A
necessidade de aumentar a produção agrícola para alimentar a crescente
população mundial pressionará os recursos naturais, principalmente a água,
segundo José Graziano, que
em 2012 assumirá a direção geral da FAO (agência da ONU para agricultura e
segurança alimentar).
"A
água se tornou o maior entrave à expansão da produção (de comida),
especialmente em algumas áreas como a região andina, na América do Sul, e os
países da África Subsaariana", diz à BBC Brasil Graziano, atualmente diretor da
FAO para a América Latina e ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome
no governo Luiz Inácio Lula da Silva, quando foi o responsável pela
implementação do Programa Fome Zero.
A
reportagem é de João Fellet e publicada por BBC Brasil, 28-10-2011.
Segundo previsão
da FAO, até 2050, a produção mundial de
alimentos terá de crescer 70% para dar conta do aumento populacional.
Graziano diz
que, apesar da pressão sobre os recursos naturais, é possível pôr fim à fome no
mundo por meio de quatro ações principais: a aplicação de tecnologias modernas
na lavoura (muitas já disponíveis), a criação de uma rede de proteção social
para populações mais vulneráveis, a recuperação de produtos locais e mudanças
nos padrões de consumo em países ricos.
"Se
pudéssemos mudar o padrão de consumo em países desenvolvidos, haveria comida
para todos", diz ele. "Nós desperdiçamos muita comida hoje, não
só na produção, mas também no transporte e no consumo".
Segundo Graziano, enquanto a comida é
mal aproveitada em nações ricas, cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome em
países emergentes.
"Precisamos
assegurar que esse bilhão de pessoas sejam alimentados, que tenham bons
empregos, bons salários e, se não pudermos dar-lhes empregos, encontrar uma
forma de proteção social para eles".
Bolsa
Família
Graziano afirma
que programas de transferência de renda, como o Bolsa Família no Brasil, hoje atendem cerca de 120
milhões de pessoas na América Latina, ajudando a combater os índices de fome na
região. Ele defende ampliar essas ações para outros países afetados pela
falta de alimentos, especialmente na África.
Outra ação
que Graziano advoga é recuperar produtos
agrícolas típicos de cada região. Segundo ele, por não serem commodities, esses
produtos não são afetados por variações bruscas de preços, o que favorece
consumidores e produtores. Além disso, geram um ciclo de produção e
consumo local, barateando a comida.
"O que
é caro nos alimentos é o transporte, a produção de alimentos é muito
barata. Se conseguirmos diversificar, fazer uma regionalização e melhor
distribuição de alimentos e consumo, os preços serão muito mais baixos."
Graziano diz
ainda que o estímulo à produção de produtos tradicionais ajudaria a
diversificar a fonte de alimentos.
"Hoje
caminhamos para ter poucos produtos responsáveis pela alimentação de quase 7
bilhões de pessoas. Precisamos diversificar essa fonte, criar maior
variabilidade".
Ele afirma
que a prioridade dada a alimentos cotados em mercados internacionais tem feito
com que a América Latina, por exemplo, venha perdendo a capacidade de produzir
feijão – um alimento tradicional altamente nutritivo, produzido a um custo
baixo.
Obesidade
A
diversificação da produção agrícola, segundo Graziano,
também ajudaria a combater outro problema global relacionado à alimentação: os
crescentes índices de obesidade, inclusive em países emergentes.
Ele afirma
que o número de pessoas com problemas de má alimentação ou obesidade já alcança
2 bilhões, duas vezes mais que o total de pessoas afetadas pela fome.
Ele atribui
o índice à "comodidade da vida moderna", que amplia o acesso a
produtos industrializados, com alta concentração de açúcares, ao mesmo tempo em
que desestimula atividades físicas.
Para Graziano, o combate desse mal
também deve incluir ações educativas.
"Achamos
que nossas mães sabem o que devemos comer. Isso valia para nossas avós,
que colhiam produtos na horta, mas hoje nossas mães buscam comidas prontas,
fast food, já que elas também trabalham e têm longas jornadas fora de
casa".
Graziano
também cobra que as grandes empresas de fast food se sensibilizem quanto ao
problema e ampliem a oferta de comidas frescas em seus cardápios.
Biocombustíveis
Na
entrevista à BBC Brasil, Graziano também aborda outros dois temas
que têm permeado discussões recentes sobre a produção de alimentos: a suposta
competição entre a produção de comida e a de biocombustíveis e os riscos que o
aumento da produção agrícola impõem à preservação ambiental.
Ele afirma
que, em duas das três maiores regiões produtoras de biocombustíveis do globo
(Estados Unidos e Europa), houve incremento em alguns preços de alimentos por
causa da competição com biocombustíveis.
No Brasil,
porém, ele afirma que a produção de etanol a partir da cana de açúcar não teve
qualquer impacto nos alimentos, já que a produção cresceu principalmente em
terras improdutivas e por meio da modernização de técnicas agrícolas.
Graziano também
diz não ver conflitos em conciliar a preservação ambiental à necessidade de
ampliar a produção agrícola.
"A
intensificação da produção com modernas tecnologias, menor uso de fertilizantes
e defensivos pode beneficiar muito o meio ambiente", diz.
"O
avanço da tecnologia nessa direção permitiria terminar com essa falsa dicotomia
entre ecologistas e agricultores".
Fonte: IHU
| Notícias, 29/10/2011.
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