por Alexandre Matias
Eu tive a sorte de ver Steve Jobs em ação, quando ele apresentou o
Macbook Air. O laptop finíssimo foi lançado um ano depois de a foto de Steve
Jobs ser publicada apenas por cadernos de tecnologia. Agora ela frequentava
também as capas dos jornais e revistas, ele sempre mostrando seu irresistível
iPhone.
No início de 2008, todos os olhos do mundo estavam voltados para o
Moscone Center, o centro de convenções transformado em circo da Apple durante a
feira Macworld, realizada sempre em janeiro, na cidade de São Francisco.
O clima na plateia era de culto. Mesmo antes da entrada de Jobs no
palco-altar, o burburinho e a expectativa apenas em relação à presença do
criador da Apple já era motivo de excitação.
Fãs da empresa se cumprimentavam e comemoravam poder assistir, pela
primeira vez, a uma performance de Jobs. A adrenalina quase tátil dos presentes
ficava entre a aparição em público de uma boy band e a espera antes de um show
de rock.
Mas ninguém estava ali para cantar junto. Todos esperavam o inesperado.
Ouvir as hipérboles e adjetivos do sujeito que popularizou o computador
pessoal, a computação gráfica, o MP3 player, o comércio de música digital e o
smartphone.
E era impressionante ver como Jobs conduzia essa expectativa. Cada
pausa, cada frase de efeito e número destacado parecia ao mesmo tempo ensaiado
e natural. Jobs já estava magro, mas não estava abatido como nos últimos anos.
E isso não tirava seu entusiasmo. Ele realmente parecia acreditar em cada novo slide
apresentado em seu show particular, transformando uma reunião pública de
negócios num evento de mídia. Ele havia nascido para o holofote. E nisso
concordam tanto seus fãs quanto detratores.
Pode-se ir contra a lógica fechada e protecionista da Apple, uma empresa
que, por exemplo, censura obras que vende. Pode-se reclamar da ideologia vazia
que é o culto a uma marca. Mas é impossível reconhecer seu talento como showman
e como ele sabia que conteúdo e forma eram tão importantes.
Um CEO popstar. É o sonho de toda empresa. O CEO que consegue
transformar seus produtos em símbolos de status e sua estratégia de marketing
em um estilo de vida autoajuda.
Nesse sentido, Jobs é o último grande nome do século 20, centenário
marcado pela ascensão de líderes carismáticos que saíram do nada e mudaram
gerações inteiras. Mantenho o que disse no texto que escrevi para a capa do
Link quando Steve Jobs deixou o cargo na empresa que criou, no final do último
mês de agosto. Na ocasião, eu definia Jobs como o irmão caçula e temporão de um
cânone que une Henry Ford, Alexander Graham Bell, Levi Strauss, Thomas Edison e
Bill Gates. E, ao morrer, ele nos deixa num mundo que passou sua vida inteira
imaginando: o mundo digital.
Às 10h da noite desta quarta-feira, nove dos dez trending topics do
Twitter no mundo faziam referência à morte de Steve Jobs. No Brasil, sete dos
dez trending topics faziam referência a ele.
Os tweets de Barack Obama e de Bill Gates já haviam sido intensamente
retwittados. O mesmo acontecia com as condolências de Mark Zuckerberg, dadas
através de sua própria rede social, o Facebook. Páginas e mais páginas contendo
retrospectivas, biografias, links para galerias de fotos e vídeos no YouTube.
É um tanto irônico que o último grande líder do século 20 tenha morrido
poucos dias após deixar o cargo principal de uma corporação que hoje é a
segunda mais valiosa do mundo.
Com sua morte, finalmente entramos num século de vez num mundo
completamente diferente - horizontal, sem líderes, sem rosto. Em que as pessoas
descobrem ou destroem reputações aos bandos, que governos são derrubados após
manifestações coletivas planejadas via rede. Com a morte de Jobs, entramos
finalmente no século digital.
EDITOR DO LINK - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão | Economia, 06/10/2011
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