Os paraísos fiscais e a hipocrisia do G20
Na cúpula de 2009, o
G20 definiu como prioridades a reforma do sistema financeiro e o combate aos
paraísos fiscais. De lá para cá o balanço é vergonhoso. Os paraísos fiscais são
só estão mais ativos do que nunca, como, sobretudo, seguem funcionando ativamente
em países como Suíça e Luxemburgo e em potências mundiais como EUA, Japão e
Inglaterra. Cerca de 800 bilhões de euros saem dos países do Sul todos os anos
para esses paraísos fiscais.
por Eduardo Febbro - Correspondente da Carta Maior em
Paris
Vídeo da campanha francesa Ajudemos o dinheiro a sair dos paraísos fiscais
O sistema financeiro, os paraísos fiscais, os
impostos às transações financeiras, o nível de decisão dos países emergentes,
os temas que deviam ocupar o centro da cúpula do G20 ficaram na sombra. A crise
grega engoliu a sexta cúpula do G20 celebrada na luxuriosa cidade de Cannes, na
Costa Azul francesa. A agenda da cúpula foi se modificando sob o peso da crise
da dívida. A última versão da reunião dos países ricos e emergentes devia estar
consagrada a apresentar uma rota de fuga para tirar do marasmo os 17 países da
zona do euro e o passo forçado da economia mundial e ao papel que poderiam
desempenhar na retomada econômica do planeta as nações emergentes como o Brasil
e a China.
Não aconteceu nem uma coisa nem outra. O eixo
franco-alemão monopolizou a cúpula mediante uma sólida ofensiva contra o
Primeiro Ministro grego Yorgos Papandreu, para obrigá-lo a aceitar o plano de
ajuste europeu em troca de um novo pacote de ajuda europeu de 8 bilhões de
euros, sem passar por um referendo que, frente à surpresa geral, Papandreu
sugeriu antes da cúpula. O espetáculo final mostrou o que os analistas
internacionais vem anunciando há anos: o Ocidente se desloca para as suas
margens. O vespertino francês Le Monde reumiu muito bem a situação com a
manchete de seu editorial de primeira página: "Em Cannes, o festival das
novas potências".
Os ricos de antes, EUA e União Europeia, tem os
bolsos vazios e nadam em um mar de inoperância disfarçado com um aluvião de
boas intenções. Frente a eles, Brasil e China se afirmam como um eixo de sólida
responsabilidade. O G20 representa 90% das riquezas mundiais, recorda o Le
Monde. O editorial destaca sem concessões que esta cúpula "consagrou como
nunca o novo mapa da geoeconomia mundial". A Europa está pendurada no fio
grego e os Estados Unidos em seus déficits abismais.
Atenas é uma vítima indefesa: a Grécia está de
joelhos, com uma crise política interna de grandes proporções que pode conduzir
à demissão de Papandreu, bloqueado pelas greves, a um passo de sair do euro e
com as caixas vazias. A luta pelo plano de ajuste, os oito bilhões de euros de
ajuda à Grécia, o referendo adiantado por Yorgos Papandreu, a zona vermelha em
que estão a Itália e a Espanha, dois países por sua vez membros do G20 e da
zona do euro, e a extensão da crise da dívida ao conjunto da zona do euro
varreram a agenda do G20.
Apesar da mudança de rumo forçada pela densidade
dos desarranjos mundiais, cabe perguntar-se qual é verdadeiramente a influência
real que tem o G2O nas realidades do planeta, em um contexto onde os países
emergentes que integram o G20 também se vêem ilhados em suas demandas pela
própria dinâmica da crise. A resposta cabe em um exemplo tomado das medidas
adotadas pelo G20 há dois anos. Os dois grandes cavalos de batalha do G20
ficaram no nada: a reforma do sistema financeiro mundial e os paraísos fiscais.
Este último tema é o mais ilustrativo da
inoperância política das grandes potências que compõem o G20. Se o saneamento
do sistema financeiro e a idéia de introduzir um imposto sobre as transações
financeiras permanecem como meros discursos, o combate contra os paraísos
fiscais deu lugar a um pacote de medidas adotadas na cúpula do G20 que se
celebrou em Londres em abril de 2009. Desde então até agora, o balanço é
vergonhoso. Os paraísos fiscais não só são mais frutíferos que antes mas,
sobretudo, na lista dos mais fluídos figuram países ocidentais como a Suíça ou
Luxemburgo, e potências mundiais como os Estados Unidos, o Japão, a Alemanha e
a Grã Bretanha.
A campanha francesa “Ajudemos o dinheiro a sair dos paraísos fiscais”, lançada
antes da cúpula francesa do G20, revela que 800 bilhões de euros saem dos
países do sul a cada ano. O território britânico das Ilhas Virgens conta com
23.000 habitantes, mas tem 830.000 empresas registradas através das quais se
lava dinheiro, se evita o pagamento de impostos e outras tantas transações
ilícitas.
A organização internacional Tax Justice Network, TJN (Rede mundial pela justiça
fiscal), sintetizou em um informe publicado antes da cúpula de Cannes o
fracasso rotundo de todas as disposições adotadas pelo G20 em Londres. A Tax
Justice Network analisou 73 jurisdições e sua atuação nos mercados financeiros.
As conclusões são veementes: no índice sobre a “opacidade financeira” das 73
jurisdições, a Suíça ocupa o primeiro lugar. A TJN destaca que a Confederação
helvética “reúne as condições ótimas para esconder a evasão fiscal
internacional, a lavagem de dinheiro e outras transações financeiras ilícitas”.
Pior ainda: a TJN esclarece que, na verdade, o
primeiro paraíso fiscal do planeta é. . . a Grã Bretanha. De fato, se fosse
atualizado o índice sobre a opacidade financeira, incluindo as ilhas britânicas
de Jersey e Guernsey, se conclui que “o Reino Unido é o primeiro paraíso fiscal
do mundo e se constitui atualmente no ator de maior peso no que se refere ao
sigilo bancário”. Separado, o Reino Unido ocupa a décima terceira posição,
Jersey a sétima, as ilhas Virgens britânicas a décima primeira e Guernsey
aparece na posição número 21.
A classificação elaborada pela Rede mundial pela
justiça fiscal através de 15 parâmetros apresenta outra surpresa: A Alemanha e
os Estados Unidos (dois membros do G20) figuram entre os 10 Estados mais
opacos. Washington está na quinta
posição e Berlin na nona. Nessa mesma lista, Luxemburgo figura na terceira
posição, Hong Kong na quarta, o Japão na oitava e a Bélgica na décima quinta. A
frase pronunciada pelo presidente francês na cúpula de Londres é irreal... e
irrealizável: ”a era do sigilo bancário terminou”, tinha dito Nicolas Sarkozy
em abril de 2009. Mas a era continua pujante.
A investigação da Tax Justice Network põe ao
descoberto uma evidência: o intercâmbio de informação mediante centenas de
acordos bilaterais subscritos desde 2009 não serviu para nada. Pelo contrário,
a maioria dos paraísos fiscais recupera mais dinheiro que antes da famosa missa
de 2009. O índice da Tax Justice Network foi elaborado segundo duas medidas: os
obstáculos que se colocam diante dos pedidos de informação por parte das
autoridades de outros países e a relevância da jurisdição no mercado financeiro
global. A investigação depois qualifica de 0 a 100 pontos o comportamento das jurisdições
investigadas em uma quinzena de temas que vão desde a publicação de dados, o
sigilo bancário até o registro de fundações.
As já célebres Ilhas Caimã, Jersey, Belize,
Barbados ou Gibraltar estão sendo alcançadas por Luxemburgo, Estados Unidos,
Japão ou Alemanha. O G20 tinha se proposto a revisar a eficácia de sua política
contra os paraísos fiscais na cúpula de Cannes. A crise da zona do euro corre o
risco de dilatar a análise. No entanto, os dados proporcionados pela campanha
francesa “Ajudemos o dinheiro a sair dos paraísos fiscais” e pela Rede mundial
pela justiça fiscal provam que nada mudou, que o mal se incrementou e que
aqueles que respaldam medidas contra os paraísos fiscais, no seio do próprio
G20, são os mesmos que depois, atrás da porta, contribuem para a sua expansão.
Veja aqui o ranking
atualizado dos paraísos fiscais.
Tradução: Libório Junior.
Fonte: Carta Maior | Internacional,
05/11/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário