Ao contrário da Espanha, os indignados
de Nova York aceitam o apoio dos sindicatos e dos famosos. Mas não querem
líderes e questionam os partidos e o próprio Obama.
A reportagem é de Barbara Celis e está publicada no jornal espanhol El País, 09-10-2011. A tradução é do Cepat.
“Fui diplomata durante 15 anos. Participei de dezenas de reuniões
do Conselho de
Segurança da ONU, me sentei com chefes de Estado de todo o
mundo, vi como os Governos se deixam corromper pelos Bancos e empresas e no
final me tornei um cínico. Mas durante as últimas duas semanas recuperei minha
paixão pela política, que alimento desde criança. Uma das conversas mais
interessantes que tive nos últimos anos foi sentado na praça da Liberdade”.
Carne Ross não é um jovem
romântico ou um hippie. Muitos dos integrantes do 15-M tratavam de se
classificar nessa categoria e agora acontece a mesma coisa com sua réplica
norte-americana, os que apóiam o movimento Ocupe Wall
Street, nascido há três semanas em Nova York e que já
contagiou, em pequenas doses, o resto dos Estados Unidos. Ross é a prova de que esses movimentos
incluem pessoas heterogêneas, desde estudantes a pessoas com longa trajetória
profissional. Ross fazia parte do corpo diplomático da
Grã-Bretanha até 2004, quando renunciou ao seu posto na ONU, um ano após a invasão do
Iraque, “por problemas de consciência diante da guerra que justificamos criando
provas inexistentes”.
Ele fala da Praça da Liberdade, nome com que foi rebatizado o
Parque Zucotti, nas imediações da zona zero, lugar de Nova York onde se mantém
o movimento de protestos.Carne Ross, próximo aos cinquenta
anos, define assim a praça: “Aqueles que afirmam que só há um punhado de
idealistas extemporâneos não faz nem ideia do que está acontecendo. Ali está se
construindo o futuro, cada tarde, com a voz e a participação de todos. Sei que
custa entender quando se viveu acreditando que a democracia de partidos é a melhor
forma de governo possível. Mas somos muitos os que deixamos de acreditar no
voto e agora buscamos novos caminhos através da participação cidadã”.
Atualmente, dirige a Independent
Diplomat, uma organização que presta “assessoria diplomática”
àqueles que só têm voz, como a Frente Polisario.
Para ele, entrar na praça da Liberdade, onde se desenvolvem os protestos contra
o poder financeiro de Wall Street, significou poder escutar um leque de
propostas construídas dia após dia nas assembleias abertas e grupos de trabalho
independentes, sem líderes nem maiorias, apenas com decisões consensuadas.
Quem são aqueles que realmente estão no coração dos protestos? O
que começou “com muita gente anti-sistema, no sentido tradicional da palavra”,
se abriu depressa a “um leque muito amplo de cidadãos, inclusive muita gente
que estava na política ou em sindicatos, organizações que aqui não são vistas
com receio, como acontecia na Espanha, mas como uma forma de fazer crescer o
movimento”. A explicação é de Antonio,
espanhol que participa da indignação novaiorquina, que pede ser chamado
simplesmente assim.
Roberto
Grodt, um dos jovens pioneiros da praça, o confirma. “Eu sou a favor
de todos os que querem se reunir. Os sindicatos são bem-vindos, sempre que
entenderem que aqui não queremos líderes. E os famosos, também. Muitos são bem
simpáticos. E nos trazem mais pessoas, assim que está bem que se sigam tirando
fotos por aqui. Este lugar está aberto a todos”, assegura Grodt, californiano, de 24 anos.
Longe das eleições
A ideia de que os protestos poderiam se converter em uma ameaça
para a reeleição de Obama faz
parte das discussões e grupos de trabalho, como o são muitas outras. “A
política norte-americana tem verdadeira obsessão pelas eleições e ainda falta
um ano. Aqui o que importa são os problemas a serem resolvidos. O resultado das
eleições agora é indiferente”, declara ao El País a ativista e analista política Naomi Klein, expressando um sentimento muito
compartilhado na praça.
Nessa nova
ágora em ebulição, cada qual segue suas inquietudes. Carne Ross agora busca uma coisa: criar um
sistema bancário alternativo. “O atual sistema bancário está na raiz desta
crise econômica e é necessário outro diferente.
Queremos gerar formas participativas de administrar o dinheiro e a
política e por isso estamos recopilando propostas, como os bancos-cooperativa”.
Os protestos em Wall Street começaram em 17 de setembro passado
com uma tímida manifestação de apenas 2.000 pessoas. Os participantes apontaram
com o dedo ao culpado genérico pela crise econômica: o poder financeiro, esse
1% que possui 40% da riqueza de um país em que 46 milhões de pessoas vivem
abaixo da linha da pobreza, 50 milhões não têm seguro médico e o índice de
desemprego está acima dos 9% - muito alto para a história do mercado de trabalho
dos Estados Unidos. Apenas 110 milhões de eleitores, dos mais de 230 milhões
que poderiam votar, exerceram seu direito de voto nas últimas eleições
presidenciais.
Esses números poderiam ser extrapolados para a situação vivida em
outros países democráticos, onde a crise econômica asfixia e a participação
eleitoral se reduz. “Creio que o 15-M destapou uma Espanha sequestrada pelo
voto útil, deu um murro na mesa e deixou claro que em uma democracia
bipartidarista, quando ambos os partidos são fagocitados pelas corporações e
pelos bancos, inclusive esse voto deixa de servir e é preciso buscar outros
caminhos. Nos Estados Unidos creio que vai acontecer a mesma coisa que
aconteceu na Espanha”.
Outros defendem que o discurso do líder político morreu. “Barack Obama era o mais preparado, o mais
inteligente, o mais simpático... e não fez nada do que prometeu. Sejamos
benevolentes e digamos que os republicanos não deixaram. Não importa. Demonstra
que votar e depois voltar para casa e esperar que os políticos resolvam sua
vida já não funciona. Por isso é preciso valorizar o movimento político Ocupe Wall Street. A alternativa
ao poder somos nós, todos os cidadãos”. Quem explica tudo isso éAntonio,
filólogo, que participou da marcha em apoio à Spanish
Revolution de 21
de maio passado em Nova York, do qual saiu um grupo que apostou na
internacionalização do movimento 15-M.
Integrado por cerca de 10 professores, doutorandos, ou aristas,
este grupo se aliou ao longo do verão a outros coletivos cidadãos. E quando a
revista Adbusters
convocou de forma simbólica para a ocupação de Wall Street no “17 de
Setembro” – denominação que não se consolidou –, esse grupo de várias
nacionalidades arregaçou as mangas e fez correr a voz. Hoje, esses espanhóis se
ocupam com o Open Forum,
reunião diária para o debate econômico na praça “que busca produzir
conhecimento e intercâmbio de ideias”, nas palavras de Vicente Rubio. Ali já compareceram
o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, Jeffrey Sachs, e Naomi Klein, mas também dirigentes
de comunidades latinas e afro-americanas fortemente afetadas pela crise.
A condição anômala legal do Parque Zuccotti (alternativa
improvisada a um Wall Street em que a polícia os impediu de ficar) facilitou a
permanência dos manifestantes. Por ser de propriedade privada, mas de uso
público, não ser rege pelas normas vigentes nos parques administrados pela
Prefeitura, que fecham às 22h. “Nós faremos valer a lei quando o dono nos pedir
para retirá-los”, declarava há poucos dias um porta-voz da polícia. Ainda não
aconteceu e, enquanto isso, a passagem de estrelas midiáticas como o cineasta Michael Moore ou a atriz Susan Sarandon, mais as prisões em
massa de centenas de pessoas no penúltimo fim de semana, deram visibilidade a
um acampamento que evoluiu de frágil enclave ignorado pela imprensa a pequeno
“povoado de Asterix”, com sua farmácia, biblioteca, cozinha...
Muitos não conhecem um dos maiores paradoxos desta ocupação: a Brookfield Properties, a
imobiliária proprietária do parque, também administra um prédio inimigo: o 245 da Park Avenue, a
antiga residência da Bearn Stearns, a primeira instituição
financeira a entrar em colapso nos Estados Unidos, em março de 2008, e que foi
adquirida a preço de liquidação pelo JP Morgan Chase,
um dos grandes beneficiários da crise.
A
casualidade quis que um dia antes do início dos protestos, o prefeito Michael Bloomberg,
falando da situação econômica, advertisse: “O público sabe que algo não
funciona neste país. E está certo. E estão zangados. Há um monte de jovens que
se graduam e não encontram trabalho. Foi isso que aconteceu no Cairo. Foi isso
que aconteceu em Madri. E nós não queremos esse tipo de protestos em Nova
York”. O prefeito praticamente não disse mais nada sobre o que aconteceu
posteriormente e não deixou claro se permitirá que a ação de protestos em curso
continue. O presidente Obama,
a três semanas do início do movimento, reconhecia a “frustração com a crise”
dos indignados norte-americanos, enquanto seu vice-presidente os definia como
“um grupo com muito em comum com o Tea Party”,
a corrente de extrema direita que surgiu após o resgate bancário de 2008.
Na quinta-feira da semana passada, Naomi Klein respondia na abarrotada praça da
Liberdade: “O Ocupe Wall Street não é uma resposta ao Tea Party. É a resposta ao Partido
Democrata”. Jessica Stickler,
porta-voz do Moveon.org,
que agrupa cinco milhões de jovens que foram fundamentais para a eleição de Obama, se mostrava cautelosa. Seu
coletivo ainda não decidiu se apoiará o atual presidente. “No momento não vamos
apostar em ninguém”, indica. Fala da “decepção” de seus integrantes com o rumo
que “a política de Washington” tomou, enquanto hasteia os 10 pontos do Contrato pelo Sonho Americano,
cujo principal representante é Van Jones,
primeiro caído da Administração Obama (foi seu czar verde) ao qual se atribuía um
passado “muito radical”.Jones lidera um movimento próximo ao Partido Democrata que, entre outras coisas, também pede
um imposto sobre os fluxos de capitais – como a maioria dos que se encontram na
praça. O grupo sim nasceu em resposta ao Tea Party, segundo eles próprios
declararam. “Mas o Ocupe Wall
Street quer mais.
Deseja separar o poder político do econômico, como se separou, há séculos, o
religioso do político. De fora nos pedem propostas concretas, uma obsessão que
corre paralela à falta de exigências aos políticos”, explica Antonio, com mais de uma década na
cidade.
Não obstante, para os afro-americanos é difícil renegar seu
primeiro presidente negro. “Ele advertiu que demoraria dois mandatos para
cumprir suas promessas. Atacaram-no muito. Eu vou votar novamente nele”, comentava
um músico de hip hop de tamanho XL, envolvido na Coalition for Public Education,
criada para melhorar a educação dos de sua minoria. Ben, um novaiorquino com 24 anos,
envolvido na criação de um videogame “para explicar ao mundo sobre o que
discutimos na praça”, também pensa assim. Para muitos, Obama ainda representa um sonho agridoce
difícil de abandonar.
Três semanas depois do seu início, o movimento segue crescendo
após o apoio recebido em uma marcha de 20.000 pessoas organizada pelos
sindicatos para selar seu compromisso com o Ocupe Wall
Street. Jackie di Salvo,
uma professora universitária envolvida na organização, foi a que buscou seu
apoio. “Já não têm tanto peso como antes, mas agrupam e defendem milhares de
pessoas neste país que representam a classe trabalhadora, a que sofre a crise.
Sabia que seu apoio era fundamental para impulsionar este movimento, embora
aqui ninguém queira líderes”. No seio desses sindicatos, inclusive o dela, o
debate sobre Obama esta aceso, segundo confirmam a este
jornal membros de diversas entidades.
O tecido de organizações civis norte-americanas, forte até 1968,
foi aniquilado pouco depois: assassinados ou presos seus líderes políticos,
eliminou-se a educação gratuita universitária, a moradia e o seguro médico
encareceram, e os jovens deixaram de ter tempo para se envolver politicamente:
era preciso ganhar dinheiro para pagar os estudos. Em Nova York, um dos
bastiões progressistas do país junto com a Califórnia, a Lei Taylor penalizou
as greves de funcionários públicos, reduzindo assim o poder dos sindicatos de
forma drástica. Os protestos
antiglobalização de Seattle marcaram
um renascimento dos movimentos sociais no final dos anos 1990. Mas o 11-S os
abortou, transformando todo ativista num potencial terrorista. “Perecemos sob a
onda de patriotismo e militarismo que se seguiu aos ataques (às Torres Gêmeas)
e nos fez desaparecer completamente”, recordava Naomi Klein.
O movimento
contra Wall Street marca uma nova etapa nesse sentido, que simbolicamente
também grita “a imaginação ao poder”, mas no momento, e, sobretudo, “banqueiros
para a prisão”, “políticos, para casa” e “cidadãos à ágora, para criar uma nova
democracia”. Na praça da Liberdade, são abençoados desde o primeiro dia por uma
escultura que muitos chamam de “negócio vermelho”. Tem a assinatura do
expressionista abstrato Mark di Suvero e seu título é Alegria de viver. É o sentimento que
no momento se respira entre os indignados por terem ocupado as ruas e abraçado
o debate de ideias. E é possível que isso também seja um paradoxo. Alegria e
indignação nunca andaram de mãos dadas. Até agora?
Fonte: IHU | Notícias, 11/10/2011
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