Todos juntos contra os juros altos!
por Paulo Kliass
Para quem está habituado a acompanhar a cena política
brasileira, a iniciativa pode até parecer um tanto bizarra. Afinal, o auto
intitulado “Movimento por um Brasil com Juros Baixos: mais Produção e Emprego”
se constitui de um amplo arco de aliança de forças políticas. A iniciativa
coube a várias entidades do movimento sindical (como a CUT, a Força Sindical,
entre outras) e do movimento empresarial (como a FIESP, a ABIMAQ, por exemplo),
e com o passar dos dias a adesão tem aumentado de forma significativa. [1]
No entanto, tal fato só deve soar estranho para aqueles que
carregam consigo um pseudo “principismo” na forma de fazer política e se
recusam a qualquer tipo de unidade na ação com parceiros que podem ter
diferentes visões de mundo e de projetos para o nosso País. Na verdade, o que
mais chama a atenção no caso é a impressionante demora em se ter articulado um
movimento de tal envergadura por uma causa que consegue unificar um conjunto
vastíssimo de setores sociais aqui no Brasil e no resto do planeta. Há décadas
a política monetária levada a cabo pelos sucessivos governos teve a marca da
ortodoxia extremada e a manutenção das taxas de juros mais altas em todos os
continentes. O sacrifício imposto à grande maioria dos setores da sociedade tem
sido imenso.
No discurso, todo mundo se dizia contra tal aberração, com
exceção dos representantes do capital financeiro e seus porta-vozes espalhados,
de forma estratégica, pelos órgãos da grande imprensa. Cavalgando
tranquilamente na trilha hegemônica aberta pelo neoliberalismo, eles conseguiam
calar as vozes dissonantes e inviabilizar que propostas alternativas fossem
sequer cogitadas de implementação como política econômica. Porém, os
empresários do setor produtivo – apesar de serem prejudicados por tal política
- não se dispunham a colocar suas forças em ação de forma mais aberta e
mobilizadora contra a política monetária, pois talvez se sentissem um tanto
incomodados em assumir tal postura perante o governo e a sociedade.
Já uma parte das entidades do movimento sindical se recusava
a qualquer forma de mobilização nas ruas contra a política monetária, com a
desculpa equivocada de que não poderiam ir contra aspectos da política de um
governo de cuja base de apoio faziam parte. E assim foi o longo período do
reinado absoluto dos juros altos, provocando a maior transferência de recursos
públicos para o setor financeiro privado de nossa história, sob a forma dos
juros e serviços da dívida pública.
E aqui também foi necessário que eclodisse a crise financeira
de 2008 e suas recaídas mais recentes para que tais entidades resolvessem tomar
atitudes mais ousadas. Pegando carona nos movimentos de revolta como “los
indignados” e “occupy Wall Street”, as entidades começam a ensaiar timidamente
alguns passos aqui em nossas terras. Mas só assumiram algo mais efetivo depois
que o COPOM promoveu a redução da SELIC na reunião de agosto de míseros 0,5%. E
agora outra redução quase irrelevante de mais 0,5%, na reunião de outubro, exatamente
como previa a pesquisa do Banco Central junto aos operadores do mercado
financeiro.. Sem querer desmerecer a importância política do movimento, é
importante registrar que até parece terem resolvido assumir uma postura mais
ofensiva apenas depois que a Presidenta Dilma deu sinais que desejaria mesmo
juros mais baixos.
A primeira manifestação de lançamento do movimento foi
carregada de simbolismo. As entidades se dirigiram à sede do Banco Central na
Avenida Paulista para demonstrar seu descontentamento com a política monetária
de juros tão elevados. No coração da cidade de São Paulo, em meio a edifícios
de bancos, de grandes multinacionais e da própria Federação das Indústrias, foi
deixado o registro de um movimento que bem representa a amplitude da evidente
discordância reinante no interior da sociedade brasileira a respeito dos juros
estratosféricos.
Porém, se o objetivo das entidades é realmente trazer a taxa
SELIC para níveis - digamos – mais “razoáveis”, então será necessário avançar
ainda bastante na capacidade de mobilização e intervenção na arena política e
nas ruas. Parcela significativa dos economistas não comprometidos com a banca
já tem se manifestado a respeito da urgência em se estabelecer uma política de
juros reais (taxa oficial deduzida a inflação) bem mais reduzida. Hoje ela
continua em torno de 6 % ao ano, enquanto a maioria dos países desenvolvidos
pratica níveis próximos a zero ou mesmo negativos.
Assim, é necessário aproveitar o momento de crise
internacional a nosso favor e dar aquilo que o jargão do financês chama de
“paulada” na SELIC, trazendo-a dos 11,5% para algo em torno de 8 ou 9%. Os
únicos prejudicados serão os detentores de capital especulativo, que vêm para
cá em busca de rentabilidade elevada e segura, sem nenhum compromisso com a
economia e a sociedade brasileiras. Todos os demais setores serão beneficiados
por tal mudança. O Estado deixará de comprometer volumes criminosos de recursos
orçamentários para sustentar o parasitismo, passando a investir mais na saúde,
educação e outras áreas prioritárias. A taxa de câmbio sairá desse patamar de
valorização do real frente às moedas internacionais, propiciando maior
competitividade às nossas exportações de manufaturados e reduzindo o nível
absurdo de importações de produtos industrializados. Com isso, poder-se-ia
iniciar, de forma efetiva, um processo de reversão da atual tendência à
desindustrialização, com a qual perdemos emprego e renda para o resto do mundo.
Se não existem mais tantas barreiras políticas e ideológicas
à redução dos juros, cabe à sociedade organizada fazer valer sua voz e seus
interesses junto ao governo. E a história recente tem demonstrado que apenas a
mobilização objetiva funciona como elemento de pressão. Cada vez mais fica
evidente para a população a balela em que se transformou o dogma, até anteontem
intocável, da “independência do Banco Central”. Na verdade, esse foi o recurso
de retórica utilizado para permitir que a autoridade monetária operasse de
forma absolutamente “dependente” do sistema financeiro. E, pior ainda, fazendo
com que o conjunto do governo e do sistema político se tornasse refém de seus
interesses. Não adianta apontar apenas para o horizonte longínquo de 2012, como
chegaram a ensaiar alguns oradores do movimento no dia 18 passado. A mudança é
urgente! Caso fiquemos esperando o ritmo de queda de 0,5% a cada 45 dias, aí
sim mais uma vez perderemos o bonde da oportunidade histórica de uma queda
substantiva. Foi o erro cometido em 2008, fato reconhecido até por integrantes
da atual equipe econômica.
É necessário ampliar o movimento para focar já na próxima
reunião do COPOM de 29 e 30 de novembro, com exigências de níveis bem objetivos
de meta de taxa SELIC desejada. Há muito espaço político ainda a ser preenchido
com entidades que até agora não demonstraram envolvimento que a causa merece,
como UNE, UBES, MST, OAB, CONTAG e tantas outras. Ampliando essa base e
sensibilizando a população a se mobilizar a favor da medida, o movimento terá
45 dias para trabalhar o conjunto da sociedade, de forma a convencer a
Presidenta e sua equipe de que outro patamar de taxas de juros é possível!
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão
Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela
Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Debate Aberto | Colunistas, 20/10/2011
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