por Fernando Dantas
O
prêmio Nobel de Economia para Thomas Sargent, da Universidade de Nova York, e
Christopher Sims, de Princeton, reacendeu a discussão sobre as culpas e
responsabilidades pela crise econômica global. Em relação especificamente a
Sargent, alguns comentaristas estranharam que o Sveriges Riksbank, o banco
central sueco, que decide a premiação do Nobel de Economia, tenha selecionado
um acadêmico ligado à teoria das expectativas racionais.
As
expectativas racionais e a hipótese dos mercados eficientes são, para alguns
observadores, o estofo intelectual da desregulamentação financeira que teria
levado à crise. Neste caso em particular, o papel das expectativas racionais é
mais indireto. Porém, não há dúvida de que a teoria está ligada à ideologia contrária
à intervenção governamental que prevaleceu nos anos 80 e 90.
Num
extremo desse tipo de crítica, o jornalista Olaf Storbeck, do jornal alemão
Handelsblatt, escreveu que “o prêmio (Nobel de 2011) vai para teorias que
corretamente são apontadas como culpadas por pavimentar o caminho para a maior
crise financeira e econômica desde a Grande Depressão”. Storbeck termina o seu
artigo, que foi intensamente criticado por muitos leitores, de forma
bombástica. Para ele, o Nobel de 2011 é o equivalente “a prestar homenagem ao
engenheiro que projetou o Titanic depois que o navio afundou”.
Exageros
à parte, essa é uma discussão importante. Em defesa dos critérios do Riksbank,
está o fato de que, na sua comunicação sobre a decisão, o BC sueco deixou claro
que a pesquisa dos dois agraciados que motivou a premiação não foi teórica, mas
sim relacionada a metodologias estatísticas que eles separadamente
desenvolveram. Essas técnicas permitem, inclusive, testar a validade empírica
de conclusões da teoria das expectativas racionais.
Aliás,
ninguém menos do que o prêmio Nobel Paul Krugman – talvez o mais célebre
defensor hoje das ideias keynesianas e crítico da ala mais conservadora dos
economistas americanos – apoiou elegantemente o Nobel para Sargent e Sims.
Em
seu blog, Krugman escreveu que “esse é um prêmio para técnicas estatísticas”, e
notou que o trabalho dos dois permitiu que se extraíssem insights sobre a
realidade a partir de séries históricas de dados. Anteriormente, segundo o
blogueiro do New York Times, “a econometria consistia em grande parte em
estimar modelos nos quais você não tinha nenhuma boa razão para acreditar (…)”.
De
qualquer forma, no caso de Sargent, pelo menos, trata-se de um economista que
assumiu posições conservadoras no acalorado debate que se seguiu à grande crise
global. Em 2009, perguntado sobre o programa de estímulo fiscal do presidente
Barack Obama, Sargent respondeu que “os cálculos que eu vi em apoio ao pacote
de estímulo são do tipo feito no verso de um envelope e ignoram o que nós aprendemos
nos últimos 60 anos de pesquisa macroeconômica”.
Mas
há uma dimensão mais profunda e técnica no debate econômico pós-crise, ligado
ao uso dos modelos matemáticos. Nesse nível de profundidade, um artigo muito
interessante foi escrito em 2009 por Willem Buiter, atual economista-chefe do
Citigroup. Ele diz resumidamente que tanto os neoclássicos, corrente mais
conservadora, quanto os neokeynesianos, que adaptaram os modelos matemáticos
surgidos em função da pesquisa dos primeiros, foram tolhidos na sua capacidade
de compreender a economia de uma forma mais ampla por causa deste tipo de
técnica.
Simplificadamente,
a crítica de Buiter é de que os modelos são tão distantes da realidade que mais
atrapalham do que ajudam em momentos de turbulência. Segundo Buiter, “tanto as
teorias macroeconômicas neoclássicas quanto as neokeynesianas de mercados
completos não apenas não permitiram que questões sobre insolvência e iliquidez
fossem respondidas”. “Elas também não permitiram que essas questões fossem
perguntadas”.
Essa
visão, porém, é extremamente minoritária. Apesar das críticas, os chamados
modelos econômicos DSGE, sigla em inglês para “equilíbrio geral dinâmico
estocástico”, continuam centrais nas mais influentes pós-graduações de Economia
e nos bancos centrais.
Como
explica Aloísio Araújo, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da
Fundação Getúlio Vargas (FGV ), no Rio, o que os economistas buscam agora é
trazer os modelos mais para perto da realidade, especialmente incluindo o setor
financeiro e todo o seu potencial de instabilidade.
Ao
premiar Sargent e Sims, o BC sueco não ratificou a teoria das expectativas
racionais, mas sinalizou que o atual esforço do establishment
econômico-financeiro e da academia é o de aperfeiçoar o mesmo paradigma vigente
no momento de deflagração da grande crise global. E não o de trocá-lo, como
gostaria uma corrente ainda minoritária de economistas.
Fonte: Estadão | Economia
| Blogs, 14/10/2011
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