quarta-feira, novembro 30, 2011

um conjunto de medidas ainda mais vagas e gelatinosas

"O "neo-desenvolvimentista" acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos 50", escreve José Luís Fiori, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da UFRJ, em artigo publicado no jornal Valor, 30-11-2011.
Segundo Fiori, "os desenvolvimentistas latino-americanos sempre compartilharam com os liberais a concepção econômica do Estado do paradigma comum da economia política clássica, marxista e neo-clássica. Esse paradoxo explica, aliás, a facilidade teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar".
Eis o artigo.
"O capitalismo só triunfa quando se identifica com o estado, quando é o estado". 
Fernand Braudel, "O Tempo do Mundo", Editora Martins Fontes, SP, p: 34.
O "debate desenvolvimentista" latino-americano não teria nenhuma especificidade se tivesse se reduzido à uma discussão macroeconômica entre "ortodoxos", neo-clássicos ou liberais, e "heterodoxos", keynesianos ou estruturalistas. Na verdade, ele não teria existido se não fosse por causa do Estado, e da discussão sobre a eficácia ou não da intervenção estatal para acelerar o crescimento econômico, por cima das "leis do mercado". Até porque, na América Latina como na Ásia, os governos desenvolvimentistas sempre utilizaram políticas ortodoxas, segundo a ocasião e as circunstâncias, e o inverso também se pode dizer de muitos governos europeus ou norte-americanos ultra-liberais ou conservadores que utilizaram em muitos casos, políticas econômicas de corte keynesiano ou heterodoxo. O pivô de toda a discussão e o grande pomo da discórdia sempre foi o Estado e a definição do seu papel no processo do desenvolvimento econômico.
Apesar disto, depois de mais de meio século de discussão, o balanço teórico é decepcionante. De uma forma ou outra a "questão do Estado" sempre esteve presente, nos dois lados desta disputa, que acabou sendo mais ideológica do que teórica. Mas o seu conceito foi sempre impreciso, atemporal e ahistórico, uma espécie de "ente" lógico e funcional criado intelectualmente para resolver problemas de crescimento ou de regulação econômica. Desenvolvimentistas e liberais sempre compartilharam a crença no poder demiúrgico do Estado, como criador ou destruidor da boa ordem econômica, mas atuando em todos os casos, como um agente externo à atividade econômica.
Um agente racional, funcional e homogêneo, capaz de construir instituições e formular planos de curto e longo prazo orientados por uma idealização do modelo dos "capitalismos tardios" ou do estado e desenvolvimento anglo-saxão. E todos olhavam negativamente para os processos de monopolização e de associação do poder com o capital, que eram vistos como desvios graves de um "tipo ideal" de mercado competitivo que estava por trás da visão teórico dos desenvolvimentistas tanto quanto dos liberais. Além disso, todos trataram os Estados latino-americanos como se fossem iguais e não fizessem parte de um sistema regional e internacional único, desigual, hierarquizado, competitivo e em permanente processo de transformação. E mesmo quando os desenvolvimentistas falaram de Estados centrais e periféricos, e de Estados dependentes, falavam sobretudo de sistema econômico mundial que tinha um formato bipolar relativamente estático, onde as lutas de poder entre os Estados e as nações ocupavam um lugar bastante secundário.
No fim do século XX, a agenda neoliberal reforçou um viés da discussão que já vinha crescendo desde o período desenvolvimentista: o deslocamento do debate para o campo da macroeconomia. Como volta a acontecer com o chamado "neo-desenvolvimentismo" que se propõe inovar e construir uma terceira via (uma vez mais), "entre o populismo e a ortodoxia". Como se tratasse de uma gangorra que ora aponta para o fortalecimento do mercado, ora para o fortalecimento do Estado.
Na prática, o "neo-desenvolvimentista" acaba repetindo os mesmos erros teóricos do passado e propondo um conjunto de medidas ainda mais vagas e gelatinosas do que já havia sido a ideologia nacional-desenvolvimentista dos anos 50. Passado a limpo, trata-se de um pastiche de propostas macroeconômicas absolutamente ecléticas, e que se propõem fortalecer, simultaneamente, o Estado e o mercado; a centralização e a descentralização; a concorrência e os grandes "campeões nacionais"; o público e o privado; a política industrial e a abertura; e uma política fiscal e monetária, que seja ao mesmo tempo ativa e austera. E finalmente, com relação ao papel do estado, o "neo-desenvolvimentismo" propõe que ele seja recuperado e fortalecido mas não esclarece em nome de quem, para quem e para quê, deixando de lado a questão central do poder, e dos interesses contraditórios das classes e das nações.
Neste sentido, fica ainda mais claro que o desenvolvimentismo latino-americano sempre teve um parentesco maior com o keynesianismo e com "economia do desenvolvimento" anglo-saxônica, do que com o nacionalismo econômico e o anti-imperialismo, que são a mola mestra do desenvolvimento asiático. E que, além disto, os desenvolvimentistas latino-americanos sempre compartilharam com os liberais a concepção econômica do Estado do paradigma comum da economia política clássica, marxista e neo-clássica. Esse paradoxo explica, aliás, a facilidade teórica com que se pode passar de um lado para o outro, dentro do paradigma líbero-desenvolvimentista, sem que de fato se tenha saído do mesmo lugar.
Fonte: IHU | Notícias, 30/11/2011

terça-feira, novembro 29, 2011

"Não seria necessário um exame de consciência?"

OH? CDE

por Paul Krugman
Hoje, a OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico alertou que as coisas estão muito, mas muito ruins:
Políticas decisivas precisam ser urgentemente implementadas para evitar  que a crise da dívida soberana da zona do euro continue a se propagar  e provoque um novo retrocesso na atividade global já frágil, é o que diz a OCDE na sua última Perspectiva Econômica.
A crise do euro continua sendo o grande risco para a economia global, de acordo com o documento. As preocupações com a sustentabilidade da dívida soberana se alastram cada vez mais.  Se não solucionado o problema, o contágio recente para países considerados como tendo suas finanças públicas relativamente sólidas podem provocar transtornos econômicos enormes.  A pressão sobre os balancetes e financiamentos bancários aumenta o risco de um aperto do crédito.
Um outro grave risco é de que nenhuma ação seja adotada para contrabalançar o forte aperto fiscal  decorrente da legislação vigente nos Estados Unidos. O que pode mergulhar a economia numa recessão que a política monetária pouco poderá fazer para impedir.
Isso tudo é perfeitamente sensato. Mas como chegamos neste ponto?  Em grande parte ouvindo pessoas e órgãos como a OCDE, que em 2010 exigiram maior rigor fiscal e aumentos de juros. E sim, foram as mesmas pessoas que agora estão apavoradas com as consequências daqueles cortes e gastos e elevação de juros.
Não seria necessário um exame de consciência?
Para ser justo, contudo, não foi apenas a OCDE. Os historiadores, no futuro, examinarão com espanto o Grande Pivô de 2010, em que todas as Pessoas Muito Sérias dos dois lados do Atlântico – e, triste dizer,  de ambos os partidos nos Estados Unidos – decidiram que, diante do alto nível de desemprego,  crescimento fraco e inflação baixa, o que o mundo realmente precisava era de austeridade.
Na verdade, estou tendo dificuldade para escrever sobre tudo isso; é muito deprimente.
Fonte: Estadão | Economia & Finanças | Blogs, 28/11/2011

segunda-feira, novembro 28, 2011

"Os riscos potenciais para a Ásia aumentaram"

Contágio da crise mundial chega à Ásia
por Bettina Wassener, The New York Times
A capacidade da Ásia de continuar dando sinais de vigor apesar das dificuldades econômicas do Ocidente está diminuindo lentamente. Na maior parte do ano, as economias da região da Ásia-Pacífico pareciam estar distantes da agitação observada em outras partes do mundo. As bolsas caíam junto com as outras no resto do globo, mas as economias continuavam avançando.
No entanto, nas últimas semanas alguns estalos foram ouvidos nas poderosas economias da região, e analistas e políticos começam a se preocupar com a possibilidade de um colapso doloroso que pode se espalhar pela Ásia à medida que a situação na Europa se deteriora e o crescimento nos Estados Unidos continua comprometido.
As exportações da Ásia vêm diminuindo há meses com a queda da demanda, especialmente da Europa. Embora hoje muitos países dependam menos das exportações, o setor ainda é crucial para economias como as de Taiwan e da Coreia do Sul, ou para as pequenas economias de Hong Kong e Cingapura.
"Os riscos potenciais para a Ásia aumentaram" à medida que a crise europeia se alastrou das pequenas economias periféricas, como a Grécia, e chegou a países mais poderosos como Itália, Espanha e até mesmo França e Alemanha, disse Frederic Neumann, um dos chefes da unidade de pesquisa econômica asiática no HSBC de Hong Kong.
As dificuldades econômicas que vêm se propagando ficaram evidentes na quarta-feira, quando um indicador seguido com muita atenção mostrou que o setor de manufatura chinês está contraindo. 
Publicado pelo HSBC, o índice caiu de 51 em outubro para 48 em novembro, o menor nível em quase três anos e bem abaixo do que os economistas esperavam. Uma medida 50 é a linha entre expansão e contração.
Essa queda aumentou as preocupações de um extravasamento dos problemas do Ocidente para a Ásia. Mas também intensificou o nervosismo na direção oposta: o Ocidente necessita cada vez mais de uma Ásia forte para comprar os produtos ocidentais num momento em que os consumidores de outras partes se colocam à margem.
"Hoje, a Europa está onde os Estados Unidos estavam três anos atrás: a contração econômica é apenas o início", afirmou Pranay Gupta, diretor de investimento do ING Investment Management para a região da Ásia-Pacífico, em Hong Kong.
Até agora as dificuldades econômicas na Ásia têm sido relativamente pequenas, e grande parte da região está no caminho de um crescimento econômico vigoroso.
A economia chinesa deve expandir 9,5% este ano, de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) em setembro. A Índia crescerá 7,8%, a Indonésia 6,4% e muitas outras nações do Sudeste Asiático devem contabilizar um crescimento superior a 5%, de acordo com o FMI. Mas no geral esses números são inferiores às taxas de crescimento registradas em 2010, e devem cair nos próximos anos, afirmam muitos economistas e o próprio FMI.
Política monetária. Reagindo à piora do ambiente econômico global, Indonésia e Austrália reduziram os juros nas últimas semanas. Muitos outros bancos centrais da região descartaram aumentos que pareciam quase certos há poucos meses, uma vez que estão menos preocupados com a inflação e mais interessados no crescimento. 
No Japão, as dificuldades aumentaram em consequência do terremoto devastador, seguido pelo tsunami, em março, e da persistente força do iene. Diante das dificuldades econômicas em outras partes do mundo, a valorização da moeda tornou os produtos japoneses mais caros para os consumidores estrangeiros, reduzindo os lucros dos exportadores. Sem espaço para reduzir os juros já baixos, o governo interveio diretamente nos mercados - vendendo ienes por dólares - quatro vezes em pouco mais de um ano, forçando uma desvalorização da moeda.
No setor financeiro, entretanto, bancos como HSBC, UBS e Nomura estão cortando vagas no mundo todo. E, embora muitos preferissem crescer na região da Ásia-Pacífico, centros financeiros como Hong Kong e Cingapura não escaparam dos cortes e do congelamento de vagas de trabalho.
"Ainda existem áreas de contratação no setor financeiro asiático, mas a situação ficou mais difícil nos últimos meses", disse Matthew Bennet, disse o diretor gerente da empresa de recrutamento Robert Walters.
Com a crise na zona do euro se espalhando para economias mais fortes, a preocupação é que os efeitos sobre a Ásia possam aumentar. Analistas começam a se preocupar com o fato de que os problemáticos bancos europeus podem cortar drasticamente os empréstimos para a Ásia e outros mercados emergentes, procurando se ajustar às regras mais rígidas para o capital que serão implementadas no próximo ano.
No geral, os empréstimos bancários continuaram estáveis durante o primeiro semestre de 2011, informou o Banco Mundial numa análise sobre as economias do Leste da Ásia, divulgada esta semana. Qualquer fechamento brusco dos mercados de crédito, como ocorreu após a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008, terá repercussões dolorosas para a Ásia. Nos seis meses após aquela crise, diz o Banco Mundial na sua análise, os bancos internacionais reduziram a exposição a empresas em países emergentes do Leste Asiático em US$ 36 bilhões.
"Os sistemas financeiros da Ásia, no geral, têm liquidez suficiente para financiar o crescimento e podem preencher a lacuna. Mas, se os bancos europeus decidirem não emprestar mais para a região, isso será bastante problemático, uma vez que será necessário um tempo de ajuste para o déficit de crédito ser coberto", disse Frederic Neumann do HSBC, acrescentando que, nos últimos anos, o crescimento na Ásia ficou mais dependente do crédito.
A capacidade das empresas de levantar dinheiro nos mercados de capital já vem diminuindo. As bolsas asiáticas não deram muita importância para os fundamentos econômicos favoráveis da região este ano e caíram drasticamente. Índices-chave em Hong Kong, Índia e Taiwan registraram queda de 20% desde o início do ano; o que está mais ou menos de acordo com o desempenho das 50 ações listadas no Euro Stoxx.
Os recursos do mercado acionário na região da Ásia-Pacífico também despencaram, para cerca de US$ 74 bilhões este ano, até agora, comparados a quase US$ 159 bilhões durante o mesmo período do ano passado, de acordo com dados da Reuters. 
Apesar de tudo isso, muitos economistas e estrategistas da área de investimentos acreditam que a região como um todo continua bem posicionada. As contratações fora da área financeira - especialmente nos setores do varejo, bens de consumo e turismo e hotelaria - continuam dinâmicas, segundo Bennet da empresa de recrutamento.
As taxas de desemprego estão bem abaixo das registradas no Ocidente (3,3% em Hong Kong, por exemplo; 3,1% na Coreia do Sul; 5,2% na Austrália) comparadas com os 9% nos Estados Unidos e 10,2% na zona do euro, de modo que os consumidores continuam gastando.
O aumento no número de ricos também transformou nações de grande população como China, Índia e Indonésia em grandes mercados para produtos, ajudando a compensar a queda da demanda na Europa e Estados Unidos.
Além disso, muitas economias asiáticas, com exceção do Japão, não possuem uma dívida soberana enorme como Estados Unidos e Europa. Por exemplo, o rendimento de títulos de dez anos está agora abaixo das de Espanha e Itália, uma situação antes inconcebível que mostra como o nível de confiança se alterou.
Tradução: Terezinha Martino
Fonte: Estadão | Economia & Negócios, 25/11/2011

sexta-feira, novembro 25, 2011

"uma crise que não pode ser refreada, ..."

Euro-românticos maçantes e cruéis
por  Paul Krugman
Se existe uma palavra que tenho ouvido muito ultimamente é: tecnocrata. Às vezes, ela é usada a título de escárnio – os criadores do euro são tecnocratas que não levaram em conta fatores culturais e humanos. Outras vezes é usada como elogio: os novos primeiros-ministros de Grécia e Itália são tecnocratas que estão acima da política e farão o que é preciso ser feito.
Acho injusto. Conheço tecnocratas, às vezes, eu mesmo atuo como um. E estas pessoas – as pessoas que obrigaram a Europa a adotar uma moeda comum e que estão forçando Estados Unidos e Europa a adotarem medidas de austeridade – não são tecnocratas. Pelo contrário, são românticos irrealistas.
E, com certeza, trata-se de uma classe de românticos peculiarmente maçantes, que se expressam numa prosa grandiloquente em vez de poesia.
E as coisas que exigem em nome das suas visões românticas são cruéis, envolvendo enormes sacrifícios dos trabalhadores e suas famílias.
Mas Persiste o fato de que essas visões são impelidas por sonhos de como as coisas deveriam ser e não por uma avaliação fria da maneira como as coisas realmente são.
E para salvar a economia mundial precisamos derrubar esses românticos perigosos dos seus pedestais.
Comecemos com a criação do euro. Se acha que este foi um projeto motivado por um cálculo cuidadoso dos custos e benefícios, você está muito mal informado.
A verdade é que, desde o início, a marcha da Europa na direção de uma moeda comum foi um projeto questionável sob qualquer análise econômica objetiva. As economias do continente eram muito discrepantes para funcionarem sem percalços com uma única política monetária para todas e, muito provavelmente, condenada a experimentar “choques assimétricos” em que alguns países entrariam em colapso, ao passo que outros prosperariam. E, ao contrário dos Estados do território americano, os países europeus não fazem parte de uma única nação com um orçamento unificado e um mercado de trabalho ligado por uma linguagem comum.
Assim, por que esses “tecnocratas” insistiram tanto no euro, desconsiderando os muitos alertas dos economistas? Em parte foi o sonho da unificação europeia que a elite do continente achou tão atraente que seus membros deixaram de lado as objeções práticas.
E em parte foi um ato de fé econômico, a esperança – impelida pela vontade de acreditar, apesar das fortes evidências do contrário – que tudo funcionaria bem desde que as nações praticassem as virtudes vitorianas da estabilidade de preços e a prudência fiscal.
É triste dizer, mas as coisas não funcionaram como prometido.
Contudo, em vez de se ajustarem à realidade, esses supostos tecnocratas redobraram a aposta – insistindo, por exemplo, que a Grécia conseguiria evitar o calote aplicando um plano de austeridade cruel, quando qualquer pessoa que conhece aritmética sabia que não daria certo.
Deixe-me tratar em particular do Banco Central Europeu (BCE) que, supostamente, seria a instituição democrática de última instância e que é conhecida por se refugiar na fantasia quando as coisas vão mal. No ano passado, por exemplo, o BCE confiou na afirmação de que cortes no orçamento, no caso de uma economia fragilizada, promoveriam uma expansão. Estranha essa afirmação, isso não ocorreu em lugar nenhum.
E agora, com a Europa em crise – uma crise que não pode ser refreada, salvo se o BCE adotar medidas para interromper o círculo vicioso do colapso financeiro -, seus líderes ainda se agarram à noção de que a estabilidade cura todas as doenças. Na semana passada, Mario Draghi, o novo presidente do BCE, declarou que “ancorar as expectativas inflacionárias” é “a maior contribuição que podemos oferecer para apoiar um crescimento sustentável, a criação de empregos e a estabilidade financeira”.
Trata-se de uma afirmação totalmente fantasiosa, feita no momento em que a inflação europeia esperada é bastante baixa e o que vem inquietando os mercados é o temor de um colapso financeiro mais ou menos imediato. E é mais uma proclamação religiosa do que uma avaliação tecnocrata.
Apenas para deixar claro, não estou me insurgindo contra os europeus, uma vez que temos os nossos pseudo-tecnocratas pervertendo o debate nacional. Em particular, grupos alegadamente apartidários de especialistas têm conseguido desviar o debate político econômico, mudando o foco do problema do emprego para o do déficit.
Os verdadeiros tecnocratas estão questionando por que isso teria sentido num momento em que o índice de desemprego chega a 9% e o juro sobre a dívida dos EUA é de apenas 2%. Mas, como o BCE, nossos tecnocratas ranzinzas têm seus argumentos sobre o que é importante.
Então, sou contra os tecnocratas? Não, absolutamente. Gosto deles – são amigos meus. E precisamos de conhecimento técnico para lidar com nossas dificuldades econômicas. Mas o nosso discurso está sendo distorcido por ideólogos e sonhadores – românticos maçantes e cruéis – fingindo ser tecnocratas.
Está na hora de pôr fim às suas pretensões.
Fonte: Estadão | Economia & Negócios | Blogs, 22/11/2011

“a dívida não se paga, a dívida se rola”

Aspectos da dívida pública federal

Converteu-se em realidade uma frase que ficou famosa no início da década de 1980, quando o Brasil enfrentava uma grave crise de liquidez. À época, no auge da renegociação de nossa dívida externa em 1982, Delfim Netto, o todo-poderoso da área econômica do governo da ditadura, afirmou: “a dívida não se paga, a dívida se rola”.
A Secretaria do Tesouro Nacional (STN), subordinada ao Ministério da Fazenda (MF), divulgou recentemente seu boletim periódico, contendo as informações relativas ao comportamento da dívida pública federal. O balanço refere-se à situação do endividamento da União até o final do mês de outubro de 2011. A leitura do documento nos informa que o volume total da dívida pública federal atingiu a cifra de R$ 1.807 bilhões, ou seja, R$ 1,8 trilhão. Isso significa que teria ocorrido uma elevação correspondente a R$ 162 bi no valor total da dívida ao longo dos últimos 12 meses, uma vez que o valor para outubro do ano passado havia sido de R$ 1.645 bi. Assim, não obstante o pagamento de mais de R$ 140 bi a título de juros da dívida pública no mesmo período, o Estado brasileiro ainda promoveu o crescimento do valor do principal da dívida da União em 10%. [1] 
Antes de avançarmos um pouco mais na análise das informações ali contidas, talvez valha a pena discutirmos o próprio conceito de dívida pública e as diferentes aspectos metodológicos existentes para o caso brasileiro. Em uma abordagem mais básica, o processo de endividamento de qualquer Estado-Nação só se justificaria em situações onde o balanço de sua situação fiscal (receitas x despesas) esteja desequilibrado. Em tais condições, estando o governo sem condições financeiras de fazer face às suas obrigações, ele se vê obrigado a buscar recursos para além das fontes tradicionais de suas receitas, como é o caso dos tributos.
Valendo-se de sua condição – teórica, ao menos - de agente portador de elevado grau de credibilidade, o Estado lança títulos públicos, em que promete honrar os compromissos ali constantes. Por meio de tal operação, o setor privado adianta recursos líquidos aos cofres públicos (dinheiro à vista) e fica com um papel em suas mãos. Trata-se de uma promessa de pagamento do montante emprestado, adicionado das cláusulas de rendimento financeiro previstas em cada caso. No jargão do “financês”, refere-se ao valor de face mais os juros.
No passado, a maior parte dos casos em que se operava o recurso ao endividamento público podiam ser resumidos a duas situações exemplares. De um lado, os quadros de descontrole fiscal básico, onde um aumento inesperado de despesas ou súbita redução de receitas traziam dificuldades para encerrar o exercício orçamentário. De outro lado, o aumento da dívida pública era quase sempre utilizado como mecanismo para assegurar ciclos de investimento estatal. Ou seja, antecipar recursos para viabilizar o crescimento econômico futuro. No primeiro caso, o endividamento já nasce com sintomas de dúvida, pois o ente que busca recursos passa por uma crise conjuntural e isso pode ser sinalizador de eventual dificuldade para honrar o compromisso mais à frente. No segundo caso, a leitura de quem empresta pode ser mais otimista, uma vez que o recurso vai para investimento e o Estado teria melhores condições de retornar o pagamento no futuro próximo. [2] 
Além disso, existe outra importante modalidade de acesso ao endividamento público. Trata-se do Estado sair em busca de recursos junto a instituições financeiras ou governamentais no exterior. O país devedor emite promessas de dívida em moeda estrangeira e recebe os recursos nesse tipo de divisa. Porém, para fazer face ao seu compromisso, ele deverá acumular recursos dessa mesma natureza. Para tanto, passa a ser importante a análise e acompanhamento de seu desempenho no setor externo (balanço entre exportações e importações) – condição mais favorável para gerar excedentes externos e pagar os compromissos da dívida assumida.
No entanto, o próprio desenvolvimento do capitalismo, a sofisticação do mercado financeiro e o crescimento da importância do Estado na atividade econômica fizeram com que as condições objetivas do processo de endividamento público se tornassem muito mais complexas do que as situações acima expostas. Os mecanismos por meio dos quais os Estados passaram a arrecadar recursos junto ao setor privado – os títulos públicos – se autonomizaram no mercado mobiliário e passaram a ganhar vida econômico-financeira própria, quase independente. As instituições compram e vendem títulos inicialmente emitidos por governos como simples mercadorias no mercado secundário, terciário e por aí vai. Fonte de lucro e especulação pura. Quanto maior risco do governo não honrar o compromisso, maior é a chamada “taxa de desconto” sobre o valor de face do título. E esse é o início do caminho para a jogatina, para as revoadas avassaladoras de capitais, para as chantagens dos operadores do mercado internacional sobre governos impotentes.
Além disso, o volume total do endividamento público cresceu a níveis assustadores, para a grande maioria dos países do mundo. Tanto que, cada vez mais, se raciocina em termos da capacidade de honrar os compromissos da dívida (juros e serviços correlatos) e nem tanto em honrar os valores relativos ao chamado “principal” da dívida contraída. Converteu-se em realidade uma frase que ficou famosa no início da década de 1980, quando o Brasil enfrentava uma grave crise de liquidez e dificuldade para cumprir seus compromissos com a banca estrangeira. À época, no auge da renegociação de nossa dívida externa em 1982, Delfim Netto, o todo-poderoso da área econômica do governo da ditadura, disse que “a dívida não se paga, a dívida se rola”. Ou seja, o Ministro do General Figueiredo afirmava com todas as letras aquilo que todo mundo nos meios empresarial e governamental sabia e não tinha a coragem política de dizer: o Brasil não apresentava condições de pagar o total de sua dívida. E pleiteava condições de renegociação junto às instituições financeiras. O problema é que o acordo assinado com o FMI foi desastroso para nossa economia. Mas aí já é uma outra história...
O ponto a reter aqui é que passou a ganhar relevância um novo aspecto do endividamento. Aquilo que em economês se chama de diferença entre as variáveis “estoque” e as variáveis “fluxo”. No caso, o estoque sendo o volume total acumulado da dívida do Estado e o fluxo sendo os juros pagos periodicamente em função dos compromissos assumidos no momento do endividamento. O Japão é talvez o caso mais sintomático dos países desenvolvidos, uma vez que sua dívida corresponde a mais de 200% de seu PIB. Os Estados Unidos apresentam uma dívida equivalente a 100% de seu PIB. Canadá, Inglaterra, França e Alemanha, por sua vez, situam-se entre 75% e 85%. Para o Brasil, o coeficiente de endividamento em relação ao PIB é de aproximadamente 50%. Esse indicador foi criado como uma tentativa de medir a chamada “capacidade de pagamento” do Estado devedor. Ou seja, qual a porcentagem que o estoque de dívida pública representa sobre o total de bens e serviços gerados por um país num determinado ano. No limite, esse índice significa pouco. Mas oferece alguma idéia a respeito de eventual facilidade/dificuldade em honrar aquele compromisso no curto, médio e longo prazos. 
Os impactos variam muito segundo o país considerado, é claro. A dívida pública norte-americana é claramente impagável. Mas nem por isso, aquele país sofre as pressões e conseqüências sociais e econômicas a que estão sendo submetidos outros que apresentam índices menores, como Grécia, Espanha e Itália, por exemplo. O que normalmente ocorre para o fenômeno descrito por Delfim Netto é que, uma vez chegado o momento do vencimento, o Estado não paga a dívida como previsto no título. E emite um novo papel para substituir o antigo, com vencimento mais à frente e nova promessa de pagamento. É a tal da rolagem da dívida. Uma ciranda financeira baseada na credibilidade, mas com alto grau de incerteza e especulação.
O fato é que a autonomização dos títulos das dívidas públicas como mercadorias específicas e o processo crescente de financeirização das atividades econômicas pelo mundo afora tornou mais importante a preocupação do ente emissor com a capacidade de honrar o fluxo de juros e serviços do que com o montante do principal. Para recuperar a frase do Delfim: a dívida a gente rola! Desde, é claro, que os demais agentes no mercado financeiro internacional estejam de acordo ou se sintam obrigados a aceitar tal condição. Além do mais, os níveis e valores são tão mastodonticamente elevados, que reduções nos “ativos a receber” passam a ser aceitas e incorporadas pelo próprio sistema. Em alguns casos, com a criação de novas dívidas para cobrir os rombos passados ou então apenas “acusando o golpe”, como se diz no boxe, e tocando a bola prá frente. A Argentina e o Equador, por exemplo, recentemente promoveram uma redução unilateral no valor de face das dívidas assumidas por governos anteriores e nem por isso perderam acesso ao crédito no mercado internacional. Ou seja, tudo se passa como se o sistema estivesse mesmo preparado para essa eventualidade: incorporar uma perda definitiva em seus balanços.
E agora, voltando ao boletim da STN. Outro elemento importante refere-se a um indicador destacado pela STN no relatório. É o chamado “custo da dívida pública federal”. O documento aponta que, entre setembro e outubro de 2011, teria havido uma “redução” no item de 13% para 12,5% ao ano. Uma loucura! Apesar da ligeira queda, o custo é elevadíssimo! Como a maior parte da dívida é composta por títulos indexados à SELIC, o custo que o Tesouro Nacional tem que pagar é muito elevado. E toda a sociedade acaba sendo obrigada a arcar com esse ônus, pois os recursos saem do Orçamento da União, que deixa de gastar com áreas essenciais como saúde, educação, previdência, saneamento, etc. Façamos a conta por baixo: 12,5% de R$ 1,8 tri resultam em R$ 225 bilhões. Esse seria o volume necessário apenas para pagar os juros da dívida pública com títulos da União durante 12 meses!
Caso houvesse disposição do governo para reduzir a taxa SELIC ou alterar a composição dos títulos da dívida, a economia obtida com as despesas financeiras seria significativa. Uma taxa oficial de juros de 6% ao ano, por exemplo, reduziria tais gastos parasitas a mais da metade, liberando recursos para compromissos orçamentários mais efetivos. A dívida continuaria a ser rolada e as despesas para tanto pesariam menos sobre os ombros da maioria da população.
NOTAS
[2] Há também os casos em que o Estado simplesmente lança mão do recurso à emissão de moeda para gerar os recursos necessários. Em tese isso não provoca aumento da dívida, mas aí surge o problema da inflação causada pelo uso descontrolado desse subterfúgio.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: Carta Maior | Colunistas | Debate Aberto, 24/11/2011

dando uma ideia

"Força não há, capaz de enfrentar uma ideia, cujo tempo tenha chegado.
Força não é, capaz de salvar uma ideia, cujo tempo tenha passado." - (A Onda, Engenheiros do Hawaii)

quinta-feira, novembro 24, 2011

“Relatório da Missão Caetité"

Violação de direitos humanos na exploração de urânio na Bahia

[por Zoraide Vilasboas, para o EcoDebate
O “Relatório da Missão Caetité: Violações de Direitos Humanos no Ciclo do Nuclear”, que denuncia a situação de injustiça ambiental na exploração de urânio na Bahia, será apresentado amanhã (25/11) às 14 horas, no Instituto de Geociências da UFBA, em Salvador, pela socióloga Marijane Lisboa da Plataforma Dhesca Brasil (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais).
A Missão Caetité pesquisou os danos sócio ambientais e econômicos causados pela unidade mínero-industrial da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que há 11 anos opera a única mineração de urânio ativa na América Latina, a 750 km da capital baiana, onde produz concentrado de urânio, principal matéria prima do fabrico do combustível que abastece as usinas atômicas de Angra 1 e 2 (RJ).
Durante mais de dois anos, a Relatoria para o Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca investigou as denúncias de insegurança técnico-operacional nas instalações da INB e de desastres e crimes ambientais, como a contaminação da água e do meio ambiente de uso comum de populações rurais de Caetité, Lagoa Real e Livramento. Investigou também o índice crescente de mortes por câncer na região; os conflitos pelo uso da água; a desinformação da população sobre os riscos à saúde associados à contaminação radioativa e a omissão das autoridades envolvidas.
“conspiração da ignorância”
A Relatoria Dhesca constatou a falta de transparência em todas as atividades nucleares desde a mineração, o fabrico de material radioativo, o funcionamento das usinas até a destinação final do lixo atômico. E levanta a suspeita de que novo programa nuclear militar paralelo seja o verdadeiro propulsor da retomada do Programa Nuclear Brasileiro, que usa o carimbo da segurança nacional para tentar impedir o acesso às informações sobre as atividades atômicas.
Ao avaliar a atuação dos órgãos de fiscalização nas três esferas administrativas, a Plataforma se deparou com uma realidade preocupante, identificada como uma “conspiração da ignorância” que tenta negar os danos causados pela exploração do urânio. Segundo o relatório, a conivência dos poderes públicos com o sigilo imposto pelo setor nuclear e a omissão das autoridades com as irregularidades observadas, resulta na falta de assistência aos trabalhadores e às populações afetadas pela INB.
A Plataforma apontou as ameaças à saúde dos trabalhadores e da população como os aspectos mais graves e que exigem urgentes soluções e apresenta recomendações às autoridades competentes, relativas ao monitoramento da saúde dos trabalhadores e da população, a proteção do meio ambiente, à segurança da água, reparação por danos materiais e imateriais, acesso à justiça e ao licenciamento ambiental das atividades de mineração e processamento de urânio. Também defende a necessidade de uma auditoria independente para avaliar todos os aspectos referentes ao funcionamento da INB, reivindicada pelas populações da região desde o ano 2001.
violação dos direitos humanos
Realizada por Marijane Lisboa, José Guilherme Zagallo (relatores) e Cecília Mello (assessora), a investigação da Dhesca Brasil incluiu viagens a Caetité (2009) e Salvador (2010), visitas à comunidades rurais, o exame de farta documentação, entrevistas com comunitários e reuniões com autoridades públicas nas três esferas de governo, responsáveis pela proteção da saúde e do meio ambiente e pela gestão das águas na Bahia.
A Plataforma atua com apoio da ONU e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e cumpre importante papel no monitoramento, mediação e promoção de Direitos Humanos. Sobre Caetité, concluiu: “a violação dos direitos humanos ambientais se encontra associada e se expressa por meio da violação do direito humano à saúde, à moradia, à água potável, à atividade econômica e aos direitos políticos de acesso à informação, manifestação e participação nas decisões, dada a inseparabilidade das interações entre todos estes aspectos e o meio ambiente, que constitui o seu fundamento material.”
O lançamento é promovido pela Pós-Graduação em Geografia, Mestrado em Economia/Projeto GeografAR da UFBA e Rede Brasileira de Justiça Ambiental, dentro do programa “Geografando nas Sextas: o Campo Baiano em Debate”. O evento tem o apoio da Associação Movimento Paulo Jackson –Ética, Justiça, Cidadania; Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia – AEABA; CESE; Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité; CREA-BA; CPT-Ba; Gambá; Greenpeace; Instituto Búzios; Instituto Quilombista; Jubileu Brasil Sul; O Lixo somos nós?; Sindae; Suport-Ba.
Zoraide Vilasboas é jornalista da Coordenação de Comunicação da ASSOCIAÇÃO MOVIMENTO PAULO JACKSON-Ética,Justiça,Cidadania
Fonte: EcoDebate, 24/11/2011

quarta-feira, novembro 23, 2011

“acendo a história, me apago em mim”

Comentários sobre K., de Bernardo Kucinski

por Maria Rita Kehl
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“Acendo a história, me apago em mim”; a citação de Mia Couto que abre o romance de Bernardo Kucinski ganha seu pleno sentido somente depois que o leitor chega à última página. “Apagar-se” na tentativa de acender uma história que nunca foi contada é uma imagem que sintetiza a epopéia do pai idoso à procura da filha desaparecida durante a ditadura militar brasileira. Mas é também a posição do próprio narrador: é possível que o estilo contido e preciso de Bernardo Kucisnki tenha sido construído à custa de um corajoso e calculado método de apagamento subjetivo. 
Na medida em que avançava na leitura de K., aumentava em mim a impressão de que só assim, apagando-se, teria sido possível ao autor encontrar coragem para reconstituir o sofrimento do pai que procura em vão pela filha e se convence aos poucos de que nunca a reencontrará, nem terá direito a homenagear seus restos mortais. A contenção no estilo da narrativa, longe de aparentar frieza ou impessoalidade, coloca o leitor em permanente estado de alerta diante do campo minado do texto. Uma bomba de dor está para explodir no capítulo seguinte, no parágrafo seguinte, enquanto a brutalidade que a provocou se insinua, sistemática, a cada nova tentativa de K. encontrar notícias da filha e do genro desaparecidos. 
É preciso coragem para conduzir a narrativa, e com ela, o leitor, pelos caminhos tenebrosos percorridos por quem procura notícias assim, a esmo, um pouco às cegas, sem saber em quem confiar, à mercê de armadilhas, chantagens, falsos informantes, delações. Caminhos que são eles próprios o avesso da vida. O avesso do que a vida deveria ser. Coragem para inventar o que mais se aproxima da verdade: a perspectiva subjetiva do inimigo. Pois a narrativa de K. reconstitui a voz do delator, do torturador, da amante do delegado e até daquele que se tornou símbolo do mal absoluto no Brasil da década de 1970: Sérgio Paranhos Fleury. 
É preciso apagar-se um pouco para conseguir dar voz a quem certamente disse coisas como essas: “É isso aí, Mineirinho, vamos espalhar boatos de onde os corpos estão. (...) a gente solta um, dá um tempo, depois solta outro. Vamos matar esses caras de canseira”. (P.76). “...agora é hora de limpar os arquivos, não deixar prova. (...) Entregar a moça, onde é que esses caras estão com a cabeça? Mesmo que eles estivessem vivos, como é que eu ia entregar, depois de tudo o que aconteceu? Não é para acabar com as provas? Pois nós acabamos.” (p.77).
Talvez por isso, K. só pudesse ter sido escrito quarenta anos depois do acontecido. No prefácio de A grande viagem, o escritor espanhol Jorge Semprún escreve que precisou de 16 anos até obter o distanciamento necessário para descrever sua passagem por um campo de concentração nazista. Kucisnki precisou de mais tempo que isso, porque foi muito além da introspecção necessária para reconstituir o passado em primeira pessoa. Transportou-se por escrito para a perspectiva do pai, cada vez mais desesperançado e mais envelhecido, cada vez mais obstinado em fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para encontrar – o que? Primeiro a filha; depois, notícias de sua morte; a seguir, pelo menos uma ossada que pudesse sepultar; no fim de tudo, o direito a uma matzeivá vazia no cemitério judaico onde apenas o nome se perpetuasse e evocasse a morte.
Direito que também lhe foi negado pelo rabino, em nome da ortodoxia contida nos livros sagrados, assim como lhe foi negado pelo dono da pequena gráfica o direito de publicar um livrinho em memória da filha e do genro: “como o senhor se atreve a trazer material subversivo para a minha gráfica...?” (p.84). O pai se atreveu a isso e muito mais. O pai nem sabia de fato o quanto se atrevia. “O pai que procura pela filha desaparecida não tem medo de nada”.
A enorme angústia do pai diante do desaparecimento da filha transforma-se aos poucos no desespero de não conseguir nem ao menos uma inscrição simbólica de sua existência. Esta virá na forma modesta de nome de rua em um loteamento na periferia do Rio de Janeiro, que um vereador de esquerda conseguiu batizar em homenagem aos desaparecidos políticos. Na volta da cerimônia, K. se espanta ao passar por uma avenida batizada com o nome do criador do DOI-CODI, General Milton Tavares de Souza, também imortalizado numa das pontes sobre a marginal Tietê, em São Paulo. Estranho costume dos brasileiros, pensa o velho, de “homenagear bandidos e torturadores e golpistas como se fossem verdadeiros benfeitores da humanidade” (p. 158).
O livro termina com uma crítica piedosa e elegante a respeito da intransigência da direção de certas organizações, na luta armada, que se recusaram a liberar seus militantes diante da obviedade da derrota e do massacre iminentes. Mas não é este o alvo principal do belo romance histórico de Bernardo Kucinski. Hoje, quando finalmente o Brasil anuncia a intenção de pelo menos investigar os responsáveis pelos crimes de Estado cometidos durante o regime militar (punir, como os argentinos, jamais!), K. deveria ser leitura obrigatória para todos os membros da nossa tímida Comissão da Verdade, criada com quatro décadas de atraso, no atual governo da ex-prisioneira política Dilma Roussef. 
(*) Artigo publicado originalmente no blog da Boitempo

Maria Rita Kehl é psicanalista, ensaísta e poeta, é autora do livro "A mínima diferença - o masculino e o feminino na cultura".
Fonte: Carta Maior | Debate Aberto, 22/11/2011

o custo com o tratamento da água poderá aumentar

O novo Código Florestal e o impacto na água.

Entrevista especial com José Galizia Tundisi
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“O novo Código Florestal não está considerando o papel dinâmico da vegetação no sistema ambiental”, declara José Galizia Tundisi, referindo-se à redução e utilização de áreas alagadas e florestais para o plantio. O pesquisador explica que as matas e áreas ripárias são fundamentais para a manutenção do ciclo hidrológico e a não preservação desses territórios irá interferir diretamente na quantidade e na qualidade da água. “A vegetação constitui um componente muito importante para o ciclo da água, porque ela a retém e a infiltra no solo, contribuinto com ar para atmosfera através da transpiração e da evapotranspiração”.
Em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line, José Galizia Tundisi também explica que, caso o novo texto do Código Florestal seja aprovado, o custo com o tratamento da água poderá aumentar porque a “remoção, tanto de áreas alagadas como de vegetação, causa naturalmente uma perda de qualidade da água”, menciona. E esclarece: “Onde há a preservação dos mananciais, gastam-se no máximo 2 ou 3 reais por 1000 metros cúbicos para tratar a água, enquanto em regiões degradas gastam-se mais de 300 reais para tratar a água, só com substâncias químicas. Essa diferença é o trabalho que a vegetação e as áreas alagadas fazem e que serão retirados pela insanidade do Código Florestal”.
O texto do novo Código Florestal começou a ser discutido na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle – CMA, na manhã de ontem, 21-11-2011. A votação do texto deverá acontecer na próxima quarta-feira. Caso aprovado, o projeto segue para o Plenário, para a última etapa de tramitação no Senado.
José Galizia Tundisi é graduado em História Natural, mestre em Oceanografia na University of Southampton e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor titular aposentado da USP e professor titular do curso de Qualidade Ambiental, da Feevale. É presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental – IIEGA e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia – IIE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line Que impactos o novo texto do Código Florestal pode gerar nos recursos hídricos?
José Galizia Tundisi – O ponto fundamental é que a vegetação constitui um componente muito importante para o ciclo da água, porque ela a retém e a infiltra no solo, contribuindo com ar para atmosfera através da transpiração e da evapotranspiração. Portanto, a vegetação tem uma função dinâmica no ciclo da água. A remoção desta vegetação vai justamente causar problemas qualitativos e quantitativos na água, porque a vegetação filtra materiais em suspensão, metais pesados, e retém estas substâncias e elementos em suas raízes. A quantidade da água também será prejudicada porque a reposição da água subterrânea fica prejudicada pelo corte da vegetação. O novo Código Florestal não está considerando esse papel dinâmico da vegetação no sistema ambiental.
IHU On-Line – Em sua opinião, como o novo texto do Código Florestal aborda a questão da preservação das florestas?
José Galizia Tundisi – O novo texto do Código Florestal ameaça transformar as florestas ripárias, que são aquelas florestas derradeiras de rios, em Áreas de Proteção Permanente – APPs. Toda propriedade tem que ter uma área de proteção permanente, e os defensores do novo Código querem incluir essas florestas ripárias na porcentagem das APPs. Qualquer diminuição dos mosaicos da vegetação da bacia hidrográfica é prejudicial.
IHU On-Line – O novo texto do Código Florestal permite esse tipo de plantio? Quais os equívocos do plantio em áreas alagadas?
José Galizia Tundisi – As áreas alagadas têm um papel fundamental na remoção de substâncias e elementos das raízes do sistema, e também são importantes para a recarga dos aquíferos. O Brasil tem 600 mil km² de áreas alagadas, qualquer remoção de tais áreas causará problemas significativos na qualidade e quantidade de água, porque junto com a vegetação existem outros elementos fundamentais na proteção da qualidade e da renovação das águas. Além disso, elas são importantes porque controlam as enchentes, especialmente em regiões urbanas. Portanto, a proteção das áreas alagadas é fundamental no processo de gestão das bacias hidrográficas. Sua remoção para o cultivo de outras plantas também é prejudicial ao ciclo da água.
IHU On-Line – Com que frequência as áreas alagadas costumam ser degradadas e usadas para a agricultura?
José Galizia Tundisi – O Rio Grande do Sul utiliza muitas áreas alagadas para plantar arroz, mas em outras regiões do país ainda há certa preservação. Se houver uma recomendação explícita no novo Código Florestal de que essas áreas alagadas possam ser removidas, certamente sua utilização será ampliada e, consequentemente, haverá uma degradação ainda maior da vegetação dos mosaicos. A combinação de áreas alagadas, matas ripárias e mosaicos de vegetação nas bacias hidrográficas é que faz a diferença na preservação ambiental. O conjunto de elementos estruturais de uma bacia hidrográficas: as matas, as matas galeria e as várzeas é que consegue manter os ciclos funcionando nas bacias hidrográficas e que mantém a qualidade e a quantidade de água. Retirando-se tais componentes, retiram-se as áreas tampão, permite-se que escorra mais material para os rios e que degrade a qualidade da água. Isso irá gerar um prejuízo grande, inclusive para a agricultura brasileira.
IHU On-Line – Os custos com o tratamento da água serão elevados caso o novo texto do Código Florestal seja aprovado? Por quê?
José Galizia Tundisi – Quando se têm áreas com vegetação e mananciais preservados, não é preciso usar tantos insumos químicos para fazer o tratamento de água, pois ele é feito naturalmente pela vegetação, pelas raízes, pelos componentes e pelas áreas alagadas. A remoção, tanto de áreas alagadas como de vegetação, causa naturalmente uma perda de qualidade da água. Então, será necessário gastar mais dinheiro para tratá-la, utilizando mais substâncias químicas para tratar esta água e recuperar a sua potabilidade. Em algumas regiões, onde há a preservação dos mananciais, gastam-se no máximo 2 ou 3 reais por 1000 metros cúbicos para tratar a água, enquanto em regiões degradas gastam-se mais de 300 reais para fazer o mesmo só com substâncias químicas. Essa diferença é o trabalho que a vegetação e as áreas alagadas fazem e que serão retirados pela insanidade do Código Florestal.
IHU On-Line – De que maneira o novo texto do Código Florestal pode prejudicar a agricultura?
José Galizia Tundisi – Pode prejudicar a agricultura de várias maneiras. Vai degradar a qualidade da água dos rios que passam pelas fazendas, pelas regiões de plantação, e, com a diminuição das matas ripárias, os rios ficarão desprotegidos. A quantidade de água será diminuída, porque tanto a água superficial como a subterrânea dependem muito da presença da vegetação.
IHU On-Line – Como o Código Florestal aborda hoje a plantação de arroz em áreas de várzea, a questão da pecuária no Pantanal e as culturas que são cultivadas em encostas ou topos de morros? Como esses casos deveriam ser abordados na reformulação do Código Florestal?
José Galizia Tundisi – O Código não se refere muito a essas questões, o que é bastante ruim. O Código não dá muita atenção às áreas alagadas, a não ser pelo fato de que essas áreas serão cultivadas. Portanto, ele deixa uma brecha para o cultivo nesses territórios. Não se mencionam especificamente o arroz ou outras culturas. O código que está sendo proposto ignora a importância das áreas alagadas e não menciona estas importâncias; simplesmente abre uma brecha para o uso, o que é realmente prejudicial.
IHU On-Line – Como esses casos deveriam ser abordados na reformulação do Código Florestal?
José Galizia Tundisi – Depende. O arroz é uma gramínea, e, portanto, seu cultivo faria o mesmo papel que as gramíneas que crescem em áreas alagadas naturais. Por outro lado, essas áreas alagadas têm outro potencial: estimulam a biodiversidade, o que não acontece em uma monocultura de arroz, por exemplo. Uma área alagada natural tem maior diversidade de pássaros, peixes, insetos, além de plantas diferentes, que num conjunto funcionam muito bem. Quando as áreas alagadas naturais são substituídas por uma monocultura, embora não haja um prejuízo muito grande, há naturalmente uma perda das funções da área alagada.
IHU On-Line – É necessário atualizar o Código Florestal vigente?
José Galizia Tundisi – Sim. É importante atualizar o Código Florestal vigente, mas o Brasil perderá a oportunidade de criar condições de proteger a sua biodiversidade e de aumentar a capacidade de uso que dela se faz, caso seja aprovado o novo Código Florestal.
IHU On-Line – Por que, em sua avaliação, há tanta pressa em votar o novo Código Florestal?
José Galizia Tundisi – Porque os grandes produtores têm pressa em aprová-lo. O que está acontecendo é que os grandes produtores estão se escondendo atrás dos pequenos produtos. Estão dizendo que o novo Código Florestal vai proteger os pequenos produtores, mas não é verdade. Ele vai proteger os grandes, e são eles que têm interesse em aprovar o novo texto e, especialmente, a questão das anistias das multas. A partir da aprovação do novo Código, eles querem plantar mais. Não sei qual é a pressa em plantar mais, uma vez que o problema não é aumentar a área plantada, mas sim aumentar a eficiência da área já plantada. É necessário atualizar o Código Florestal vigente; mas isso pode ser feito sem assoberbamento, utilizando a informação científica, equilibrando as informações científicas com o desenvolvimento.
Fonte: Ecodebate, 23/11/2011, publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

terça-feira, novembro 22, 2011

pelo “empenho” contra Belo Monte


Ninguém menciona as empreiteiras, o blindado Ministério de Minas e Energia, o Sarney e sua eterna marionete de plantão, Edison Lobão. Depois de anos denunciando o projeto de Belo Monte, só agora os jornais importantes se deram conta de que ele é inadmissível, destruidor e que os compromissos assumidos pelo consórcio não estão sendo cumpridos? Depois de anos de conflitos na região do Xingu em que ficou patente que os indígenas, a biodiversidade, os ecossistemas estariam ameaçados, somente agora os atores globais questionaram Belo Monte?
Não foi por falta de dicas, já que até James Cameron esteve por aqui e se integrou à resistência, aproveitando Avatar. Não estou desmerecendo o esforço deles todos – é louvável e me parece sincero, está sendo útil, neste momento, para chamar a atenção da sociedade, que até agora não tinha entendido realmente o que é Belo Monte. No entanto percebe-se aqui e ali, sutilmente, a entrada de figuras marcantes e admiradas da constelação global apontando o dedo para o Xingu, para os custos de Belo Monte e para a energia que dizem que vai gerar. Só. Mas não se vê uma única palavra sobre a real necessidade de tantas hidrelétricas na Amazônia, a reboque de Belo Monte, ou sobre os equívocos do planejamento do setor elétrico exclusividade do PMDB e da projeção da demanda de energia. Não estou me referindo às Ongs ou movimentos sociais, mas àqueles que estão se engajando agora, recém saídos da penumbra em que estiveram envoltos desde que a discussão entrou na fase mais visível, depois que o Ibama concedeu as licenças para Belo Monte. O vídeo dos atores globais é importante, como já disse, mas carece de mais algumas explicações, palavras e nomes que permaneceram preservados, tais como Edison Lobão, Sarney, Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, BNDES, Eletrobras, Furnas, Votorantim, Vale, Light, Cemig, Alcoa, etc.
Todos envolvidos diretamente ou com interesses nas obras civis ou nas receitas futuras de Belo Monte ou na exploração mineral da região. Pode até parecer, de minha parte, uma tendência de buscar pêlo em ovo ou da teoria da conspiração, mas Dilma representa uma pedra no sapato do PSDB nas próximas eleições, apesar desse seu autoritarismo que impôs projetos hidrelétricos na Amazônia, e da completa falta de aptidão para escolher assessores. A oposição, a Globo, o Estadão, a Folha, a Época, Exame, etc. estão crucificando esse governo (com justa razão, há motivos de sobra), mas sem mencionar, em momento algum, os outros mega-responsáveis que se locupletarão com Belo Monte (gerando ou não a energia prometida). O mesmo se dá com relação ao Alkmim e Kassab em São Paulo, aonde tudo vai muito mal, desde o metrô, saneamento, enchentes, saúde, escolas, manutenção das praças e parques, segurança, corrupção. Os nomes dos dois, porém, nunca são associados aos fatos que estão sendo noticiados, pois poderiam denegrir suas régias cabeças candidatas às próximas eleições.
Belo Monte, ao contrário, está sempre associada à Dilma e Lula, ao PT (não que eu ache que a responsabilidade não seja também deles, reafirmo). Belo Monte está sendo usada como bomba de efeito retardado para destruir ainda mais esse governo, como se já não bastassem os escândalos ministeriais. Nunca vi a mídia, a grande mídia, tão envolvida em combater algo que seja do interesse de grandes empresas, suas clientes. Belo Monte é produto das suas clientes, mas os nomes não aparecem. Vejamos um exemplo que pode até confirmar aquilo que estou tentando concatenar: nas matérias contra Belo Monte estão sendo citadas as empresas que integram a tal Norte Energia? Não. Norte Energia tem personalidade jurídica – é o consórcio formado por várias empresas que têm todos os interesses econômicos em projetos hidrelétricos na Amazônia. Os nomes dessas empresas jamais são mencionados. Por quê? Eu abomino Dilma, Lula, PT, PSDB, PMDB, Alkmim, Kassab e todos aqueles que manipulam a economia e se escondem atrás de grandes obras com sobrepreços e superfaturamento que levam à corrupção de gente rastaqüera como esse Lupi e apaniguados. Acho que devemos agradecer aos atores globais e à grande mídia pelo “empenho” contra Belo Monte, mas está na hora de começar a dar nomes aos bois. Quem leu com atenção a excelente matéria sobre Belo Monte, de Agnaldo Brito, na Folha, entende.
Para não dizerem que esqueci, também, de mencionar as empresas que formam a Norte Energia:
Grupo Eletrobras
Eletrobras: 15,00%
Chesf: 15,00%
Eletronorte: 19,98%
Entidades de Previdência Complementar
Petros: 10,00%
Funcef: 5,oo%
Fundo de Investimento em Participações
Caixa FIP Cevix: 5,00%
Sociedade de Propósito Específico
Belo Monte Participações S.A. (Neoenergia S.A.): 10,00%
Autoprodutoras
Amazônia (Cemig e Light): 9,77%
Vale: 9,00%
Sinobras: 1,00%
Outras Sociedades
J.Malucelli Energia: 0,25%
Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM):
Liderado pela Andrade Gutierrez, inclui outras nove empreiteiras: Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Contern, Galvão Engenharia, Serveng-Civilsan, Cetenco e J. Malucelli
Fonte: Ponto de Pauta para o livre debate, 21/11/2011

segunda-feira, novembro 21, 2011

a filosofia permanece muda frente a cultura digital


Entrevista especial com Massimo Canevacci*
por Márcia Junges
Assim como a coruja de minerva, que só levanta voo ao entardecer, “o filosofar contemporâneo, se chega, chega atrasado demais”. A crítica é do filósofo e antropólogo italiano Massimo Canevacci, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. “A filosofia me parece ausente. A lógica dela é, ainda, só analógica e não consegue aceitar o desafio de penetrar criticamente na cultura digital”, completa. “Não conheço um filósofo que acompanhou (não digo antecipou) os movimentos das redes sociais”.
Em sua opinião, a filosofia permanece muda frente a cultura digital, que é “mais do que somente técnica, é uma fratura deslocante em relação à modernidade”. Canevacci assevera a necessidade da universidade “sair de si própria, de seus muros”, além de abandonar a separação rígida entre os saberes. E desafia: “Steve Jobs cria dispositivos horizontais e inovadores: Agamben reproduz a verticalidade separada da filosofia/muralha. Filosofia murada”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Com a popularização das redes sociais surgem novas maneiras de manifestação e participação política. Como essas redes impactam a filosofia e o filosofar contemporâneos? 
Massimo Canevacci – A filosofia me parece ausente. A lógica dela é, ainda, só analógica e não consegue aceitar o desafio de penetrar criticamente na cultura digital. A política nasceu com a filosofia em relação à cidade-estado. Agora a política vai além da sua filologia clássica: é um cruzamento de comunicação expandida, horizontal, baseada sobre a autorrepresentaçao de cada sujeito, desafia o dualismo filosófico, é transcultural e além do estado-nação. O filosofar contemporâneo precisa se colocar onde os conflitos nascem com práticas diferentes daquelas modernas. 
A filosofia atual não só aceitou de novo as “duas culturas”, mas gosta de se separar com um orgulho provinciano/periférico de tudo o que acontece no âmbito das ciências assim ditas exatas. Informática e física vão além da filosofia atual. Não é só a reprodução daquele que se chamava “duas culturas”: é pior. É imaginar que os filósofos defendem o passado moderno, industrialista, classista, em que eles acharam de ter um papel moral. O filosofar contemporâneo é distante, e diria o inimigo de tudo o que está modificando culturas, tecnologia, subjetividades, metrópoles, artes, ubiquidade, identidades, etc.
Trilha originária
O filosofar contemporâneo, se chega, chega atrasado demais. Gregory Bateson e Norbert Wiener trabalharam juntos durante a elaboração da cibernética porque o primeiro descobriu na sua pesquisa etnográfica na cultura Iatmul o conceito de schismogenesi, que se tornou o feedback. Uma dialógica flutuante entre antropologia e matemática/física formou a cibernética, isto é, aquilo que agora é a cultura digital.
E os filósofos? Ainda imaginam o vilarejo puro e o caminho pela trilha originária? Você conhece um filósofo que lembra de McLuhan? Será porque Heidegger é ainda hegemônico em muitas universidades através de discípulos que controlam o poder acadêmico? Se a política está ubiquamente dentro e fora da cidade (da polis), parece que a filosofia não consegue participar. A filosofia parece não ser ubíqua, no sentido do cruzamento espaço/tempo que a experiência digital favorece. Não conheço um filósofo que acompanhou (não digo antecipou) os movimentos das redes sociais.
IHU On-Line – Pode-se dizer que a internet é uma nova ágora? Por quê?
Massimo Canevacci – Na ágora, a única subjetividade presente era do homem cidadão: mulheres, escravos, bárbaros eram excluídos. Eu tenho dúvida e resistência sobre a maneira de fixar o pensamento conceitual (também como metáfora) sobre um passado grego eterno como supostamente a filosofia imagina a si mesma.
A internet não é somente um espaço digital material/imaterial (e-space): é também uma maneira de poder enfrentar, interpretar, furar e transformar a monológica do domínio dicotômico que a ágora historicamente presenteava. É uma escritura não somente alfabética, mas uma composição icônica, sônica, visual. A ágora é identitária, é um lugar certo no centro da cidade, onde a arte política é baseada sobre a retórica. A internet é um direito da humanidade, como a saúde, a casa, a cidadania e isso significa que cada pessoa no mundo deveria ter acesso a ela. 
A rede é deslocada, flutuante, desenvolve uma multidão de identidades por sujeito, favorece um multivíduo ubíquo, como eu gosto de dizer; talvez incorpora o além da era pós-colonial. Não se fala uma única língua, apesar de o inglês ser fundamental e, ao mesmo tempo, é um webpidgin: a retórica não funciona; a comunicação (mais que o discurso) é um fluxo de expressividades diferentes e coexistentes: multilógicas, transculturas, plurissensoriais. 
A internet não está só dentro da tradição eurocêntrica. Ela está, simultaneamente, dentro e fora. Gosto de sublinhar mais as descontinuidades da cultura digital do que uma suposta continuidade. A cultura digital, mais do que somente técnica, é uma fratura deslocante em relação à modernidade: e assim a filosofia fica muda. 
IHU On-Line – Nesse sentido, como podemos compreender o “saber analógico” que as universidades ainda detêm, e como esse tipo de saber é apropriado e retrabalhado pelo pensamento filosófico?
Massimo Canevacci – A formação das universidades, com suas faculdades, departamentos e curriculum vitae de muitos professores não é adequada ao desafio atual. Um aluno deveria criar um CV específico, participando nas aulas em qualquer universidade-mundo. Também a universidade é ubíqua. A racionalidade não é singular-universal e ainda menos fixa, mas modifica-se quando acontecem eventos históricos determinantes. A revolução digital imprime uma aceleração e diferenciação no saber como foi (mutatis mutandis) na revolução industrial. 
Naquela época nasceu uma nova dialética (Hegel, Marx etc.), mas agora a dialética é morta, e a síntese é instrumento arqueológico de um domínio em crise e que ainda tenta, às vezes, utilizá-la. Por isso a universidade precisa de sair de si própria, de seus muros. A universidade é uma muralha que agora tenta se defender de tudo aquilo que avança. A separação rígida do saber e da disciplina precisa de ser colocada em crise.
A divisão comunicacional do trabalho é mais significativa daquela divisão social que Marx acreditava fundamental dissolver: quem comunica e quem é comunicado é um conflito político/comunicacional. A autorrepresentação é vontade política de não delegar a nenhum (em primeiro lugar aos antropólogos) a própria história e as próprias narrações. É o problema de uma inovadora política comunicacional na qual ninguém quer delegar nada a ninguém. Dever-se-iam favorecer alunos e pesquisadores em direção de desenvolver um tipo de pesquisa descentrada, individualizada, transdisciplinar, além do saber por departamentos. Cada departamento está se tornando uma gate community. 
Steve Jobs, por exemplo, pode ser considerado um filósofo contemporâneo, como a arquiteta Zaha Hadid, filósofa ainda mais criativa de novas perspectivas pós-euclideanas nas experiências urbanas diagonais. O mesmo se pode dizer de muitos músicos, como Björk, que elaborando os sons por Ipad (Biophilia) – cria uma filosofa da música que horizontaliza o escutar ativo/compositivo de cada um. 
IHU On-Line – Como se dá o diálogo entre a antropologia e a filosofia? Quais são os principais pontos de contato entre ambas as ciências?
Massimo Canevacci – É um diálogo infeliz. A filosofia entende ainda a antropologia como uma elaboração das invariantes pelo homo sapiens: conceitos fundantes, arquetípicos, imutáveis. Ainda não coloca o adjetivo cultural atrás dela. E ciência do imodificável, do eterno sem retorno. Não conheço um filósofo que entendeu a revolução recente da antropologia cultural, isto é nos últimos 20 ou 30 anos: talvez sò Rorthy escreveu que a filosofia deveria aprender pela antropologia cultural, diluir-se nela. Os filósofos atuais não entendem a revolução moderada que aconteceu a partir daGeertz e, depois, mais radical, mas incompleta, pelo grupo de “Writing Culture”. Antropologia é ainda só Lévi-Strauss, justamente pela fraternidade entre estruturalismo e ciência das invariantes.
Os filósofos xavantes ou bororo que eu conheço não são percebidos ou ouvidos pelos filósofos brasileiros. Por outro lado, os antropólogos culturais (os etnógrafos) precisam fazer pesquisa empírica elaborando processualmente reflexões filosóficas que transitam, misturam, sincretizam tratos locais com tensões mais complexas.
Os antropólogos poderiam elaborar pensamentos criativos, descentrados, horizontais/verticais, material/imateriais pós-dualistas. Os pontos de contatos deveriam abordar as subjetividades que emergem a partir da transformação profunda entre aldeia e metrópole. Esse trânsito complexo/sincrético, além de uma definição disciplinar ou disciplinada, precisa renovar métodos, conceitos, paradigmas, composições.
Na cultura bororo, a cosmogonia sacral ou uma pragmática ritual performática como desafio a uma morte percebida como domínio pelas religiões monoteístas é filosofia num sentido estranho. Um canto/choro bororo na frente de uma caveira que se transforma em antenado sagrado, que chama ao som das maracás e de uma voz rítmica todos os mortos de todos os tempos pra tentar estabelecer uma interconexão profunda entre morte/vida: esse foi o evento da minha vida que tento de contar, descrever, escrever e também fotografar e que deixa os filósofos indiferentes, quase enfastiados por uma relíquia do passado. 
O filósofo parece que não gosta mais de perguntar. E o antropólogo parece não ser penetrado pela webcultura. 
O ponto é transitivo: a filosofia que aceita se transformar poderia oferecer uma outra maneira para desenvolver critérios metodológicos e narrativos experimentais, conceitos sensoriais e composições multilinguísticas. Os pontos transitivos significam que o antropólogo e filósofo, seja nascido nas metrópoles ou nas aldeias, precisam dialogar para enfrentar o controle ainda colonial dos missionários que, únicos e por uma lei inexistente, podem continuar a morar nas aldeias.
IHU On-Line – Qual é a atualidade a filosofia da Escola de Frankfurt e de obras como o Discurso filosófico da modernidade, de Habermas?
Massimo Canevacci  Horkheimer foi professor de filosofia social. Isso é de um tipo de pensamento crítico, teoricamente baseado sobre a grande tradição da filosofia alemã, e que, ao mesmo tempo, deseja fazer pesquisa empírica. O projeto Autorität und Familie foi não somente transdisciplinar e além da assim dita dialética “estrutura/superestrutura: foi baseado sobre uma atenta hipótese teórica e uma profunda análise dos materiais empíricos elaborados com diversas metodologias e diversos pesquisadores numa perspectiva crítica para enfrentar e contrastar a força de uma autoridade autoritária que se expandia na Alemanha e em culturas ocidentais inteiras. Depois, o mesmo Adorno elaborou a escala “F” sobre a “personalidade autoritária” difundida também nos Estados Unidos. A teoria crítica foi um caso único, talvez irrepetível: misturar a máxima abstração teórica e o máximo de detalhes empíricos. Máxima teoria e máxima empiria. 
Procura do incompreensível
Habermas não é, nesse sentido, um continuador da Escola. Ele exprime um refluxo no âmbito da filosofia baseada sobre a filosofia, sobre si mesma. Isso quer dizer que filosofia sem pesquisa empírica é regressão contínua. Frankfurt tem alguns limites, claro, sobre a técnica, a música jazz (pena que Adorno nunca ouviu John Coltrane) e um pensamento que colocou em crise a dialética sem conseguir experimentar o além do negativo: mas somente para citar o ultimo livro de Said, Late style, onde a influência de Adorno sobre a música contemporânea e, em geral, o desafio que um artista ou teórico enfrenta nos últimos períodos da vida dele, é não só genial, mas também um verdadeiro assunto que deveria misturar antropólogos e filósofos.
A atualidade da Escola de Frankfurt não fica no pensamento de Habermas; vive como irredutível estilos últimos. Os estilos últimos procuram o incompreensível, que por Adorno não é o desconhecido: é um pensamento que não fica circundado e bloqueado pela lógica da identidade.
IHU On-Line – Quais considera os filósofos e obras fundamentais na filosofia?
Massimo Canevacci – Esta é uma pergunta difícil e, ao mesmo tempo, deliciosa. Sabemos que aparentemente a macarronada é uma, mas na verdade são infinitas as maneiras de cozinhar os spaghetti. E os filósofos criam um tipo de “pasta” utilizando elementos conhecidos e inventando sabores inovadores, nunca experimentados antes. A arte de cozinhar, olhar, comer, mastigar, digerir, descansar, defecar e imaginar. Assim apresento fragmentos saborosos de filósofos misturados com a finalidade de um late style antropofágico. 
A minha tentativa em minha tese de doutorado sobre a Escola de Frankfurt foi sempre de tentar misturar, através de montagem de fragmentos, as correntes mais humanistas ocidentais e como “filósofos sem filosofia” (no sentido de uma disciplina acadêmica ou institucionalizada) que diferentes culturas elaboraram. Assim, gosto menos do Sócrates platônico e mais da crítica que Nietzsche elaborou contra essa construção. 
Adorei os pré-socráticos, Heráclito, depois Demócrito e Zenon, Pitágoras, Eurípedes e Safo... O mesmo Adriano foi um imperador/filósofo excelente junto com Ovídio. A filosofia deLeonardo e do Renascimento, em geral, é ainda parte de mim. Os artífices... Spinoza e os iluministas (Diderot, Rousseau). Hegel da fenomenologia e da estética, claramente Marx,Freud, Rosa de Luxemburgo e Gramsci. Adorno e Benjamin que continuam a dialogar sem parar. Nietzsche de A genealogia da moral. 
Tudo isso se mistura seja com as obras de artistas ou poetas (Rilke, Musil, Baudelaire, Leopardi), seja (e mais complicado ainda) com pessoas assim ditas “outras”, nascida em culturas diferentes da ocidental, não só no Oriente, mas na África, como Ogotemeli (em diálogo com Griaule), nos bororo atuais, Kleber Meritororeu, que tenta afirmar sua cosmogonia cultural além da influência salesiana, Divino Tserewahu, cineasta xavante que elabora a sua própria visão do mundo; Daniel Mundurucu, que escreve livros reivindicando a autonomia da aldeia sem missão. 
Os assim ditos indígenas frequentemente (e infelizmente) sem nome que influenciaram Bateson, Lévi-Strauss, Malinowski. E queria ainda mais misturar com Armani, filósofo do corpo e da estética, os arquitetos Herzog & De Meuron, Renzo Piano, Niemeyer que modificam o sentido comum e criam metrópoles. Os estilos últimos de Beethoven: a sonata op. 111 é filosofia, como o plano-sequência de Antonioni, doente, que acaricia Mosé di Michelagelo ou o canto/choro de José Carlos Kuguri na aldeia de Garças, na frente do crânio transfigurado em arara sagrada da sua esposa.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Massimo Canevacci – Atualmente virou hegemônico o pensamento de Deleuze/Guattari e Foucault/Agamben. Esse último inventa um mito (homo sacer) para explicar o estado de exceção do 11 de setembro de 2001. Tudo isso me parece muito estranho, uma regressão pré-iluminista bem perigosa e obscurantista. Ele favorece uma visão aparentemente crítica, mas na verdade ele é um tipo de pesquisador sobre o direito público que Marx teria já criticado na época dele. Heidegger e o seu irracionalismo racional está presente em Agamben junto com a crítica mais facciosa contra Adorno. Claro, a análise adorniana sobre a relação mito/ratio coloca o homo sacer e seu autor onde merecem. 
Agamben continua a afirmar a tradição de uma razão mítica (ou de um mito razoável) que não explica nada do estado atual, justifica ou é indiferente ao terrorismo teológico que quer um estado teocrático, sorri distraído na frente da revolução baseada sobre a comunicação digital, como já falamos. Assim, a microfísica/dispositivo de Foucault é o resultado de uma genealogia (aquela de Nietzsche) que virou historicismo. 
Agamben e Foucault representam a transformação da crítica genealógica em mitologias historicistas. Steve Jobs cria dispositivos horizontais e inovadores: Agamben reproduz a verticalidade separada da filosofia/muralha. Filosofia murada. O mesmo sobre algumas teorias de Deleuze/Guattari, especificamente Mil platôs, que eu enfrentei na versão italiana de Sincretismos nunca traduzida no Brasil. 
Por isso a filosofia atual está fora da filosofia, assim como muita antropologia. Precisamos modificar o que se entende por filosofia: ela não é a história de uma disciplina, uma história ocidental, uma história historicista. Assim como nos pré-socráticos, no Renascimento, no Iluminismo, a filosofia pensa e modifica o contemporâneo (isto é, não só o que é atual: Michelangelo é contemporâneo para mim como Ovídio).
A filosofia precisa se interrogar novamente sobre o estupor. O estupor é um método filosófico não dos “primitivos”, e por isso “superficial”. É um método para se abrir ao estranho, ao diferente que está para acontecer mas ainda não se apresentou, e por isso o pesquisador deseja o desconhecido. Nell’attimo prima. O estupor é a porosidade do corpo/mente. Conhecer a história da filosofia e ao mesmo tempo os pensamentos de outras culturas (“nativas”) é fundamental para produzir pensamentos hic et nunc. O historicismo dominante na filosofia é a morte da filosofia.
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(*Massimo Canevacci é doutor em Letras e Filosofia pela Universidade Degli Studi di Roma La Sapienza - URS, na Itália, de onde é natural. Leciona antropologia cultural, arte e culturas digitais nessa mesma instituição e é professor visitante na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Publicou vários trabalhos sobre a realidade brasileira. É autor de livros como Antropologia da comunicação visual (Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2001), Antropologia do cinema (São Paulo: Editora Brasiliense. 1990), Fake in China (Maceió: Edufal, 2011) e Fetichismos visuais(São Paulo: Atelier Editorial, 2008).
Fonte: IHU | Notícias, 07/11/2011

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