As mentiras que nos contam sobre a economia mundial
Em seu livro
"Nos mentem!", os economistas franceses Olivier Pastré e Jean-Marc
Sylvestre elaboraram uma espécie de catálogo da mentira em economia política ao
mesmo tempo que evidenciam os erros monumentais dos organismos de crédito
multilaterais, das agencias de qualificação e da mídia, que dão crédito às
mentiras travestido-as de verdade. Em entrevista à Carta Maior, Pastré sustenta
que, com o agravamento da crise, o sistema volta a reproduzir os mesmos
problemas e as mesmas mentiras.
por Eduardo Febbro - Correspondente da Carta Maior em Paris
Conforme a hora do dia, o analista, o
colunista ou o canal de televisão, os argumentos para explicar a crise mundial
variam como a cor do céu. Qual é a verdade? Na realidade, a verdade é um
acúmulo de mentiras que se disparam de todas as partes: o Fundo Monetário
Internacional mente, as agencias de qualificação mentem, os analistas
financeiros mentem, as instâncias de regulação mentem. A mentira, ou sua
exposição, é a trama do ensaio dos economistas franceses Olivier Pastré e
Jean-Marc Sylvestre. Em seu livro “Nos
mentem!”, Pastré e Sylvestre elaboraram uma espécie de catálogo da mentira
em economia política ao mesmo tempo que evidenciam os erros monumentais dos
organismos de crédito multilaterais, das agencias de qualificação e da mídia,
que dão crédito às mentiras travestido-as de verdade.
Não escapam às análises os dirigentes políticos e
os grupos como o G20, todos amordaçados e paralisados até que o incêndio cerca
a casa. Mas como destaca nessa entrevista o professor Olivier Pastré, uma vez
que o incêndio se afasta, o sistema volta a reproduzir os mesmos problemas.
Seu livro é uma espécie de catálogo das
mentiras que os atores econômicos expandem pelo mundo seja para explicar a
crise, seja para ocultá-la. Por acaso pode se dizer que o capitalismo
parlamentar nos mentiu para manter as coisas no mesmo lugar?
Como dizia Lampeduza, tem que mudar tudo para que
nada mude! Mas acredito que não se deva ter visões simplificadoras. Com isso
quero dizer que é muito provável que um segmento importante dos dirigentes não
tenha nenhum desejo de que as coisas mudem. Sendo assim, mentem a si mesmos
primeiro e depois mentem ao seu público. Contudo, para explicar a cegueira do
sistema, também há que mencionar uma espécie de mecanismo de auto-sugestão. Há
uma frase muito conhecida na bolsa que diz “as árvores não sobem até o céu”.
Até há pouco, os dirigentes da economia de mercado acreditaram que as árvores
subiam sim até o céu.
Lembro que existe uma referência recente desta com
a bolha internet, a bolha das novas tecnologias. Em 2000, a valorização das
empresas que operavam na rede chegou à loucura total. Contudo, os dirigentes
políticos, os bancos, os analistas financeiros, os meios de comunicação, todo o
mundo dizia que a internet havia criado um novo modelo e que uma empresa podia
valer 500 vezes seus lucros anuais. Aqui está uma prova de inconsciência que
foi sancionada pelos mercados. O mesmo acontece agora. A inconsciência de 2005,
2006 e 2007 está sendo agora sancionada pelos mercados, mas de uma forma muito
mais grave. Hoje, diferente do que ocorreu com a bolha das novas tecnologias,
todos os setores e todos os países estão envolvidos. Nisso radica a gravidade
da crise atual.
Existem outros emissores de mentiras
que detém um poder considerável: as estatísticas, as agências de qualificação e
o FMI.
Se observarmos as previsões do FMI constatamos que
desde muito tempo são errôneas. O FMI não antecipou a crise e hoje este
organismo nos diz com certa dificuldade que a crise se instalou. E, contudo,
apesar de que as previsões do FMI são largamente falsas, continuam
considerando-as com uma devoção quase religiosa. E com as agencias de
qualificação acontece exatamente a mesma coisa. Nenhuma agencia antecipou a
crise. Quero lembrar que as agencias de qualificação haviam dado aos créditos sub
prime um triple A, o que é muito preocupante. Aqui também se segue escutando as
agencias de qualificação como se fossem uma Virgem Santa.
Mas a devoção e a idolatria não têm nenhuma
justificativa. Se trata agora de saber a quem há que criticar: as estatísticas,
as agências de qualificação, aqueles que lhe dão uma importância maior? Todo o
mundo é responsável do que está acontecendo. Os bancos centrais são
responsáveis, em particular o banco central norte americano, as autoridades
bancárias são responsáveis, os bancos, as agências de qualificação, os
analistas financeiros, os Estados são igualmente responsáveis. De fato, não há
que destacar um culpável nem procurar um bode expiatório. A responsabilidade é
global. A responsabilidade da crise não é só das estatísticas ou das agências
de qualificação. A responsabilidade é inescapavelmente coletiva.
Outra das mentiras que você assinala e
que se transformou num mito desde 2008 é o da regulação financeira. Você afirma
que o G20 é em realidade papel molhado.
Sobre o G20 é preciso dizer três coisas. A primeira
é que a criação do G20 foi uma muito boa idéia. Antes da criação do G20 a
economia mundial estava governada pelos países mais endividados: Estados
Unidos, França, etc. Além disso, haviam sido deixados de fora os países que
criavam mais valores, ou seja, Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul. A
criação do G20 é então, uma evolução extremamente positiva em matéria de
governo econômico mundial.
Em segundo lugar, na cúpula do G20 que se celebrou
em Londres em 2009 se tomaram decisões corretas no que concerne ao papel do
FMI, os paraísos fiscais ou as bonificações dos traders. Mas em terceiro lugar,
e aqui está o problema, desde esta cúpula de Londres o G20 deixou de tomar
decisões. Por quê? Pois porque o G20, como todas as demais instâncias de
regulação, só toma decisões quando se espalha o medo. Tem que acontecer o que
vimos com Lehman Brothers para, seis meses depois, tomar as decisões
necessárias.
O problema radica em que, uma vez que passou a
tormenta, nos esquecemos de que tivemos medo e tudo volta a começar igual: a
especulação, as bonificações surrealistas destinadas aos traders, etc., etc. Prova
disso, foi necessário que explodisse a crise grega para que os reguladores
tivessem medo e voltassem a regular. Por conseguinte, se pode dizer que o
governo mundial só progride com a crise. Só quando os reguladores têm medo se
botam a regular.
Mas como se pode explicar tal recurso à
mentira em economia política. Economistas, dirigentes políticos, organismos
internacionais, todos mentem.
É lamentável mas esta é a triste realidade. Há três
tipos de mentiras: a mentira voluntária, esta que se apoia atrás do argumento
segundo o qual esconder a realidade é um bom princípio; a mentira involuntária
que se funda sobre uma análise errônea da situação e conduz a difundir falsas
informações quase de boa fé: e a mentira que se conta a si mesmo, ou seja,
quando se dispõe de uma boa análise da situação mas como não se quer reconhecer
a validade da mesmo se acaba dissimulando a realidade.
Nos três casos se emitem enunciados falsos e quase
ninguém questiona o discurso dominante. Há vários elementos para explicar isso.
Um deles é o chamado pensamento único. Às pessoas gostam pensar o que pensam os
demais. Na sociedade atual contar com um pensamento heterodoxo não é algo
fácil. Por outra parte, os meios de comunicação têm uma marcada tendência a
acentuar este fenômeno. Os meios se focalizam no instantâneo, no espetacular.
Assim terminam difundindo a mesma análise sem profundidade.
Você é um dos poucos analistas
econômicos que afirma sem ambiguidade que os Estados Unidos estão em processo
de quebra.
Se os Estados Unidos fossem uma empresa já tinham
declarado falência. Não há nenhuma dúvida a respeito. Os Estados Unidos viveram
acima de seus meios, se endividando além do razoável e desindustrializando-se em excesso. Isso dura
20 anos! A situação norte americana é muito, muito má.
Entretanto, pese ao inocultável
marasmo, você sugere que não tudo está perdido. Como se sai deste pântano? Por
acaso há que terminar com a tão comentada globalização?
Eu sou um crítico das teses que propõem o fim da
globalização. De fato, a globalização teve muitos defeitos, é obvio que
aprofundou as desigualdades, mas, globalmente, a economia mundial nunca
conheceu um crescimento tão forte como com o processo de globalização. Não há,
então, que se jogar tudo no lixo. A desglobalização poderia acarretar uma perda
dos benefícios adquiridos. Não quero dizer com isso que, por exemplo, a
situação dos operários chineses que trabalham no setor industrial graças à
globalização seja boa, não, nada disso. O que digo, sim, é que a globalização
foi um fator de crescimento inquestionável, em particular para os países do
sul.
Os excessos da globalização devem ser criticados.
Nesse sentido, se continuo sendo otimista é precisamente porque se admitimos
que todos somos responsáveis da situação atual, tanto as empresas, os bancos,
os dirigentes políticos, as instâncias de regulação como as pessoas em geral,
podemos mudar o curso das coisas. Se cada um destes atores econômicos se
reforma é possível desembocar num governo econômico mundial mais satisfatório.
Lamentavelmente, as reformas só se realizam quando não cabe outra saída.
Provavelmente fará falta que a crise se agrave mais para que os dirigentes e os
dirigidos aceitem as reformas.
Tradução: Libório Junior
Fonte: Carta Maior | Economia,
30/10/2011
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