Milhares protestam na Europa contra ditadura do mercado
por Eduardo Febbro - Direto de Bruxelas
“A bolsa ou a vida!” O cartaz colocado na fachada
do edifício da Bolsa de Bruxelas serviu de fio condutor da jornada “unidos por
uma mudança global” que reuniu dezenas de milhares de pessoas em todo o planeta
neste sábado. Ao longo trajeto pela capital belga, cada vez que os cerca de 7
mil manifestantes passavam por um banco ou qualquer outra instituição
financeira um coro de vaias e gritos em todos os idiomas possíveis rompia o
consenso festivo da marcha. Assim como em outras capitais do mundo, a
impunidade dos bancos foi o alvo principal da manifestação popular. “Culpables,
ladrones cabrones”, gritava um enraivecido senhor belga de aproximadamente 50
anos que aprendeu com um indignado espanhol a dizer essas palavras em castelhano. Quando
a marcha chegou à sede da bolsa, a gritaria se tornou um slogan comum:
“Culpados!”.
Logo em seguida, os indignados vindos de vários
países da Europa lançaram uma chuva de sapatos contra o edifício da Bolsa, ante
o olhar atônito e cheio de incompreensão dos jornalistas belgas que cobriam o
evento. Um imenso fosso segue separando os círculos oficiais dos meios de
comunicação e os milhares de jovens e adultos que saíram às ruas para expressar
seu rechaço e sua repugnância frente a um sistema mundial que protege e
subvenciona os ladrões e castiga as vítimas com todo o peso da
irresponsabilidade e da indolência.
Ao longo da marcha, os indignados colaram dezenas
de adesivos nos caixas automáticos de bancos, fizeram uma parada na Praça de
Burckère, lançaram muitos insultos na frente da sede do banco Euroclear – a
instituição pretende demitir 500 pessoas – sem cansar-se jamais de cantar o
hino mundial das marchas: “We are the 99%”, ou seja, os 99% da humanidade
vítima da barbárie social perpetrada sim piedade “por esses senhores de
gravata, salários de reis e contas bancárias com dinheiro que não pertence a
eles”, segundo disse André, um jovem belga com diploma de engenheiro de redes,
mas sem trabalho. A medida que ia passando o tempo e os números da participação
em outras cidades do mundo iam chegando aos seus ouvidos, os indignados
celebravam e aplaudiam o êxito e a visibilidade planetária do movimento. “Não
somos nem marionetes, nem mercadoria do liberalismo, somos gente com
consciência, e que estamos para que nos vejam”, disse Antonio, um indignado
espanhol que se expressavam com orgulho e em um tom alto de voz.
Jon Aguirre Such, um dos integrantes do grupo
Democracia Já, da Espanha, que impulsionou o movimento do 15M, resumiu muito
bem a situação quando explicou que o alcance e a extensão dos protestos
“demonstra que não se trata de um tema que diz respeito unicamente aos
espanhóis, mas sim ao mundo inteiro. A crise é mundial, os mercados atuam em
escala global, a resposta, então, é mundial”. Até os mais aguerridos militantes
contra o sistema financeiro mundial observam espantados a forma como que,
paulatinamente, os protestos contra o sistema financeiro, o repúdio à forma que
foi reduzida a democracia, vem ganhando as capitais do mundo.
Neste sentido, o economista Thomas Coutrot,
co-presidente do movimento ATTAC, assinalou que “o que está acontecendo é um
fenômeno muito promissor. Os cidadãos já não querem delegar as decisões aos
políticos e aos partidos. Querem influenciar. É uma espécie de retorno às
fontes da democracia”.
“Os países da zona euro puseram 160 bilhões de
euros para salvar a Grécia sem consultar ninguém, e isso em um momento em que
os sistemas sociais da Europa está afundando sob o peso dos cortes
orçamentários. Isso não é democracia”, disse, colérico, Jean, outro jovem
indignado belga. Ao lado dele, na concentração diante da bolsa, Javier, um
indignado espanhol que veio a Bruxelas há uma semana para participar das
oficinas sociais organizadas desde o domingo passado, completou o panorama com
cifras mais concretas: “Se fazemos um balanço, dá calafrios; os estados
europeus entregaram 5,3 trilhões de dólares para resgatar os bancos da crise.
Nenhum Estado consultou a população, ou seja, quem vota naqueles que estão no
poder. Essa soma equivale a 16 vezes o valor da dívida da Grécia e é mais de
400% do que todos os países da União Europeia gastam, juntos, em educação ou
saúde pública. Estão nos tomando como idiotas!”.
Os argumentos destes indignados deixam em uma
posição ridícula o punhado de contra-manifestantes que se concentraram no
início da marcha para protestar contra os indignados. Era um grupo de dândis,
vestidos como tais, a quem um indignado disse: “se vocês não nos deixam
decidir, nós não deixaremos vocês dormir”. Com alguns incidentes, vidros
quebrados, mas sem choques fortes com a polícia, a marcha belga se dirigiu para
o ato final no Parque do Centenário. “Aqui estamos, e somos muitos”, disse
Pierre, um indignado francês que caminhou desde Tolouse até Bruxelas. “Estamos
aqui, em Roma, Madri, Washington, Nova York, México, Nova Déli, Berlim, Paris,
onde seja. Os poderosos do mundo trabalham para um pequeno grupo de amigos,
ignorando a vontade popular. Essa lógica nos levou è hecatombe que estamos
vivendo. Isso acabou”.
O 15-O levantou boa parte do planeta, com maior ou
menor êxito segundo o lugar. Em Roma, o protesto ultrapassou as intenções dos
indignados. Sob uma enorme faixa que dizia “Povo da Europa, de pé”, dezenas de
milhares de italianos encheram as ruas da capital italiana expressando sua
indignação. Estudantes, políticos e representantes de associações civis
percorreram Roma com globos e cartazes em uma caminhada pacífica até que um
pequeno grupo de violentos semeou o caos no centro da cidade. Os incidentes
aconteceram perto da estação de trens Roma Termini, na Via Merulana. Não restam
dúvidas de que os distúrbios foram provocados pelo que se conhece como
“profissionais da provocação urbana”.
Cerca de 200 manifestantes violentos queimaram
automóveis, quebraram caixas automáticos, saquearam vitrines e incendiaram um
anexo do Ministério da Defesa. Os distúrbios deixaram um saldo de 70 feridos.
Nada disso ocorreu em
Londres. A marcha londrina iniciou em um clima festivo, mas
com episódios engraçados devido à corrida de gato e rato entre a polícia e os
manifestantes. A Scotland Yard protegeu com um muro de policiais o objetivo
final dos manifestantes, a saber, a Bolsa de Valores de Londres. Os
manifestantes conseguiram rodear a bolsa, mas sem maiores incidentes. Ante a
surpresa geral, Julian Assange, fundador de Wikileaks, detido na Grã-Bretanha a
espera de uma decisão judicial sobre o pedido de sua extradição para a Suécia,
somou-se aos manifestantes. Assange disse á multidão que estava ali em
“solidariedade com os movimentos que estão ocorrendo no mundo inteiro” e porque
“todos queremos que haja um pouco de justiça no sistema financeiro mundial”.
Madri e Barcelona também foram cenário de
mobilizações impressionantes. Em Madri, os indignados lotaram a praça Cibeles e
voltaram a ocupar a Porta do Sol, símbolo histórico dos protestos do 15M. Os
indignados da capital espanhola puseram em cena um “escudo anti-mercados”. Cada
manifestante levantou o amuleto que tinha na mão para afugentar a “magia negra”
dos mercados. Em Barcelona, dezenas de milhares de pessoas se concentraram na
Praça da Catalunha com o mesmo propósito que animou manifestações no resto do
planeta. A única diferença radica em uma cifra: o desemprego dos jovens na
Espanha é de 20,89%.
Curiosamente, na França, o país de Stéphane Hessel, autor do livro “Indigne-se”, que deu nome ao movimento através do mundo, as marchas tiveram um impacto limitado. Em Paris houve vários grupos de manifestantes que convergiram para a sede da Prefeitura, onde realizaram uma Assembleia Popular. Os indignados se reuniram também em uma dezena de cidades do país, mas sem alcançar jamais a intensidade de outras cidades do mundo. Os analistas explicam a escassa mobilização pelo fato de que o desemprego da juventude é menor e que, globalmente a situação é melhor do que a da Espanha ou Itália. No entanto, o sistema financeiro goza dos mesmos privilégios e da mesma impunidade em Londres, Madri ou Nova York. O 15-O demonstrou que o espírito da revolta e da indignação semeado há sete meses na Praça do Sol irradia hoje em todo o planeta enquanto os dirigentes políticos guardam um silêncio de mortos ante o desfile das dezenas de milhares de seres vivos que marcham com a mesma consigna: “Basta, Ladrões!”.
Curiosamente, na França, o país de Stéphane Hessel, autor do livro “Indigne-se”, que deu nome ao movimento através do mundo, as marchas tiveram um impacto limitado. Em Paris houve vários grupos de manifestantes que convergiram para a sede da Prefeitura, onde realizaram uma Assembleia Popular. Os indignados se reuniram também em uma dezena de cidades do país, mas sem alcançar jamais a intensidade de outras cidades do mundo. Os analistas explicam a escassa mobilização pelo fato de que o desemprego da juventude é menor e que, globalmente a situação é melhor do que a da Espanha ou Itália. No entanto, o sistema financeiro goza dos mesmos privilégios e da mesma impunidade em Londres, Madri ou Nova York. O 15-O demonstrou que o espírito da revolta e da indignação semeado há sete meses na Praça do Sol irradia hoje em todo o planeta enquanto os dirigentes políticos guardam um silêncio de mortos ante o desfile das dezenas de milhares de seres vivos que marcham com a mesma consigna: “Basta, Ladrões!”.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior | Movimentos Sociais, 15/10/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário