém, o debate sobre a opção nuclear certamente seria encerrado da noite para o dia. É por isso que a OMS tem medo das crianças de Chernobyl.
Durante décadas, os lobbies do fumo, da agroquímica e da petroquímica sabotaram todas as medidas de saúde pública e ambientais que prejudicassem seus lucros. Mas o lobby nuclear tem-se mostrado incomparavelmente mais poderoso: abrange os governos que desenvolvem atividades nesse campo, principalmente dos Estados Unidos, Grã Bretanha e França, assim como poderosas organizações que os perpassam. A desinformação gerada sob pressões bélico-industriais dos Estados é gigantesca. E, o que é pior, a corrupção em torno do setor afeta as mais prestigiadas instituições acadêmicas e científicas. Como analisa um editorial do respeitado periódico científico The Lancet, elas “se transformaram em ‘empresas’ de direito pleno, mais interessadas em comercializar suas descobertas do que em preservar o status de pesquisadoras independentes” 10. Corroborados e citados como prova da segurança das atividades nucleares, os pareceres provêm, com freqüência, do lobismo.
Comprada pelos interesses das corporações, essa ciência nos levou ao aquecimento global – e à beira do abismo – por meio de suas mentiras, negações e dissimulações. E se as emissões responsáveis pela mudança climática são teoricamente controláveis, o mesmo não ocorre com a tecnologia nuclear e seus resíduos: ainda que essas atividades cessassem amanhã, suas conseqüências continuariam afetando a vida na Terra durante milênios. Como confiar, então, na avaliação que esses cientistas, literalmente comprometidos, fazem da energia nuclear? A resposta é simples: o conjunto das instituições governamentais, militares, industriais, científicas, de pesquisa, de regulamentação e intergovernamentais funciona, aliado a alguns órgãos da ONU, como uma “família incestuosa e fechada em si mesma” 11. Aqueles que foram fonte de informações sobre a energia nuclear são “jurados” e “juízes” em tudo o que diz respeito às conseqüências sanitárias de suas próprias atividades.
Pseudociência ultrajante
As falhas dessa pseudociência e de seu método vão do flagrante e ultrajante ao sutil e insidioso, denunciam o expert Chris Busby, o jornalista Wladimir Tchertkoff e o Tribunal Permanente dos Povos acerca das Dissimulações 12. A primeira série de delitos concerne à falsificação e à retenção de dados, à ausência de medição da radioatividade e de rastreamento do câncer, aos ataques aos pesquisadores independentes e suas instituições, à censura aos estudos sobre os efeitos nefastos, ao aviltamento de milhares de pesquisas não traduzidas dos três países mais afetados e à exclusão da ordem do dia das conferências de campos científicos que discutem os efeitos da irradiação interna crônica e em baixa dosagem. A segunda série criminosa abrange artifícios como o cálculo somente da média das irradiações para toda a população, desprezando as diferenças consideráveis de um lugar para outro; a suspensão dos estudos após dez anos, evitando assim que se leve em conta a morbidez e a mortalidade em longo prazo; a fixação de cinco anos de sobrevida como cura; a não identificação de nenhuma outra doença a não ser o câncer; a divulgação da redução dos casos de câncer infantil quando, na realidade, as crianças se tornaram adultas e já não figuram na base de dados; a contabilização restrita dos sobreviventes; a análise exclusiva da Rússia, Bielorússia e Ucrânia. E dezenas de outras manipulações.
Entre 1950 e 1995, nos Estados Unidos, o número anual de novos casos de câncer cresceu 55%, segundo o Instituto Nacional do Câncer. Observa-se uma tendência semelhante na Europa, assim como em todos os países industrializados. Os cânceres não ligados ao tabagismo contribuem com aproximadamente 75% desse aumento e não podem ser explicados por uma detecção mais apurada ou pelo envelhecimento das populações 13. Esse crescimento acompanha a evolução do produto nacional bruto e da industrialização e sua causa mais evidente, a poluição química e radioativa do ambiente, é ignorada. De maneira muito perversa, prefere-se censurar os maus hábitos das vítimas.
Em um futuro próximo, esta e outras enfermidades resultantes da contaminação nuclear estarão bem mais arraigadas no planeta do que as “grandes assassinas” (afecções respiratórias infecciosas agudas, diarréia, malária, tuberculose e AIDS), doenças ligadas à pobreza e que matam cerca de cem mil pessoas por dia, mas não chamam a atenção para as vítimas. A epidemia do câncer já afeta as camadas privilegiadas e instruídas da sociedade, que exigem explicações científicas sérias e uma prevenção real, ou seja, um ataque direto ao problema. Tanto que associações de doentes começaram a conclamar o boicote das poderosas organizações beneficentes, claramente ligadas às indústrias farmacêuticas e de equipamento médico. Outras vítimas tentam levar à Justiça os responsáveis pela dissimulação dos verdadeiros perigos da energia nuclear.
Por isso, o desvio científico e a íntima relação entre a indústria e as instituições acadêmicas deveriam estar no centro das preocupações da OMS. Quando eleita diretora-geral, Margaret Chan garantiu que um dos atributos da organização era sua hegemonia sobre a saúde pública. “Nós dispomos de autoridade absoluta em nossas diretivas”, declarou. Porém, no domínio da radioatividade, seria mais justo se Chan reconhecesse que é a AIEA quem detém essa “autoridade absoluta” e tentasse mudar o quadro.
Mas não se pode contar com os Estados-membros da OMS para tomar providências. Como observou The Lancet em seu já mencionado editorial, “os governos, no âmbito nacional e regional, faltam regularmente ao dever de colocar suas populações antes do lucro”. Neste sentido, o doutor Mae Wan Ho e outros integrantes da Scientists for Global Responsability (Cientistas pela Responsabilidade Global) esboçam uma Convenção do Saber 14, com o objetivo de garantir o desenvolvimento de uma pesquisa independente e séria sobre as consequências sanitárias das atividades nucleares civis e militares, assim como a divulgação dos resultados sem obstrução.
Alison Katz, foi, durante 18 anos, integrante do staff da Organização Mundial da Saúde (OMS). Integra hoje o Centre Europe - Tiers Monde [Centro Europa - Terceiro Mundo], com sede em Genebra.
Notas
1     Charaf Abdessemed, “Les antinucléaires font le piquet devant l’OMS”, Genebra Home Information, 6 e 7 de junho de 2007.
2     Organização autônoma colocada sob a égide das Nações Unidas em 1957, a AIEA serve de fórum intergovernamental mundial para a cooperação técnica na utilização pacífica de tecnologias nucleares. 
3     http://www.independentwho.info/spip.php?article107
4     Nesta assembléia, as delegações dos 193 Estados-membros determinam as políticas da organização.
5     “Chernobyl’s legacy: health, environmental and socio-economic impacts, 2003-2005 ”, Viena, abril de 2006.
6     Michel Fernex, “ La santé: état des lieux vingt ans après”, in Galia Ackerman, Guillaume Grandazzi e Frédérick Lermarchand, Les Silences de Tchernobyl, Paris, Autrement, 2006.
7     Pierpaolo Mittica, Rosalie Bertell, Naomi Rosenblum e Wladimir Tchertkoff, Chernobyl: the hidden legacy, Londres, Trolley Ltd, 2007.
8     Alex Rosen, “Effects of the Chernobyl catastrophe: literature review”, janeiro de 2006, disponível em www.ippnw.org/ResourcesLibrary/Chernobyl20rosen.pdf
9     Le Monde, 28 de agosto de 1986.
10   “The tightening grip of big pharma”, The Lancet, 14 de abril de 2001.
11   Rosalie Bertell, No immediate danger: prognosis for a radioactive earth, Toronto, Women’s Press, 1985.
12   Chris Busby, Wolves of water: a study constructed from atomic radiation, morality, epidemiology, science, bias, philosophy and death, Aberystwith, Green Audit, 2006. Wladimir Tchertkoff, Le crime de Tchernobyl: le goulag nucléaire, Arles, Actes Sud, 2006. Permanent People’s Tribunal, International Medical Commission on Chernobyl, Chernobyl environmental, health and human rights, Viena, 12 a 15 de abril de 1996.
13   Samuel Epstein, Cancer-Gate. How to win the losing cancer war, Nova York, Baywood, 2005.
14   “Towards a Convention on Knowledge”, Cambridge, Institute of Science and Society, disponível em {www.i-sis.org.uk/conventiononknowledge.php}.

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