por Slavoj Zizek
Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais
propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui
estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos
sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas
podem continuar indefinidamente da mesma forma.
Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.
Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está se transformando num pesadelo. Não estamos destruindo coisa alguma. Estamos apenas testemunhando como o sistema está se autodestruindo.
Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote
chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o fato de que não há
nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que
não há nada, cai. É isto que estamos fazendo aqui.
Estamos a dizer aos rapazes de Wall Street: “hey, olhem para
baixo!”
Em abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes
e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou
viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda
sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não
pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa
capacidade de sonhar.
Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil
imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante.
Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer
aqui?
Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos
comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na
Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse
aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita
em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta
vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta
toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão
cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os
apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar
é tinta vermelha.”
É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos,
mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de
liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o
terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a
fazer aqui: dando tinta vermelha a todos nós.
Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom
estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia
seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não
quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi
lindo”.
Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?
Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?
Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o
problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os
falsos amigos que já estão trabalhando para diluir este processo, do mesmo modo
que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, sorvete sem gordura.
Vão tentar transformar isso num protesto moral sem coração,
um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos
de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino
italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e
fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer outsourcing ao trabalho e à tortura,
depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa,
permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremos ele de
volta.
Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que
entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os
capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um
capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas
ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o
capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a
democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.
A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje?
Basta seguir os meios de comunicação. Por um lado, na tecnologia e na
sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se
imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra
coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase
tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos?
Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro
para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado
totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais,
mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.
Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta
questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão
de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os
bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado
pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por
isto devemos lutar.
O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns
permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma
coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são
realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o
Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo
amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade
para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall
Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.
Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que
eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a
encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente
como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem
que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não
tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
Fonte: Carta Maior |
Internacional, 11/10/2011
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