Copa do Mundo criou 'cidades neoliberais'
por Najla Passos
RIO DE JANEIRO – Comitês populares
criados nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 reclamam que a realização
do megaevento – e também da Olimpíada de 2016 – está motivando intervenções nos
municípios que extrapolam a seara esportiva de modo prejudicial a seus
habitantes. Queixam-se que os espaços públicos estariam sendo mercantilizados,
que a especulação imobiliária corre solta, que famílias estão sendo despejadas
por causa das obras.
Este tipo de crítica não se limita a quem muitas
vezes está sentindo os problemas na pele. Também encontra eco em urbanistas.
"Estamos frente a um novo pacto territorial, redefinido por antigas
lideranças paroquiais, sustentadas por frações do capital imobiliário e
financeiro, e amparadas pela burocracia do Estado”, disse Orlando dos Santos
Junior, mestre e doutor em Planejamento Urbano e professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Santos Junior integra o Observatório das
Metrópoles, um instituto virtual que reúne cerca de 150 pesquisadores na
discussão de temas urbanos. Para ele, os megaeventos esportivos alteraram o
processo decisório nas cidades. Investimentos públicos e privados orientam-se
agora em função dos eventos, não das necessidades das pessoas. Corte de
impostos, transferência de patrimônio imobiliário e remoção de comunidades de
baixa renda seriam exemplos disso. “Essas remoções são espoliações, já que as
aquisições são feitas por preços muito baixos”, afirmou.
Mestre em arquitetura e urbanismo, a professora da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) Nelma Oliveira acredita que
os megaeventos estão criando o que ela chama de “cidades neoliberais”. Nelas,
decisões políticas e urbanísticas estariam subordinadas aos interesses
privados. Isso seria visível nas regras de exploração comercial. “Existe um
controle do espaço público para atender aos patrocinadores, que querem o espaço
das cidades, e não apenas do estádio”, disse.
Além das comunidades carentes vítimas de remoção,
Nelma aposta que trabalhadores informais e profissionais do sexo vão ser
reprimidos. “Limpar a cidade e proibir a atuações desses grupos faz parte do
processo de higienização das metrópoles”, afirmou a professora, que participou
nesta sexta (18), junto com Santos Junior, de debate em seminário sobre
comunicação que acontece no Rio.
Presente ao mesmo debate, o jornalista Paulo
Donizetti, editor da Revista do Brasil, afirmou que os megaeventos deveriam ser
uma oportunidade de a sociedade discutir políticas públicas. Mas o país não
estaria aproveitando. “Qual poderia ser o legado humano desses eventos? Fala-se
muito do legado físico, mas não se fala em aproveitar as Olimpíadas de 2016 e
desenvolver uma política esportiva”, criticou.
Segundo ele, ao contrário de outros países
latino-americanos, o Brasil não tem um programa esportivo universalizado. “Por
que o esporte, no Brasil, é para poucos? Nós estamos preparando uma reportagem
sobre a Copa e já descobrimos que 70% das escolas brasileiras não tem nenhuma
quadra”, disse.
Fonte: Carta Maior | Política, 19/11/2011
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