A considerar
pelo espaço que vejo reservado nas prateleiras de grandes livrarias, ética não
deve ser do interesse de ninguém. Ou quase ninguém. Em exemplares, diria não
passarem 30, em metros, nem um completo. É isto. Por aqui, ética não vale nem
um metro. E, por aqui, não quero dizer na minha cidade, nem na citada livraria,
nem nas suas prateleiras, quero dizer mesmo, neste país, em nossa cultura.
Quem sabe
soframos de um mal congênito: nanismo ético. Provas não faltam e não vou cansar
o leitor relembrando-o nem de 500 nem do último ano de nossa história. Bem
informado, ou mesmo, ligeiramente informado, ele já deve ter notado: se não
estamos no fundo do poço continuamos diligentemente a cavá-lo. Em breve,
portanto, estaremos lá.
Nos últimos
tempos, contrariando a aparente tendência coletiva de ignorar o tema, ele não
me sai da cabeça. Ao ponto, de chegar a conclusão de ser ele a fonte principal
dos inúmeros dissabores crônicos que nos afligem. Alguns deles há séculos.
Cinco séculos, para ser exato.
Questões como
pobreza, desnutrição, baixo índice de qualidade de vida, analfabetismo total ou
funcional (se faz alguma diferença), péssima distribuição de renda,
ineficiência dos serviços públicos, corrupção generalizada, criminalidade
exacerbada, violência (em casa, no trânsito, na empresa, na mídia), lentidão da
justiça (por si só injusta), poluição (do ar, da água, do solo, visual,
sonora), agressão à natureza, exploração de menores e mulheres, desrespeito ao
idoso, ao deficiente, às minorias (e a maioria), sistema eleitoral
desproporcional onde o voto do nordestino ou nortista que vota em São Paulo
vale proporcionalmente muito menos do que o de seu irmão gêmeo que ainda mora
no Norte ou Nordeste.
E se
estranhou de eu ter colocado todas estas questões no mesmo saco, repare no laço
de fita que amarra o saco. Está escrito: coisas de ética pequena.
Para quem não
é estudioso de ética – aliás, quem estudou ética na escola levante a mão!
Alguém?... Alguém?... Ninguém!?.... Opa! Sim, tem um ali no fundo! Sim, o
senhor mesmo de camisa listrada!... Ah, não?! Ah! só estava se
espreguiçando!... Ok, ok, desculpe! – pois bem, como eu dizia, já que ninguém,
ou quase ninguém, estudou o assunto, permitam-me repartir a minha ignorância.
Até onde já
consegui simplificar, ética é aquilo que julgamos ser o certo. Note os termos,
julgamos que é certo. Não o que é o certo, o que, convenhamos, é assunto um
pouco mais complicado.
Indo um pouco
mais a fundo, eu diria que este é apenas um dos lados da moeda. É ética teórica.
A que habita apenas nossa mente e coração. O outro lado da moeda é a ética prática.
Aquela que se manifesta em nossos atos. Mais ou menos assim. O fumante diz para
o filho que o fumo mata e até acredita nisto (ética teórica), mas continua
fumando (ética prática). Deu para entender? Se deu, vamos em frente. Se não
deu, volte duas casas, digo, dois parágrafos.
Integridade,
que vem de inteiro, inteireza, tem tudo a ver com isto. Coerência entre
discurso e prática. Entre ética teórica, filosófica e ética prática, cotidiana,
tangível.
Ok, mas onde
a ética pequena entra nesta história?
Ética pequena
é esta da boca para fora, pra inglês ver, boa para palanque, para discurso,
para artigo, pra tese de mestrado, e para escrever livro, para ensinar pros
filhos, para mostrar pros amigos, para se mostrar para namorada. Mas é ética
oca. Só de cara, ou só de coroa. De um lado só da moeda. Vazia. Incoerente.
Enfim, pequena.
É errado
roubar? Todo mundo responde em coro: sim! É isto que você ensina para os seus
filhos. Sim. É isto que você aprendeu do seu pai e da sua mãe. Sim. E se você
recebe troco a mais no ônibus ou no supermercado, você devolve? E a sua
declaração de imposto de renda? É a crônica da realidade do seu ano passado ou
uma obra de ficção científica?
Em uma
pesquisa apresentada em um programa de tv a pergunta era: você acha correto dar
propina para um funcionário público resolver um processo emperrado? A resposta
da expressiva maioria? Um sonoro: NÃO! A segunda pergunta: você daria propina
para um funcionário público resolver um problema SEU? Adivinhe a resposta da
maioria?
Esse é o
primeiro sintoma da ética pequena. Vive-se de ilusão. Comendo alface e
arrotando escargot, se achando. Achando que é, só porque acha que é. Mas não é.
Só se acha.
O segundo, é
a negligência das pequenas coisas. É, para ética pequena, todas as coisas são
pequenas, como a ética pequena é.
O exemplo
mais simples: vaga para deficientes em estacionamento. O cara pára ali. Se você
for perguntar para ele o porquê, a resposta padrão é? Adivinhão!
É só um
minutinho, só um minutinho!
Analisemos a
situação. Primeiro. Se tivéssemos perguntado ontem ao mesmo cidadão (médio,
porque cidadão é quem sabe viver em sociedade, este está mais para habitante
apenas) se achava correto parar naquela vaga ele teria enérgica, valorosa,
heróica, veemente e eticamente dito: NÃO!
Ou seja,
total incoerência.
Segundo. Se medirmos
a permanência na vaga, vamos descobrir que nem de longe será de apenas 60
segundos, medida de tempo universalmente aceita como sendo “um minuto”.
Terceiro. Descobriremos que “um minutinho” não significa nada. Nada. Pode ser 5
minutos, 10, 50. Pode durar toda a sessão de cinema que o fulano foi assistir,
somada à passada na praça de alimentação, antes, depois ou antes e depois, mais
a ida ao banheiro, antes, depois, ou antes e depois. Quarto. Se formos
questioná-lo depois do assalto (desculpe, me empolguei), quis dizer, depois do
ato. Adivinhe a justificativa? Adivinhão?
Resposta
padrão número 1: “Sabi cume-qui-é.. foi rapidinho... tinha tanta vaga livre pra
eles... e nem tem tanto deficiente assim, pode reparar... olha quanta vaga
disponível!”.
Resposta
padrão número 2: “Pô, cara, logo eu? E os outros? Todo mundo usa estas vagas
quando tá com pressa!”.
Conclusão
simples: os meus atos individuais não afetam o todo. Sou apenas um. Não faço
diferença. Não faz diferença o que eu faço. Andorinha sozinha não faz verão.
Minha ética é pequena. Não inflói, nem contribói.
Mentira.
Ignorância. Falta de ética das pequenas coisas. Falta de agir acreditando que:
Um papelzinho
no chão é lixo, sim.
Uma garrafa
pet, uma só, entope, sim, o bueiro e gera, sim, inundação. Um colchão, um pneu
velho, um saco de lixo, fazem, sim, o córrego transbordar.
Uma árvore
derrubada é desmatamento, sim.
Um animal
silvestre abatido é ameaça, sim, à extinção de espécie (a nossa inclusive).
A fumaça de
um cigarro afeta, sim, a saúde do outro.
Um sonzinho
alto na minha casa perturba, sim, a soneca do vizinho. Assim como falar alto em
celular, atender em espetáculo ou reunião, perturba, sim, todo mundo em volta.
Um xingamento
no trânsito agride, sim, a imagem da mãe do outro motorista, e dá, sim, vontade
de ele também te agredir.
Aqueles gorós
a mais, aquela saideira, te deixa bêbado, sim, e incapacitado para dirigir, e,
assim como aquela ultrapassagenzinha na curva em faixa dupla, dirigir acima da
velocidade permitida, vão, sim, te matar, aos demais ocupantes do teu carro, e
ainda os ocupantes do carro que vem em sentido contrário.
Uma
mentirinha magoa, sim, o amigo, a esposa, o filho.
Um pequeno
adiamento daquele caso prejudica, sim, os envolvidos.
A falta de
atenção com suas obrigações profissionais afeta, sim, o cliente, os
fornecedores, seus colegas de trabalho, a sociedade como um todo, os resultados
da sua organização e, sim, a sua chance de continuar empregado.
Fazer vistas
grossas ao contrabandozinho na fronteira, ao pequeno tráfico nas ruas, ao
excesso de velocidade, a documentação vencida, às pixações de propriedade
privada e pública, ao direito do menos favorecido, e vender como favores o
direito público é, sim, mal uso de autoridade.
Colocar um
parentezinho só no gabinete, votar em lei sem saber no que vota, seguir a
maioria em vez de sua consciência, esquecer a Constituição e a isonomia, e
deixar que iguais sejam tratados como diferentes, tratar a coisa pública como
coisa, e o erário como limite do cheque especial, é, sim, faltar com respeito
ao voto de confiança recebido.
Chamar de
preto, de quatro olhos, de baleia, de deixa que eu chuto, de furúnculo, de
japona, de turco, de favelado, de pivete, não é engraçado, é um ato de
violência. E violência, de qualquer tipo, gera, sim, mais violência.
Sentar em
banco reservado para passageiros especiais no transporte coletivo é, sim, desrespeito
com o mais necessitado. E não levantar do assento, qualquer que seja ele, para
dar lugar a quem precisa mais do que você também é.
Não dar preferência
ao idoso e não tratá-lo como se fosse seu pai ou avô, mãe ou avó, é a mesma
falta de respeito que seu pai ou avô, mãe ou avó, sofrem e você vive, sim,
reclamando.
Atraso de um
minutinho é atraso, sim. E atrasa a vida de todo mundo. E ninguém quer pedido
de desculpa, quer, sim, pontualidade.
Tapa na
cabeça e chamar de burro, é agressão, sim, não é jeito de educar filho.
Temos que
entender, e depois de entender, temos de aplicar a ética das pequenas coisas,
já que ética é mesmo só das pequenas coisas. Em ética não há grandes coisas. Só
pequenas.
Atos
isolados. Individuais. Somando-se uns aos outros, formando o modelo ético de um
indivíduo, depois de alguns, depois de todos, até ser uma cultura, a cultura de
uma nação.
Ou isto, ou
continuamos adeptos da ética pequena. Cegos, surdos, mudos e negligentes ao
fato simples: basta um pouco de fermento para levedar toda a massa. Ética
pequena é veneno. Poderoso. Em pequenas doses envenena. Mata. E tem nos
envenenado. Toda nossa nação.
Enquanto não
resolvermos ser éticos nas pequenas coisas, individualmente, cotidianamente, na
prática, nosso país, nossa nação, nossa sociedade estará condenada a viver de
ilusão. Ilusão de que o problema é us ómi, us cara lá di cima... tudu ladrão
qui não simporta co’a genti.
Fazendo de
conta, fingindo que não é a mais pura e cristalina verdade que nós – também -
não nos importarmos com mais ninguém. Nem com nosso vizinho. Nem com nossos
filhos. Crentes que alguém, os outros, us ómi, us cara lá di cima, é que devem
e que vão se importar.
Enfim.
Precisamos acordar para a ética das pequenas coisas. Acreditar que uma
andorinha faz verão, sim. E começar a fazer. Que um artigozinho faz diferença,
sim. E que um tapinha... um tapinha dói.
Dói, sim.
Eduardo Cupaiolo é escritor, conferencista
internacional, especialista em desenvolvimento humano e organizacional.
Fundador e presidente da PeopleSide, consultoria especial em programa
educacionais corporativos e do The Coaching Office, consultoria especializada
em programas de desenvolvimento humano e organizacional.. É autor de Contrate
Preguiçosos - Conselhos pouco ortodoxos que tornam o ambiente de trabalho mais
humano e produtivo.
Fonte: Artigos.com, publicado em 03/07/2009
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