Qual SUS ?
Eu
me trataria até cirurgicamente pelo SUS, se fosse num local como o Instituto de
Cardiologia de Porto Alegre. Esse exemplo radical é para ilustrar um ponto de
vista que não vem aparecendo nos debates sobre o SUS, tratado como se fosse uma
coisa só em todo o país. Não é. Você tem um atendimento de qualidade pelo SUS
nas Santas Casas do Rio Grande do Sul, mas não sei como é nos outros estados.
Um primo que advoga em Recife e viaja por todo o país me relata que o atendimento
público de saúde é dramático em toda a região nordeste. Se aqui no sul já temos
grandes dificuldades – comecei listando alguns locais “de exceção” – imagina
por lá. E imagine como era antes do SUS.
Existe
um SUS que funciona, sim, mesmo que seja minoria na vasta imensidão deste país.
Deveríamos examinar cuidadosamente, identificar competências e buscar
reproduzi-las em outros locais, ampliando esses “focos de boa saúde pública”.
Os locais que conheço que melhor funcionam, até o momento, tem alguma forma de
apoio de setores da sociedade civil. São geridos por fundações e recebem
doações inclusive de pessoas jurídicas, um apoio muito bem vindo.
É
evidente que há questões gerais a enfrentar, como a Emenda 29, para garantir um
aporte de verbas suficientes por parte do governo federal. Aliás, registre-se o
lamentável episódio de distorção da CPMF, que na sua época deveria ter sido
usada para a saúde e não foi. Mas não se trata só disso, se trata também de
como as verbas são empregadas. Para levantar os problemas da área há várias
entidades atuantes, incluindo o SIMERS, que se tornou um “incômodo” para
governantes de todas as esferas – federal, estadual, municipal – ao cobrar
soluções para os graves problemas e distorções encontradas. Há locais que
gastam 3 vezes mais do que outros, trazendo à tona questões de gestão. O tipo
de competência que leva partidos e políticos a se alçarem a cargos de
responsabilidade, nem sempre corresponde à competência de gestão em certa área,
que requer conhecimentos específicos.
Governantes
são tentados ora a repassar responsabilidades para categorias profissionais ou,
ao contrário, antagonizar com elas (foi o que aconteceu em Porto Alegre , com o
poder público jogando a população contra os médicos). Quem nunca se filiou a
partidos foi o gestor de saúde gaúcho mais reconhecido, por seu trabalho na
reestruturação da Santa Casa, o Dr. João Polanckzyk, que incluiu sempre em sua
gestão a escuta real dos pacientes, tratados como cidadãos.
Sim,
é verdade que a saúde pública não é um problema só do Brasil, é do mundo todo.
Mas temos vendido a imagem de uma capacidade de construir políticas sociais,
que ainda não encontrou o caminho da saúde. A política brasileira já fez as
pazes com o crescimento econômico, com a internacionalização da economia, com
as políticas de inclusão social e está começando a investir no ensino técnico,
mas ainda não fez as pazes com a saúde.
Nas
polêmicas passionais na internet, um sábio título foi o editorial do site Sul
21, “a doença de Lula como mote para a melhoria do SUS”, uma tentativa de
entender o que pode ser melhorado, a partir da polêmica existente. É de mau
gosto, no momento da doença do ex-presidente, a campanha apontando para ele se
tratar no SUS. No passado, a indelicadeza fora do próprio ex-presidente,
dizendo que o SUS estava “ótimo”. Na maioria dos lugares, nunca esteve – e,
neste sentido, foi uma afirmação também de mau gosto, desconsiderando essas
provações da maioria dos brasileiros.
Enfim,
a questão do SUS me lembra um conceito do Direito Constitucional, o de
“Constituição-Programa”. Os direitos ali garantidos, mesmo que estejam longe de
se concretizar, necessitam estar ali para serem reconhecidos como direitos. São
uma meta a ser alcançada, para a qual devemos orientar os nossos esforços, se
formos gestores, bem como nossas reivindicações, na condição de cidadãos.
Podemos começar identificando “qual SUS” temos em cada local e área de
atendimento.
Montserrat
Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: EcoDebate, 04/11/2011
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