quarta-feira, outubro 28, 2009

conquistado e merecido

O amor entre pais e filhos

por Contardo Calligaris

Não é algo "natural"; como outros amores, tem razões para surgir, acabar ou se tornar ódio

DOIS PROJETOS de lei se propõem a legislar em matéria de amor entre pais e filhos (conforme reportagem de Johanna Nublat, na Folha de 20/9). Ambos se baseiam na premissa de que, entre pais e filhos, há obrigações não só materiais, mas também afetivas.

Pelo projeto (4.294/08) do deputado Carlos Bezerra (PMDB-MT), os pais devem aos filhos menores a presença e o amor que são indispensáveis para que os jovens vinguem sem carências e feridas que nunca cicatrizariam direito. Reciprocamente, os filhos devem aos pais idosos a presença e o amor sem os quais a vida, na velhice, poderia perder seu sentido.
Concordo: para ser "bom pai" não basta pagar mesada ou pensão, e, para ser "bom filho", não basta pagar o salário de quem faz companhia à velha mãe ou ao velho pai.

O projeto do deputado Bezerra institui o princípio de uma indenização por dano moral, que poderia ser exigida por pais e filhos que tenham sido abandonados afetivamente. Curiosamente, volta-se ao mesmo lugar de onde se queria fugir: "Você pensou que era suficiente pagar? Acha que não me devia também afeto, atenção, cuidados? Pois bem, pague mais".

Fora esse paradoxo, a dificuldade está na avaliação do que constitui "abandono" afetivo.

Em sua maioria, os neuróticos (ou seja, a gente), mesmo quando conheceram os cuidados assíduos de pai, mãe, avós etc., queixam-se de uma falta de amor invalidante, que os teria deixado para sempre carentes, tristes e inseguros.

Inversamente, numa veia humorística, conheço adultos que, para evitar o almoço de domingo na casa da mãe, pagariam antecipadamente uma indenização. "Mãe, a gente não vai, mas mando os R$ 300 da multa, tudo bem?". A um preço módico, eles protegeriam assim seu casamento dos venenosos comentários maternos sobre as insuficiências da nora.

O outro projeto de lei (700/07), do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), trata só do abandono afetivo das crianças e quer que, aos filhos menores, seja garantida a "assistência moral", que inclui "a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais" e "solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade". Esse projeto não propõe apenas indenizações financeiras para quem foi abandonado, mas transforma o "abandono" num crime, punível com a detenção, de um a seis meses.

De novo, concordo com a "justificação" do projeto: "A pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos [...]. Os pais têm o DEVER [sic] de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia".

Mas o que dizer sobre os pais dos filhos que saqueiam a casa para comprar drogas? Se eles expulsarem os filhos, irão presos?

E imaginemos uma situação nem tão rara: a de um pai que, um dia, aprende que o filho ou a filha é homossexual, não entende, não aceita e se fecha no mutismo como se quisesse se esquecer da própria existência do filho ou da filha. Esse pai iria preso? Não seria melhor que ele encontrasse um profissional com quem conversar? E, se for aprovado o projeto do deputado Bezerra, o filho que não cuidasse desse tipo de pai na velhice deveria uma indenização ao genitor?

Considerando os dois projetos, a impressão com a qual fico é que a tentação de transformar em norma legal o que seria uma relação minimamente "certa" entre pais e filhos é também (se não sobretudo) uma maneira de negar a seguinte realidade, que é incômoda e que nos choca: contrariamente ao que gostaríamos de acreditar, o amor entre pais e filhos não é incondicional, mas é parecido com os outros amores de nossa vida, tem razões para surgir, para acabar ou mesmo para se tornar ódio.

Filhos e pais não se amam "naturalmente". Claro, a extrema dependência nos primeiros anos da vida humana parece impor o amor entre filhos e pais. E, por exemplo, a mortalidade dos pais faz com que os filhos lhes apareçam, na velhice, como única justificativa de sua vida. Mas essas são apenas circunstâncias que instituem, em nossa cultura, a ilusão de que o amor recíproco entre pais e filhos seja "natural".

Não é assim. O amor entre pais e filhos não é garantido, nem por lei; de ambos os lados, ele pode ser, isso sim, conquistado e merecido.

Ou não.

quinta-feira, outubro 22, 2009

contando estórias (5)

Atalhos de sentimentos

Querendo encontrar a habibti Ludmila, Horácio seguiu para o show que rolava na praça Tereza Batista, no Pelourinho. Ele ensaiou um texto para entregar a ela, esperava vê-la dançar o chorinho do grupo Mandaia, e sabe que ela não estaria nem aí em ter que colar os pedacinhos depois que tudo acontecesse. Imaginou ela imersa num frenesi, numa catarse musical descolada pela guitarra de Armandinho Macedo. Pela necessidade de expor seu animal esquecido, explorar os timbres dos seus instrumentos e gestos impossíveis, tendo seu interior logo tomado pelo fogo continuaria ganhando presentes de palavras escritas por Horácio durante o carnaval que viveriam, poemas rasgados que seriam entregues no seu endereço, que dizemos hoje e-mail. Eles vestem-se de estímulos intensos permitindo o encontro sem preocupações com o cárcere do racional.

Horácio chegou a um estado que até sua intuição balança fora de prumo. Está à mercê de atitudes irracionais, freando e acelerando. A poesia o transformou num adolescente de cara pintada, suas dimensões o atrapalham, tudo em volta parece tropeçar nele, e ele culpa o resto do mundo por se sentir diferente de tudo e todos. Essa é uma circunstância que o deixa em evidente vulnerabilidade, um tanto tenso ignora o pior, mas isso o deixa pensativo a respeito do que fazer para sair desse mundo desgovernado. De uma certeza ele parece ter, não sabe como se portar ao lado de Ludmila, se vê um molusco desajeitado, um besouro cascudo com fome de verde, quer soltar seu cão para que atravesse a rua correndo o risco de ser atropelado.

Uma idéia intrusa lhe convida insistentemente: decorar um texto deixar-se preencher por um personagem shakespeariano, e apresentar-se na medida de sua volúpia para Ludmila. Quer subir no palco, mas sem pintura, sem guarda-roupa característico de personagem, nada mais precisaria para se realizar. Seria o próprio poeta amante, a se dedicar a usar uma das mais fatais armas da conquista, a poesia. Horácio pensou que também ouviria da platéia um contraponto: “... não vai funcionar, mulher gosta de uma boa pegada, em dado momento ela quer mais é ‘aquilo’, o que ela não tem lhe atrai”. Essa afirmação teve um tamanho certo de provocação, fundamento, como dizem os paraenses e perturbou Horácio pela ênfase no popular, quando os outros caíram na gargalhada de pilha.

Jamir, um conhecido, que estava próximo dessa prosa, já conturbada pelo burburinho da galera dá sua visão e enquadra o caso: “ela precisa de um macho, passei cinco anos de terapia para entender o que significa isso”.

Para Horácio, Ludmila quer mais é ser ouvida, sair um pouco de sua vida normal, quase defeituosa, parar no acostamento para ser acolhida, levada por aventuras nesse momento de caos, para que possa desabar na poesia da vida permitindo-lhe “explodir” em suas vontades não realizadas, permanecer viva e fluir em seus caminhos easy rider.

Na saída do show, uma rápida despedida. Horácio chama Ludmila que já se afastava, e ela ao abraçá-lo diz cuidadosamente no seu ouvido: “tchau meu ‘amiguinho’”. Horácio recebe a palavra carregada de significado, todo verbo com uma sutil vontade de dizer mais, embora já note o sentido do seu lugar no caminho dela se definindo, sua vontade do poeta renegado devia parar por ali, e que não seja o bastante atrevido para levá-la nos braços adiante. Roubá-la para outro mundo. Seu primeiro plano com ela: dançar olhando em seus olhos claros, verdes no mínimo e castanhos no melhor ângulo de proximidade.

Horácio responde: até “amor adolescente” – referindo-se a maneira como ela distinguiu pela sua experiência o que está passando, seus “amores paralelos” - seu “amor clandestino” e o seu “amor adolescente” -, amores que estariam invadindo a sua vida sem cuidar de resultados.

Ludmila agora deixa à mostra a estrela que Horácio lhe presenteou, e chama a atenção dele revelando ter gostado da pedra depositada em prata italiana sobre seu busto. Uma peça com um certo significado para eles. Imagina Horácio que caiu bem no pescoço dela, um lindo objeto e adequado aquela mulher que ele continua amando mesmo que “a distância e o tempo digam não”, há uma razão permitindo entre eles que aproximem os atalhos do coração.

sexta-feira, outubro 09, 2009

sobre o tradicional

Os moedeiros falsos - Paul Singer, 6 de Abril de 2009.

Este é um livro a respeito da globalização, em sua modalidade neoliberal, que vem se impondo nas últimas décadas na maior parte do mundo e mais recentemente também no Brasil. José Luis Fiori examina criticamente as políticas exigidas pela globalização e o pensamento doutrinário que as racionaliza e justifica. Nada é mais importante e urgente.

As políticas de globalização, também conhecidas como de "ajuste estrutural", redesenham por completo os limites entre o público e o privado, reformulam o papel do Estado na economia e na sociedade e modificam o relacionamento econômico entre os cidadãos de nações diferentes. Elas são justificadas como imposição da modernidade e do progresso econômico e social, embora representem um recuo histórico a meados do século passado. Fiori se lança ao combate a estas políticas, com o denodo de quem sabe que nada contra a corrente.
"Os Moedeiros Falsos" é composto por oito ensaios, sete entrevistas e três conferências, todas feitas entre julho de 1994 e agosto de 1997. O primeiro ensaio, que dá nome ao livro, foi publicado em 3 de julho de 1994 e inspirou-se obviamente no lançamento do Plano Real e na ascensão vitoriosa da candidatura de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Este ensaio enquadra o Plano e o candidato no movimento mais geral de inserção do Brasil e do resto da América Latina no campo hegemônico do neoliberalismo. Fiori mobiliza seu largo conhecimento histórico para dar o sentido maior dos embates então vividos pelo país.

Não esconde que a figura do atual presidente o fascina como dublê de intelectual e político. Grande parte dos ensaios e entrevistas ocupam-se dele. Fiori conhece bem a obra de FHC e utiliza a teorização da dependência e da vocação política da burguesia brasileira pelo sociólogo para explicar a trajetória política recente de FHC, o senador, o ministro e o presidente. A explicação faz sentido. Em meados dos 60, FHC descobriu que a burguesia brasileira, e por extensão dos países subdesenvolvidos, procura viabilizar a industrialização não pelo enfrentamento da competição dos capitais do mundo desenvolvido, mas mediante a associação com eles.

Nesta teorização, de clara inspiração marxista, FHC critica e desvenda o desenvolvimento associado. Mas, 25 anos depois, o sociólogo tornou-se um dos principais líderes políticos do Brasil. Cumpria posicionar-se diante da crise econômica e política, que tomava a forma de superinflação incontrolável e ruptura potencial entre a classe dominante e o aparelho de estado, então objeto de saque e desmonte por parte de Collor e companhia.
E Fiori aponta a continuidade oculta entre a teorização de FHC e o seu posicionamento posterior: "E frente a esse desafio tomou sua primeira e fundamental decisão: resolveu acompanhar a posição do seu velho objeto de estudo, o empresariado brasileiro, e assumiu como fato irrecusável as atuais relações de poder e dependência internacionais. Deixou o seu idealismo reformista e ficou com seu realismo analítico abdicando dos 'nexos científicos' para propor-se como 'condottiere' da sua burguesia industrial, capaz de reconduzi-la a seu destino manifesto de sócia-menor e dependente do mesmo capitalismo associado..." (pág. 17).

Há sempre certa presunção na tentativa de desvendar motivações alheias. Se Fernando Henrique Cardoso abandonou ou não seu idealismo reformista, jamais saberemos. Mas é inegável que resolveu ligar seu destino ao da burguesia brasileira (e internacional) e que obrigou o PSDB a acompanhá-lo neste caminho, fazendo-o abandonar o percurso anterior de "centro-esquerda", em que posturas e interesses antiburgueses ocupavam certo espaço.
Neste sentido, Fiori pôs o dedo na ferida. E é preciso notar que aproximar-se do empresariado era mais fácil no período anterior, em que a resistência ao regime militar reunia no mesmo barco a esquerda e setores importantes da burguesia. Mas Fernando Henrique Cardoso fez sua opção, como bem mostra o livro de Fiori, quando a burguesia já tinha aderido ao neoliberalismo, colocando-se em confronto direto com todos os setores populares, inclusive com a parte do empresariado que não queria ou não podia se internacionalizar.
As análises de Fiori percorrem com a mesma desenvoltura e competência a história econômica e política e a evolução das doutrinas econômicas, mostrando o permanente entrelaçamento entre prática e teoria. É interessante observar como a história é indispensável ao labor crítico e como, pelo contrário, é inteiramente dispensável ao pensamento apologético da tendência dominante.

O neoliberalismo e seu núcleo duro -o pensamento neoclássico- tomam por base a natureza humana e o comportamento racional dos agentes. Não sentem necessidade de demonstrar empiricamente que os mercados, entregues à sua própria dinâmica, sempre otimizam a alocação dos recursos e liquidam todos as mercadorias oferecidas. Conseguem demonstrá-lo mediante um recurso conceitual: tudo o que não se vende simplesmente não atingiu o preço desejado pelo vendedor. E todas necessidades não satisfeitas resultam de opções racionais dos sujeitos, que preferiram utilizar seus recursos para outras finalidades.
Com estes pressupostos é possível sustentar "cientificamente" que o desemprego, por exemplo, é sempre voluntário. Os desempregados o são porque não aceitam o salário que os empregadores podem lhes pagar, dada a produtividade potencial dos primeiros. E os pobres, desde que não tenham sido roubados ou escravizados, devem sua condição apenas às suas próprias opções. Portanto, numa economia "livre", em que cada indivíduo é dono de seu destino, o desemprego e a pobreza não são males sociais, mas resultados inevitáveis do acaso e das opções individuais.

Para quem acredita nestas proposições, a análise histórica é, na melhor das hipóteses, secundária. Mas, para quem não está convertido a elas e quer entender de que modo estruturas econômicas, políticas e jurídicas produzem hierarquias de poder e desníveis socioeconômicos, a análise histórica é imprescindível. E Fiori mostra bem como a tentativa anterior de aplicar o liberalismo na íntegra levou a crises, que fizeram a tentativa malograr. Seguiram-se décadas de depressão e uma guerra mundial, ao fim das quais o capitalismo entrou em seus "anos dourados", quando o crescimento atingiu o seu ápice, o desemprego quase desapareceu e construiu-se o "welfare state", "a mais ambiciosa e bem-sucedida construção republicana de solidariedade e proteção social" (pág. 88).

Em vários capítulos, Fiori aborda a crise e o fim dos "anos dourados", que originam a atual era de hegemonia neoliberal. Esta análise é crucial e está longe de ser completada. Fiori aponta os fatos essenciais: a liquidação do sistema internacional de pagamentos armado em Bretton Woods, nos 70, a desregulamentação financeira e a supremacia ganha pelo capital internacionalizado, o verdadeiro novo poder que emerge da globalização.

O atual confronto entre o grande capital internacionalizado e cada um dos estados nacionais só se explica por toda uma série de mudanças "políticas" -a tolerância do euromercado, a queda das barreiras tarifárias, o fortalecimento do FMI e do Banco Mundial, como executores dos ajustes estruturais- que foram implementadas num período -os anos 80- em que a social-democracia governava a França, a Espanha e numerosos outros países europeus. E em que ditaduras militares iam sendo substituídas por democracias em grande parte dos países hoje chamados de "emergentes".

Fiori dedica uma de suas páginas mais brilhantes à confusão ideológica que reinava até há pouco nas fileiras da social-democracia, dividida entre a necessidade de parecer confiável aos detentores do capital globalizável e os interesses objetivos de sua base social. É importante assinalar que esta confusão está começando a ser superada, o que permitiu o recente renascimento da social-democracia na Itália, Reino Unido e França. Pode parecer pouco, mas a denúncia do desemprego como "horror econômico" e o reconhecimento de que cabe aos governos eliminá-lo é essencial para escapar da tirania do "pensamento único" neoliberal.
Um dos elementos que Fiori maneja com sagacidade é o "tempo". Ele sabe muito bem que
o tempo é inteiramente abstraído das análises neoclássicas do equilíbrio: forças exógenas perturbam o equilíbrio de mercado e aí -"desde que nenhum agente extra-econômico, como governo, sindicatos etc., interfira"- os agentes executam uma série de tentativas, rejeitando as erradas e aproveitando as certas, até conseguirem definir novos comportamentos ótimos; deste ponto em diante, a conduta otimizadora é sempre reiterada, o que reconstitui o equilíbrio. Não se faz a pergunta embaraçosa: quanto tempo leva esta procura do ótimo? Será que as vítimas das tentativas erradas se dispõem a esperar todo este tempo, até que a otimização se complete?

A questão é crucial para viabilizar politicamente os ajustes estruturais. E Fiori aponta repetidamente que é considerável, para dizer o mínimo, o tempo que os efeitos benéficos levam para se fazerem sentir. "No caso das experiências bem-comportadas, as etapas de estabilização e reformas tomaram de três a quatro anos cada uma, e até uma década para a retomada efetiva do crescimento. Neste quadro, como é óbvio, fica difícil obter credibilidade para políticas neoliberais junto ao empresariado, seu aliado indispensável e, pior ainda, junto aos trabalhadores" (pág. 19). Convém notar que a maior parte das experiências não é bem-comportada e não somente pela resistência ou rebeldia dos excluídos, mas também pelas vicissitudes dos mercados financeiros literalmente desnorteados porque desregulamentados.

Por isso, o projeto de ajuste estrutural de certa maneira pressupõe uma longa permanência no poder da coligação neoliberal, o que parece ser pouco compatível com a democracia, para dizer o mínimo. Ao apontar para esta contingência, ainda em julho de 1994, Fiori antecipa brilhantemente a campanha pela reeleição, que domina o cenário político neste último ano. Em sua melhor tirada, diz: "A dolarização inicial da economia será sempre um artifício inócuo se não estiver assegurada por condições de poder inalteráveis por um período considerável de tempo. Deste ponto de vista, aliás, o Plano Real não foi concebido para eleger FHC; FHC é que foi concebido para viabilizar no Brasil a coalizão de poder capaz de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do FMI e viabilidade política ao que falta ser feito das reformas preconizadas pelo Banco Mundial" (pág. 14).
Convém assinalar, finalmente, que muitas análises em "Os Moedeiros Falsos" prevêem a atual crise financeira mundial em curso. Fiori mostra o tempo todo como os planos de estabilização apoiados em âncora cambial dependem crescentemente da disponibilidade de capitais externos, que de forma alguma estava e está garantida. O Plano Real não apresenta qualquer originalidade a este respeito e sua vulnerabilidade à especulação financeira está bem retratada.

A única restrição que se pode fazer a este livro, sob todos os aspectos brilhante, esclarecedor e oportuno, é a pouca atenção que dá à discussão de alternativas ao neoliberalismo. José Luis Fiori parece recusar-se a teorizar a este respeito, enquanto as condições políticas para inverter a hegemonia neoliberal ainda não estiverem à vista. Mas, para que possam surgir, é imprescindível a formulação de alternativas historicamente convincentes. Fiori parece resignado a uma luta de resistência contra a ofensiva do grande capital. Sem uma utopia alternativa à do neoliberalismo, esta luta não tem perspectiva.

Paul Singer é professor de economia na USP e autor, entre outros livros, de "Um Governo de Esquerda para Todos" (Brasiliense).

quarta-feira, outubro 07, 2009

economia e meio ambiente

‘Separar economia do meio ambiente é não entender nada’.
(Entrevista especial com José Eli da Veiga)

Ao refletir sobre a convenção de Copenhagen que se aproxima, sobre o debate em torno da emissão de gases tóxicos e sobre as relações políticas entre os países desenvolvidos e emergentes em torno do tema, o professor José Eli da Veiga concedeu uma entrevista especial à IHU On-Line, por telefone.
O professor da USP considera que o Brasil poderia ter aproveitado melhor a situação favorável que teve diante da crise econômica “se tivéssemos hoje um sistema de ciência e tecnologia na rota do que precisa ser feito. Nós estaríamos aproveitando isso justamente para nos tornarmos em pouco tempo mais competitivos na linha da sustentabilidade, que é o elemento decisivo neste século”.
Eli da Veiga também fala sobre o que significa para o Brasil a pré-candidatura de Marina Silva à presidência, considerando que ela, além de encarnar o que é o futuro em função do ecodesenvolvimento, é, ainda, do ponto de vista pragmático, uma grande solução para o Brasil no impasse político e institucional em função das alianças com o Congresso.
Segundo ele, “a diferença programática entre o tucanato e os petistas é muito pequena; é a questão da ênfase no papel do Estado. E o grande problema é que ambos são prisioneiros, são chantageados pelas oligarquias que souberam se organizar para chantagear o Lula do mesmo jeito que fizeram com Fernando Henrique. A perspectiva para o Brasil teria que ser de romper com esse esquema de uma hora ganha um, outra hora ganha outro, mas estão sempre presos a Sarneys, a Renans e a outros até piores. O rompimento disso seria, por exemplo, algum governo que pudesse aproximar o PT do PSDB numa coalizão. E acho que a única possibilidade que existe é da Marina”.
José Eli da Veiga é professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde coordena o Núcleo de Economia Socioambiental (NESA). Além de artigos em periódicos científicos nacionais e estrangeiros, e diversos capítulos de obras coletivas, publicou 13 livros, entre os quais: A Emergência Socioambiental (São Paulo: Ed. Senac, 2007); Meio Ambiente & Desenvolvimento (São Paulo: Ed. Senac, 2006); e Desenvolvimento Sustentável – O desafio do século XXI (Rio de Janeiro: Garamond, 2005). É colaborador da coluna de opinião do jornal Valor Econômico.

IHU On-Line – Pensando em Copenhague, quais as expectativas que podemos ter em relação ao encontro? Quais as novidades que ele pode trazer em relação ao Protocolo de Kyoto, por exemplo?
José Eli da Veiga – Com certeza será melhor que o Protocolo de Kyoto. Mas o problema não é esse; é saber se ele será efetivo, porque o Protocolo de Kyoto foi um desastre. Pode até ser que Copenhague seja um pouco melhor, mas continue sendo um desastre. Há esse risco. As coisas evoluíram positivamente, sobretudo, depois da eleição de Barack Obama. Mas não só por causa de mudanças na China, que estão diretamente relacionadas com a questão Obama, ou por causa das eleições na Austrália e no Japão. Há uma série de fatos novos, sobretudo neste último ano, que são muito promissores. Todavia, não houve tempo ainda, justamente porque esses fatos são muito recentes, para que a grande questão, que é ainda a resistência dos países emergentes, se resolva. Os países emergentes, inclusive o Brasil, ainda estão em uma situação um pouco dúbia em relação a isso. Diferente do movimento um pouco mais consistente dos países desenvolvidos. Eu prefiro falar em primeiro, segundo e terceiro mundo. Os países emergentes são em número maior do que se imagina e já constituem o segundo mundo em relação ao primeiro mundo desenvolvido e, depois, em relação a centenas de países que quase não emitem gases tóxicos e que serão as principais vítimas do aquecimento, que são o terceiro mundo. No primeiro mundo, a evolução foi muito positiva. Por exemplo, no caso dos Estados Unidos, que é chave, a lei ainda não foi votada no Senado. E está uma discussão sobre se ela será votada antes de Copenhague. Isso muda tudo. O grau de liderança que os Estados Unidos podem ou não ter, mesmo com uma lei que eles vão aprovar e que não é muito ambiciosa em termos de metas, muda completamente se tiverem aprovado ou não a lei. Depois, se o segundo mundo, os países emergentes, continuarem reticentes, manifestando uma tendência um pouco melhor agora, mas parecida com a que tiveram na época de Kyoto, todos os países desenvolvidos que já estão na rota – por exemplo, toda a Europa, o Japão, a Austrália etc. – necessariamente terão que apelar para a ideia do que será chamado de protecionismo. Terão que criar uma série de barreiras à importação de produtos de países que não estão tomando as devidas cautelas em relação ao clima. Isso vai gerar conflitos. O ideal seria que, em Copenhague, eles fossem bem claros em dizer o seguinte: houve um acordo sobre tais e tais questões, então vamos fechar sobre isso, porque é muito chato anunciar um fracasso. Mas isso ainda será pouco. É preciso que mantenham abertas as negociações para, antes de 2012, sair uma espécie de Copenhague em linha, ou Copenhagen II. Daí dará tempo para que fique clara a situação dos Estados Unidos (se vai ter lei, se não vai ter, qual será) e para que os países do segundo mundo, os emergentes (Brasil, Índia, China etc.) tenham tido tempo para continuar nessa evolução, que é muito recente.
IHU On-Line – Qual a importância da Convenção de Copenhagen, em sua opinião?
José Eli da Veiga – A importância que eu dou para Copenhague não é tão grande. A transição ao baixo carbono está em curso faz tempo e independe de Copenhagen. Os países que mais rapidamente perceberam que em vez de um problema, uma restrição, isso é uma grande oportunidade para uma nova etapa do capitalismo, já estão há muito tempo investindo em ciência, tecnologia e inovação. Assim, eles possuindo essas tecnologias que poderão ser a solução, terão as oportunidades de negócio. Isso está ocorrendo e vai continuar ocorrendo, seja qual for o resultado de Copenhague. E os países emergentes, como o Brasil, que ficaram nessa linha obtusa de resistência, não investindo em ciência e tecnologia com prioridade, não terão essas tecnologias e continuarão tendo que discutir essa questão de como vão comprar tecnologia dos outros através da tal transferência de tecnologia. Existe um movimento subjetivo, que são esses acordos internacionais e, particularmente, esse da convenção em Copenhagen. E isso é muito importante pelo seguinte: caso eles tomem decisões ambiciosas lá, acelera o processo. Mas se não tomarem essas decisões e, mesmo que seja um fracasso, a transição ao baixo carbono vai continuar e, nesse caso, mantendo a divisão do mundo atual, em vez de ser uma oportunidade para uma mudança.
Essa mudança seria a seguinte: os países desenvolvidos, que detêm maior capacidade científica e tecnológica, deveriam fazer acordos de cooperação, principalmente com os países emergentes. Isso quer dizer que não haveria mais transferência de tecnologia, mas as tecnologias seriam buscadas em conjunto, em acordos bilaterais de cooperação, e alguns já estão ocorrendo, por exemplo, os Estados Unidos e a China já fizeram. Isso me faz relativizar a importância da Conferência de Copenhague. E um fracasso em Copenhague será muito pior para nós, do Brasil, do que será para eles, para quem no fundo não muda muito. Na verdade, o que está ocorrendo é uma tremenda corrida pelas tecnologias, que poderão levar à superação da era fóssil. E outra vez serão os mesmos países que fizeram a revolução industrial que vão levar a melhor nessa. E os países emergentes agiram de uma forma totalmente errada até agora, perdendo a oportunidade de mudar esse jogo.
IHU On-Line – Como o senhor vê a situação específica do Brasil neste cenário?
José Eli da Veiga – Está mudando positivamente. O chanceler Celso Amorim deu uma entrevista recentemente que mostra uma mudança bem grande. Eles começaram a acordar um pouco. Até escrevi um artigo recentemente em que pergunto “será que a ficha está caindo?”.
IHU On-Line – Mas e a visão do presidente Lula, que sinaliza muitas vezes um favorecimento do desenvolvimento econômico em detrimento da questão ambiental?
José Eli da Veiga – Nessa questão do clima especificamente, infelizmente, o presidente está parecendo uma biruta de aeroporto. Cada declaração que ele faz dá numa direção; depende de quem foi o último que falou com ele, se foi o Carlos Minc, o Celso Amorim ou se foi um desses trogloditas do Ministério de Minas e Energia ou da Petrobrás. No governo, todos os setores que são muito ligados aos negócios com fósseis puxam para trás. Mas tem alguns setores que tentam ir para a frente. Um dos que deveriam tentar ir junto para a frente é o Ministério de Ciência e Tecnologia, mas infelizmente, é o contrário, ele está fazendo o jogo dos fósseis. Então, junta o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério de Minas e Energia, sua empresa de planejamento energético, mais a Petrobrás, e puxam o Lula para cá. Daí tem o Ministério do Meio Ambiente e, agora, também o Itamaraty, que, de repente, sacou que estava errado, e está mudando muito, jogando o presidente para a frente. E como ele ainda não tem uma convicção, cada declaração que ele faz vai para um lado.
IHU On-Line – Que relações podemos estabelecer entre a crise financeira mundial e a redução na emissão de gases tóxicos na atmosfera?
José Eli da Veiga – Você usou a expressão crise financeira. Na verdade, a questão da crise financeira, em si, afetaria principalmente porque iam faltar recursos para, por exemplo, alguns investimentos favoráveis a uma transição ao baixo carbono, que estariam mais ou menos planejados, e se inviabilizaram por razões de falta de recursos, inclusive de redução de crédito. O que houve de principal é que, como a crise financeira acabou se tornando uma crise econômica, que já começa a ser superada, tivemos um saldo benéfico, porque essas recessões todas contiveram as emissões. Mas não é assim que queremos conter as emissões, não é a custa de desemprego e de aumento da pobreza. Então, como, no fundo, aparentemente, a superação dessa crise está sendo mais rápida do que previam, agora a discussão está no mesmo plano que estava antes. É importante ressaltar que nenhum economista pode achar que usa uma ciência que o permite fazer qualquer tipo de previsão. Mas de uma coisa podemos ter certeza: haverá outra crise tão grave como essa e não vai demorar muito. Toda a questão é de aproveitar o período entre as duas crises para estabelecer essas instituições. E a única lição que podemos tirar é que nós teríamos aproveitado muito mais a situação que foi relativamente favorável para o Brasil – porque não tínhamos a tal bolha imobiliária, porque os procedimentos de regulamentação dos bancos aqui eram um pouco mais rígidos do que em outros países e, com isso, o choque foi menor, embora tenha tido um baque grande -, se tivéssemos hoje um sistema de ciência e tecnologia na rota do que precisa ser feito. Nós estaríamos aproveitando isso justamente para nos tornarmos em pouco tempo mais competitivos na linha da sustentabilidade, que é o elemento decisivo neste século. Nesse sentido, não é um problema nem de falar do governo, que é só uma parte disso. As elites brasileiras, em geral, estão absolutamente cegas. Elas estão fazendo a mesma coisa que fizeram no século XIX com a questão fundiária, e no século XX com a educação. Não há foco no Brasil em relação à ciência, à tecnologia e à inovação. E isso é um atraso. O Brasil não será um país desenvolvido neste século se continuar nessa perspectiva.
IHU On-Line – O que representa para o Brasil a possibilidade da candidatura de Marina Silva à presidência do país? O que isso significa do ponto de vista político e social?
José Eli da Veiga – Já significou muita coisa, porque mudou tudo. Primeiro, porque, em muitos pontos do governo, o Ministério do Meio Ambiente – no caso, o Carlos Minc – estava imaginando que já tinha perdido e passou a ganhar. Deu-se uma reversão muito grande no governo. E já começou a mudar também a perspectiva dos candidatos ditos mais competitivos. Agora, os chamados programas de Dilma e Serra terão que dar uma prioridade muito maior para essa questão do que davam. Isso já são ganhos contabilizados. O que está por vir vai depender muito. É muito difícil fazer uma previsão de como será o decorrer dessa campanha. Mas a pré-candidatura dela trouxe de cara duas coisas importantíssimas: primeiro, oxigenou o debate que estava parecendo trocar seis por meia dúzia. No fundo, a diferença programática entre o tucanato e os petistas é muito pequena; é a questão da ênfase no papel do Estado. E o grande problema é que ambos são prisioneiros, são chantageados pelas oligarquias que souberam se organizar para chantagear o Lula do mesmo jeito que fizeram com Fernando Henrique. A perspectiva para o Brasil teria que ser de romper com esse esquema de uma hora ganha um, outra hora ganha outro, mas estão sempre presos a Sarneys, a Renans e a outros até piores. O rompimento disso seria, por exemplo, algum governo que pudesse aproximar o PT do PSDB numa coalizão. E acho que a única possibilidade que existe é da Marina. Além de ela encarnar o que é o futuro em função do ecodesenvolvimento, ela é ainda, do ponto de vista pragmático, uma grande solução para o Brasil no seguinte impasse político e institucional: seja que ganhe o Lula ou que ganhem os tucanos com os “demos” lá, os governos serão outra vez a mesma repetição do que foi o Fernando Henrique e o Lula no sentido de que são prisioneiros de ter que fazer aliança no Congresso com tudo o que há de mais atrasado no país.
IHU On-Line – Além da questão ecológica, que novidades Marina Silva poderia trazer ao Brasil do ponto de vista da economia?
José Eli da Veiga – Não dá mais para fazer essa separação. As pessoas que continuam a separar economia e meio ambiente não entenderam nada. Há duas questões no mundo hoje em termos de décadas e em termos de século XXI e, ou o Brasil se insere nisso ou está perdido. Essas duas questões são: o aquecimento global e a ressurreição da China. O Brasil tem que ser competitivo, mas, ao mesmo tempo, com sustentabilidade ambiental. Essa equação é econômica. É disso que os candidatos com cabeça mais “cepalina”, como é o caso do Serra e da Dilma, não conseguem entender. Eles estão atrasados. Então a novidade é essa. Esse negócio de dizer que a Marina terá só pauta ambiental é besteirol, porque o que estamos querendo é discutir na prática o que significa uma expressão que já tem 30 anos: desenvolvimento sustentável. Eu prefiro ecodesenvolvimento. Mas eles não têm resposta para o que é desenvolvimento sustentável. E se alguns assessores deles até tiverem, quando eles usarem isso na campanha será artificial, porque não partirá de convicção pessoal.
Fonte: Ecodebate, 05/10/2009. Publicado pelo IHU On-line [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

sábado, outubro 03, 2009

quando

Mãos e Anéis

Turmalina rosa em prata retorcida
Fenda sincera e colo de insônias
Sorte que me abandona aos jogos
Deito livros de estórias na tua rua

Nenhuma estação me abriu assim
Sou mãos abertas pedindo ajuda
Sem aguentar as dores do corpo
Nem as emoções que perduram

Arrasto meus dedos nos muros
Quero escrever a poesia nas unhas
Quebro o perfume da sua presença
Vem e castiga-me infinitamente


quinta-feira, outubro 01, 2009

contando estórias (4)

Jogos e flores fugidias

Horácio caiu da cama. Outra vivência que virou um iceberg e se transformou em um desafio, ele teria que refletir sobre uma das suas evidentes fraquezas – a entrega -, um exercício que parecia fácil, mas que por sua intensidade derramou-se sobre o resto do dia em uma preocupação aflitiva. Tudo seria uma questão de entender a mensagem que recebera ao fim de mais uma caminhada, uma intuição clara, todavia também um aviso, algo que ele até suspeitava vir a qualquer momento no vento, e ele nem deu o primeiro passo, afastou de sua sensível visão qualquer perigo, pois o medo não influenciava sua vida, talvez por não suportar uma certa ordem, um padrão, mas, ele nem tinha conta do real significado dessa vivência até chegar em casa, os seus medos lhe venceriam, por enquanto. O som do coração conspirava e batia desafinado lhe ajudando em sua reflexão prematura.

Há alguns meses ele nem desconfiaria de que retornaria a esse árido terreno, tendo que respirar o ar quente, corredeira de carrapichos, rios rachados e nuvens ralas a lhe apontar direções. Na ausência de perspectivas em lhe aparecer sequer um pequeno oásis, lá ia seu longo olhar no horizonte virando quilômetros de terra seca, nada de avistar qualquer sentimento que servisse ou valesse a pena preencher o seu coração de estudante. O lugar que lhe acolheria mais próximo, ele conhecia, estava acostumado, tinha certeza que duraria, não tinha poesia, mas lhe parecia seguro.

Após horas de caminhada avistou um olho d’água, apressou-se e chegou a um estreito córrego, mais adiante parou e curvou-se pescando algumas flores que flutuavam a beira do que ele chamou de riacho, isso cresceu uns metros mais a frente enchendo um pequeno rio, ele assoviou imitando pássaros, dançou, e continuou com suas migalhas de alegria, contemplando o rastro do sol cair na água doce. No outro lado da margem Horácio percebeu uma agitação que para ele seria apenas mais uma aglomeração de jovens tomando banho, pelados, e outros brincando de jogar pedrinhas achatadas para que contassem quantas vezes elas saltitavam na tensão do espelho líquido. Para ele um passatempo esquecido desde a sua grande infância e adolescência, menos interessante que pescar flores, pétalas de poesia, sabendo que depois elas murchariam e iriam, leves, dobradas em livros em essências mais fortes, independentes dele, e continuariam se juntado a outras sem ligar para a fria correnteza que já lhe tomava meia perna de calça. Horácio sentiu que sua alegria se afastava com a breve partida daqueles jovens que avistara no riacho, atores vigorosos, amantes da farta natureza humana, então, retirou-se cabisbaixo envolvido no calor que restava da emoção das brincadeiras que ainda ressoavam em sua memória, nos últimos raios da tarde. Ele já não era mais assim, disposto ao risco de experienciar tantos sentimentos, movimentos mais fortes que o seu coração poderia suportar. Já pensava duas vezes em atravessar o novo rio, participar dos jogos inevitáveis da vida, das aventuras loucas que o rio lhe apresentava. Sua sorte estava de férias, teria de buscar alguma ajuda para compartilhar a viagem.

Essa sem dúvida foi a experiência mais rápida e fecunda que Horácio já teve numa entrada de primavera. A simplicidade do encontro e a complexidade com que se dissipou o aroma das pétalas em fuga, mais uma tentativa de entrega, um diálogo afetivo interrompido, uma comunicação só permitida pela sua identidade preservada. O significado desse movimento não se rompia, e a energia transferida ou recebida se manteria no seu movimento como o próprio sentimento guardado. A reação de Horácio seria circunstancial, se dando em função do que teve de calar dentro dele por mais uma estação. Ele mexeu em águas profundas aparentemente superficiais, remoinho de emoções fortes, mergulhara no caos, e agora procurava não se entregar a uma correnteza muitas vezes sem fundo e sem volta. A ponte mais próxima servia, antes que se afogasse próximo da beira. Agarrou-se na terceira margem, na certeza de ver um outro dia amanhecendo. Apesar de ter feito muito, a vida continuava constante.


segunda-feira, setembro 28, 2009

dance me

contando estórias (3)

There is something on your mind

O ferro elétrico pesava sem colaborar na tarefa de esticar as linhas e mangas da camisa, nesse meio tempo Horácio conseguiu escutar um blues enquanto já compunha algo para tocar assim que terminasse de levar o lixo para fora de casa. Ao retornar da lavanderia, se descalçou e tirou as meias suadas, entrou em estado de alegria visivelmente interessado em escrever para Ludmila, os estudos o aguardava na pequena sala de trabalho, ali logo tratou de organizar algumas leituras que o ajudariam na pesquisa para construir um personagem significante, arrumou o material necessário ao ensaio, e também para um projeto que precisaria apresentar em pouco menos de quinze dias na universidade.

Antes de qualquer coisa, ele necessitava de um estimulante para uma empreitada que lhe exigiria horas de dedicação, uma xícara de café quente lhe cairia bem. Antecipou o momento que não dava mais para adiar, era uma coisa ainda mais prioritária que o texto a ser impresso para uma matéria do curso, pois era algo que haveria de ser gravado urgentemente, para não cair no esquecimento do sono ou no inevitável cansaço que homeopaticamente vem se encostar nas suas pálpebras meadas lá pelas altas horas, obrigando-o ir menos tarde para a cama. Isso, o revira forçando a levantar bocejante, mas determinado, inúmeras vezes para alterar uma única palavra, no mínimo, reescrever uma frase completa, um parágrafo inteiro, ou até refazer tudo sobre o assunto que estava em andamento. Uma inquietação desgastante.

Horácio sentou e coçando a barba puxou a cadeira de trabalho dando um gole rápido e prolongado queimando a ponta da língua, droga - exclamou. Aliviado, começou a experimentar uma boba aceleração cardíaca conforme desenrolava os pensamentos e a digitação mostrava a sua criação no monitor do notebook. Assim, escreveu versos e carta casando línguas diferentes:

Amada Ludmila, parece fácil ser transparente, ser íntimo mesmo, mas sabemos o quanto representa ser verdadeiro no diálogo entre amantes que se reconhecem. Você me inspira confiança para conversar sem o receio de preconceitos ou interpretações imaturas da realidade. Esse momento é delicado, lindo e de uma riqueza sem dimensão, por tudo que é importante pra gente. O desejo denuncia (pra você também?) a alegria e as intenções nada filosóficas que vão além do tempo que dispomos. Os instintos e a ternura afloram, percebo cada vez mais à flor da pele a tamanha energia que flui dos (seus) olhos, não sendo privilégio (meu) nenhum vê-la ”desabrochando” no despertar da primavera. Alguém já deve ter-lhe dito: “seus olhos estão brilhando”.

O esforço de criação do Horácio se prolongou pela madrugada, dando literalmente umas três laudas inteiras cheias de andorinhas húngaras, fecskë espaçosas. Horácio até quis propor um encontro na saída da última palestra compartilhada com ela, mudar o “script”, todavia, a vontade ficou entre os “limites que cercam o coração” diante da companhia próxima de Ludmila, e dos amigos comuns espectadores naquele instante do evento.

Estar ao lado ou em frente dela tornou-se um “jogo” prazeroso; olhá-la nos olhos o preenche tanto quanto o simples toque, e ficar juntos, então, faz esse movimento um crescente de impulsos quase impossível de se lidar impunemente. A permissão do afeto vai se tornando espontaneamente perfume, o cheiro dela invade suavemente o seu espaço, e Horácio cantarola com autonomia “Hummingbird, don't fly away", em um tom diferente das outras vozes presas em seu MP3. De repente calça os chinelos, suspende a respiração, dá alguns passos pelo corredor abrindo os braços entre uma lembrança e outra. Uma poesia surge como mais um recado para ela.

Arrasto meus dedos pelos muros

Quero escrever a poesia nas unhas

Quebro o perfume da sua ausência

Vem e castiga-me infinitamente

Óbvio, pensou Horácio, essa explosiva combinação de calor humano cabe (nem diz “pode” ou “deve”) ser aceita naturalmente, e relaxa, num jeito criativo de se presentear numa entrega interativa e (só) aparentemente “inconsequente”. Quer transitar de maneira consciente nessa linguagem subliminar, entre eles, das texturas móveis do corpo. Ele ousa imaginar fantasias ainda precoces para um tempo assim imprevisto, por que não? E conclui, do céu não passa!

Parodiando a última mensagem anônima postada por Ludmila, ele dispara um torpedo pelo celular: “um beijo delicioso e um grande abraço” que se apaga junto com o break da bateria descarregada. Nem cogita ligar, pois já é muito tarde, e Horácio quer evitar qualquer constrangimento, por motivos que só ele e ela sabem. Ele afasta-se dos livros, vai escovar os dentes já morrendo de sono, apaga a luz, deita-se em seu canto e espreguiça-se como gato. Dorme cobrindo Ludmila com um poema novo. Deixa que a curiosidade roa as unhas.

segunda-feira, setembro 21, 2009

traduzir

Raíces y alas
(Afranio Campos - trad. Suzana Outeiral)

Justo ahora sé las palabras que me huyen
Me atrevo a ser más fuerte a través de ellas, por fin
Pero me sobran pensamientos cortos enlazados
Letras trenzadas callan el silencio en mí.

Escribo sobre lo que me despedaza por dentro
Días y noches forjan sus dolores en un repente
Cuando ya no se espera es el amanecer que entra
Por la nueva ventana abierta y me cubre, soñoliento.

Cruzo puertas que ayer aún no existían
Mi camino es la orilla de una grave descobierta
Como un pez libre que presiente el desove
Salgo de las raíces y abro paso en lo que me libierta.

Más allá del miedo común al animal con instintos
Algo me protege de las piedras y de los espinos
Grito en el aire girando ligero en un carrusel de alegría
Y gano el don de posar como un pajarito.


Pausa mayor
(Afranio Campos - trad. Suzana Outeiral)

En el Solar caía un sol de tintas.
Lo que restaba era una trilla del mar
Y sus ojos de barco navegado
anclaban en una pausa del muelle,
sacando el horizonte de su lugar.

Sombras de Goya traspasaban
el pecho femenino torneado por la tarde.
Era roja la fuente de los sentidos,
el cielo y el suelo tomados de la mano,
hablaban algo para que fueran oídos.

Encontré una concha estampada en la arena,
bordes de sal en una trilla de estrellas
ofreciendo luz al distante camino
de modelos recortados de retratos,
llevados por la marea en pedazitos.

dont fly away

Hummingbird
(B.B. King)

Sometimes i get impatient
But she cools me without words
And she comes so sweet and so plain
My hummingbird and have you heard
That i thought my life had ended
But i find that its just begun
Cause she gets me where i live
Ill give all i have to give
Im talking about that hummingbird
Oh shes little and she loves me
Too much for words to say
When i see her in the morning sleeping
Shes little and she loves me
To my lucky day
Hummingbird dont fly away

When im felling wild and lonesome
She knows the words to say
And she gives me a little understanding
In her special way
And i just have to say
In my life i loved a woman
Because shes more than i deserve
And she gets me where i live
Ill give all i have to give
Im talking about that hummingbird
Oh shes little and she loves me
Too much for words to say
When i see her in the morning sleeping
Shes little and she loves me
To my lucky day
Hummingbird dont fly away


domingo, setembro 20, 2009

Andorinhas

Após assistir Budapeste:

Andorinha Um: "Escrever poesia é desabar por dentro". É renascer nos sentimentos.

Andorinha Dois: O amor é o melhor motivo de se ficar junto, embora, nem sempre assim aconteça.

Andorinha Três: De toda maneira, melhor ser um poeta anônimo que um poeta sem tinta, sem sangue, sem história.

Andorinha Quatro: Difícil como fazer poesia em outra língua que não a própria, só o inevitável jeito de escrever com acentos e sotaque.

contando estórias (2)

Palavras de Rita: "Só os canalhas é que falam que estão apaixonados".

Certa tarde, Horácio parecia preso em sua cadeira giratória buscando no Google informações muito complexas para uma simples leitura vespertina, daí como se quisesse se desprender delas se voltou para a sua esquerda, numa intenção, ficando de frente para sua amiga de pesquisa provocando-a com perguntas sobre as mudanças nos padrões de relacionamento entre as pessoas mais jovens. Numa conversa despretensiosa fui esmiuçando suas idéias e instigando a "pretty girl" de vinte e quatro anos a responder o que pensava sobre os relacionamentos de seus conhecidos, ou melhor, dos garotos e das garotas do seu tempo. Horácio considerou tudo para si mesmo, sem comentar, que muitos “jovens de meia idade”, da idade dele, também passaram a agir tal qual os jovens da turma da sua amiga. Muitos gatos pardos na noite da cidade.

O interessante nesse diálogo é que Horácio esperava não parasse por ali, o que trouxe uma inusitada curiosidade mergulhando os dois numa troca de impressões, para ele, de como os jovens “aprendizes” de estratégias e de jogos de conquistas agiam realmente para serem felizes. Para ela, objetiva, de como se acham preparados para os relacionamentos e o conhecimento dos seus novos parceiros.

Nessa fase emocionante o que impressiona é que tudo está acontecendo num passar de olhos rápidos, o raio-x do interesse se dá como numa caçada absolutamente racional, pretensamente planejada, uma “pegada” que não caminha, voa, e a rapidez do desinteresse pelos parceiros da mesma forma. Os processos deflagrados mistura tudo, o que é percepção se dobra ao instinto, e todos se encontram num caldeirão de êxtase que chega às raias do que parece impossível, inimaginável ao escritor de ficção, sem dúvida nenhuma fazendo um “dinossauro” como ele, Horácio, mais um “deliquente de meia idade”, se sentir subitamente “um objeto útil”, frente à velocidade alucinante como as coisas acontecem.

O interesse em uma relação, pelo o outro, sem a presença dos tabus, valores, padrões e limitações de gerações anteriores abriu novas e tantas possibilidades, de criativas relações (pegante, ficante, amaciante, beijante, etc), e as meninas incorporaram com impressionante maestria o que os rapazes já faziam há tempos. Uma amiga coleciona uns cinco namorados, ela ressaltou. Na cabeça de Horácio tudo passou a ter um certo sentido, o mostrar-se sincero nas emoções, dizer-se apaixonado, se tornou uma coisa perigosa demais no jogo da conquista, do “querer ter” sem medida, o interesse pelo outro vai até o limite do mistério, do prazer anônimo, alguma revelação essencial, do pulsar interior, da emoção espontânea, do sentimento romântico pode acabar todo o encantamento, o entusiasmo hormonal é delicado e sutil, pode não sobrar nada para dar continuidade a pretendidas descobertas do que o outro possa se tornar na sua fantasia, o desejo introduz a todos por uma enorme “selva de epiléticos”, da lei que impede qualquer vacilo sentimental. Ser romântico é como se apresentar nu na porta do outro, ser “bobinha” é apenas uma tática excitante, mas sem ser desinteressante para quem não pretende se sentir “preso” ao outro real, separado da couraça, dos cinturões que amarram a boca do coração. Falar que está apaixonado é fatal. A fila anda. Só os canalhas falam isso. Dar flores é cair no lugar comum. Pode ser um truque! Ela foi taxativa em suas impressões apesar de sua bagagem "leve" de vida.

A “grande ilusão” se aquece com ou sem a luz do sol. Os paradigmas mudaram nessa seara, e Horácio procura sentí-la e entender. O que não quer dizer que ninguém mais se perceba, mesmo sem querer, andar nas nuvens, nos braços da desenraizada emoção humana, se entregando a uma “paixão de lagartixa”, e parar num vendedor de flores pensando nela. Longe disso, na vida essas loucuras ainda acontece.


sábado, setembro 19, 2009

uvas da pele

Tuas mãos
------(Pablo Neruda)

Quando tuas mãos saem,
amada, para as minhas,
o que me trazem voando?
Por que se detiveram
em minha boca, súbitas,
e por que as reconheço
como se outrora então
as tivesse tocado,
como se antes de ser
houvessem percorrido
minha fronte e a cintura?

Sua maciez chegava
voando por sobre o tempo,
sobre o mar, sobre o fumo,
e sobre a primavera,
e quando colocaste
tuas mãos em meu peito,
reconheci essas asas
de paloma dourada,
reconheci essa argila
e a cor suave do trigo.

A minha vida toda
eu andei procurando-as.
Subi muitas escadas,
cruzei os recifes,
os trens me transportaram,
as águas me trouxeram,
e na pele das uvas
achei que te tocava.

De repente a madeira
me trouxe o teu contacto,
a amêndoa me anunciava
suavidades secretas,
até que as tuas mãos
envolveram meu peito
e ali como duas asas
repousaram da viagem.


quinta-feira, setembro 17, 2009

contando estórias (I)

A alergia dos signos

Saí rápido do salão indo até o corredor, sentei calmamente para calçar os tênis evitando contar os minutos da espera, sentido certo de que teria mais um encontro prazeroso com Ludmilla, ela me reconhece intimamente e o coração bate acelerado no seu tempo.

Repentinamente Ludmilla aparece na área, levanto a cabeça ao vê-la e começamos a papear na freqüência e intensidade das sinapses elétricas de nossas células. Pra-ra-ti-bum, raios, sinos, o relógio pára. Existe algo valioso entre a gente. O olho não mente quando o coração dispara e provoca o espírito da coisa e o instinto indefectível da carne.

-Você está melhor da alergia (respiratória)? Melhorou da tosse? Fui puxando assunto.

- Sim. Ela respondeu.

Continuei: Eu tive que me tratar quando criança, sempre sofri de alergia (das vias respiratórias)... nós os geminianos - quis pôr a cor dos nossos signos na idéia, sabendo que nascemos quase no mesmo dia, um ontem e o outro hoje -, temos essa característica de somatizar as emoções, uma tendência de sofrer com as alergias trazidas pelas vias aéreas - pensei em falar da terapia como uma responsável pela revolução do meu metabolismo, da renovação da vida e a auto-regulação propiciada, quando mudei meu pensamento complementando minha atitude de maneira diferente, consequência da criatividade, da poesia presente na gente -, mas, temos (nós geminianos) outras benesses, não é?

Ludmilla de imediato completou:

- É, ser (muito) volúvel. E sem dizer mais nada Ludmilla desceu rapidamente os degraus em um inusitado silêncio que ficou no ar me deixando na esperança de abraçá-la mais uma vez.

Fátima que havia “pegado o bonde andando” caiu de pára-quedas e emendou o texto de Ludmilla fazendo uma alusão acintosa, relacionando o modo de ser de meu astral geminiano (o mesmo signo de Ludmilla) ao (um suposto comportamento) “volúvel” ou “muito volúvel” que tinha acabado de ouvir. Uma intervenção no mínimo estranha.

- Ela está falando dela. Comenta Ana Clara convicta e com “ar de psicanalista” atenta às palavras soltas (que na maioria das vezes “de solta não tem nada”) ditas com naturalidade por Ludmilla, mas que para nossa percepção representou um claro lapso.

Mas Fátima retruca com sua perspicácia querendo indicar que foi uma observação óbvia sobre o “volúvel” eu mesmo. Ela como minha melhor amiga sabendo de histórias passadas de certas relações que não guardo segredo pra ninguém, logo ela que considero demais, apontava um fogo amigo poderoso e oportunamente disparado nessa ocasião. Deduzi pelo reforço na expressão dela, apropriada a situação, ao parecer se eximir da autoria temperada com uma pitada de poison, diferente da colocação feita anteriormente por Ludmilla, agora estava mais que munida de inerente “achometro” distorcendo a conotação da palavra “volúvel”, a qual se transformou numa implícita e forte indicação valorativa direcionada ao meu apaixonado coração geminiano. O que Fátima queria informar com esse julgamento?

Em uma sintonia original Ana Clara ratificou: Não falei de você Fátima, não me referi a você quando disse “ela falou dela” (como volúvel) e sim, falei do que ela (Ludmilla) disse mesmo pra si, numa referência (hum) tanto quanto terapêutica que diz: ao falarmos do outro estamos sim, nos revelando.

Levantei apressando os movimentos descendo as escadas tentando acompanhar Ludmilla, a chamei com a voz meio nervosa em um tom agudo suave mesclado de sorrisos:

- Isso é uma séria colocação... Ludmilla, pera aí, venha cá! Insisti. Mas ela se foi, entrando na noite úmida, reparei que logo foi acolhida por alguém que a esperava do outro lado da rua.

Respirei. Pausa. Só pretendia esticar um pouco mais o nosso papo gostoso, de admiração mútua e instigante, numa maior aproximação de nossas energias. A lua nos ignorou passando pela emoção daquele curto instante de nosso encontro interrompido.

Fátima também já chegara ao térreo se distanciando, eu e Ana Clara combinávamos uma “carona” minha, a pé, até o seu carro.

Daí pensei:

Existiu uma acusação fria, de ser volúvel? Seria uma direta fatal (segundo Fátima, em seu papo reto), ou não passou simplesmente de uma declaração contextualizada sobre o jeito de amar dos geminianos?

Sei que possivelmente posso estar errado na interpretação, dessa coisa de ser o destinatário do “volúvel”, mas de uma certeza eu tenho, indubitavelmente escrevo aqui sobre essa condição inverossímil, nesse momento:

- Declarar “eu te amo”, confessar estar apaixonado faz tanta diferença, detona uma força atômica orgânica. E digo e repito de uma única vez por todas, quando mudo meu taco de direção (pois confio nele), é porque tomei todo o cuidado na completa confirmação de que o outro (o “feminino”) não está em sintonia de nenhum diálogo afetivo. Um não como razão, é sinal de ficar fora da parada, considero um não, um não. Respeito profundamente as escolhas, nem aprofundo em nóias. No máximo roubo um beijo para jogar uma pá de cal (se acontecer a rejeição) e descomplico o processo abrindo espaços; posso sofrer com minha liberdade de opção, sem evitar buscar superar meus processos, para continuar vivendo sem a dúvida que trava o crescimento, tentar ser mais feliz com minhas próprias asas, amar como animal saudável e caminhar por outras praias com sentimentos sem as pedras do rancor ou ciúmes que pesem. Leve desenlaço. Afinal, diz-se que coração dos outros é terra que ninguém anda, só se sente, e é importante permanecer bem se for verdadeiro! O que mais posso dizer?

quarta-feira, setembro 16, 2009

desafinados

Próximos

Ouço você cantando desafinado
Não conheço ainda sua música
Mas acho isso muito atraente

Me dá o motivo mais estranho
Que me provocam as críticas
Mas há outros que te chamam

Dançamos ligados numa química
Os sorrisos nascem do improviso
Nada me faz sentir melhor o dia

Nenhum barulho nos detém
O momento cresce sendo o que é
Adivinhamo-nos ao surpreender

Ensejo de insones pensamentos
Viajamos juntos até aonde dá
Apertamos a pele e o conteúdo

Desenhando caminhos que falam
Nos acolhemos no reconhecimento
Nós merecemos o que desejamos


segunda-feira, setembro 14, 2009

a música me traz


Curvas de Fá

Ouço notas musicais na sua gravidade e calibre
Uma atração aquecida vem de você e me desafoga
Em mergulho de pássaro toco o seu instrumento

Estórias de viagens te acompanham por estações
Gente mudando de lugar e humor constantemente
A cada virada te vejo em correntezas que banham

Passo a sonoridade dos meandros de sua nascente
Caudalosamente solta me bebe no gargalo e dança
Sereia de espuma revira meus órgãos em pimenta

Conheço os perigos de atalhos e curvas chapadas
Quando o que mais interessa é expandir a vida
Ausência na paisagem que a favor se modifica

Íntima confissão me traspassa e revela a alma
Corpo magro moldado ao chão flui em água bruta
Livre de malas prontas rumo ébrio ao que sou


clari-dade

"Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre."

Clarice Lispector

sábado, setembro 12, 2009

contornos



Mariposa

Com uma fome que morre no corpo
Uma visão que se impõe sempre latente
Abundância de vontades que por vezes
Tende à percepção de um calor ausente

Ao lhe tomar a matéria e os contornos
O ser incomodado se ateia suspenso
Insensatez em inspiração que quer sempre
Uma viagem decisiva seja para o que for

Ritmo de paixão térmica do caos à ordem
Lembrança viva de paisagens em músicas
Esquenta as cordas que rodam o coração
Se vai bêbada a mariposa sequiosa de luz


sábado, setembro 05, 2009

íntima

Dança da Vida

Na dança da vida não sou mais um ser qualquer
Achei-me em um a mais que nós dois somente
Pela identidade encontrada em conchas e algas
Sou miríades de cerejas minando de estojos

Cascas que desfolham bailarinas entre sóis
Uma linguagem de nossos átomos em conexão
Dançamos serpenteando embolados e certeiros
Despojados como hipopótamos em altura e peso

Até nos sentirmos à vontade num vôo com o outro
Suamos em tranças de distintas e claras percepções
Quase retos na difícil arte dentre muitas a despertar
Ao largar os cacos das louças internamente quebradas

Tendência em existir num sentido incomensurável
No melhor dos tempos se permitindo durar no pouco
Outros são desenhos e letras que se desfazem desbotados
Justo por não aceitar o real presente do bordado novo

Acertamos o que as horas a passos largos trazem do dia
Percebendo as qualidades e virtudes que nos invadem
Reconhecendo tensões e matérias que nos impedem
Dançar a vida que nos atrai por relações diversas

Como animais imersos no viço da emoção humana
E erros por não fazer o que é próprio a natureza
Mesmo sabendo que o tempo é uma coisa viva
Que não deixa confundi-lo com o relógio que criamos

Nossas vivências provam o que o corpo encobre
Quer se estender no mesmo espaço raro dos atos
Dando voltas de costas no dorso de suas costas
Quando a cabeça deita no ombro uma linda lua


na tela ou dvd

  • 12 Horas até o Amanhecer
  • 1408
  • 1922
  • 21 Gramas
  • 30 Minutos ou Menos
  • 8 Minutos
  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
  • A Chave Mestra
  • A Cura
  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
  • Amarcord
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