domingo, julho 26, 2009

o imediato

Mundo dos números (título que dei)

[...]De Hegel, precisa-se de sua clarificação sobre o papel da matemática no conhecimento científico. Na Fenomenologia do Espírito, Hegel disse o seguinte: “o conhecimento matemático só representa o devir do ser aí, isto é, do ser da coisa no conhecimento imediato enquanto tal”. E mais à frente: “no conhecimento matemático a intelecção é exterior à coisa, donde se segue que mediante ele não se conhece a coisa verdadeiramente”.

Devo, agora, em nome da inteligibilidade, reproduzir agora esses dois argumentos numa forma mais simples:

Por meio de uma função matemática, podemos, por exemplo, relacionar o salário à quantidade de trabalho, isto é, w = f (l) para descrever uma função de oferta. Isto, porém, não nos permite ver que o salário é o preço de aluguel da força de trabalho, ou seja, que ele é apenas o aspecto quantitativo imediato de uma relação estrutural entre trabalhador e capitalista. Especialmente em sua forma abreviada, w, não nos permite enxergar que essa relação social pressupõe uma divisão entre os homens, entre aqueles que possuem meios de produção − os donos do capital − e aqueles que só possuem a força de trabalho, a qual têm de vender necessariamente ao capitalista a fim de sobreviver. Ela não revela o metabolismo entre essas duas classes sociais. Ao contrário, com a concentração exclusiva em expressões tais como w = f (l) tudo se oculta, inclusive o fato de que tanto o trabalhador quanto o capitalista são subjetividades imersas num mundo dilacerado.

Mesmo uma simples troca pressupõe seres que desejam, ou seja, proprietários privados que são mais do que proprietários privados. Ademais, uma simples troca pressupõe um contrato que vem a ser um acordo de vontades. A economia mercantil, mesmo em seus aspectos mais imediatos e aparentes, pressupõe, pois, seres desejosos e volitivos. Pressupõe, também, em nível mais profundo, a relação estrutural que diz que as relações sociais entre homens se farão por meio de transações, ou seja, que elas se travaram por meio das coisas. Tudo isso desaparece nas fórmulas matemáticas de uma ciência econômica totalmente limpa de tudo o que pode vir a ser humano.

Aqueles dois argumentos levam, pois, à seguinte conclusão: a restrição em larga medida do conhecimento científico em Economia àquele que pode assumir uma forma matemática – que gerar necessariamente a mitologização dessa forma –, expressa de um modo invertido, obscuro, o propósito subconsciente de ficar na superficialidade dos fenômenos, em seus nexos aparentes, sem investigar os fundamentos internos desses fenômenos e nexos, quais sejam, as relações sociais que estruturam essa aparência superficial.

A formalização não é, entretanto, um fim em si mesmo. Ela é, sobretudo, uma pedagogia anti-humanista que se sustenta na recriação meramente matemática da realidade, configurando-se, por isso, como um novo obscurantismo. Ela dá suporte a um processo de treinamento que visa preparar os estudantes em técnicas de manipulação da realidade social, como se esta fosse um dado, mera natureza ou um mero sistema cibernético. Para tanto, precisa representar essas interações sociais, abreviada e limitadamente, sob os nomes matemáticos de variáveis microeconômicas e macroeconômicas. Eis que a linguagem assim constituída é empregada por uma elite de tecnocratas com o objetivo último de domar as interações sociais contraditórias.[...]

Fonte: Trecho do artigo “Formação do Economista num Mundo Dominado pelo Neoliberalismo”, de Eleutério F. S. Prado


quinta-feira, julho 23, 2009

contágio

em vivência


No começo da caminhada havia uma dolorosa necessidade de expor a tempestade, o vulcão, a paixão que sempre me contagia de dentro para fora e depois continua fazendo parte da respiração, naturalmente sem controle, como de fato acontece durante a criação dos meus poemas.


A biodança me deu (e dá) um banho de desafio e vitalidade em todos os momentos da criação dos meus textos, ora antes das vivências ora logo a seguir, re-significando, renascendo, regulando minhas energias e processos. Passarei à frente, em breve, essa arte nascida de uma fonte inesgotável de amor e vida em sua forma literária.


O sentimento amoroso é mais que fusão, dissolução, reintegração, tem haver com continuidade da vida, necessidade da fala e sopro compartilhados, livres em dois, constituindo-se três, cada um na sua individualidade, identidade, originando um terceiro ser numa aliança divina, seres “argilosos” em masculino e feminino, para daí se ter acesso à humanidade em sua plenitude.


Quero sim, esse momento de individuação, alteridade, de afeto ao outro, aceitando-se como ser e reconhecendo-se, que continue firme e possa fazer essa caminhada para um superviver, que colha muitos frutos da árvore da vida, dos desejos de transformação e transcendência no encontro da igualização, da liberdade como escolha, da solidariedade consciente e da cooperação espontânea vinda do coração.


Essa é a leitura que faço e sinto na biodança!

crianças

No circo

Uma energia origina-se do corpo que propõe o vôo
Outra recebe o que seu conteúdo tem de sincero
Andam por relâmpagos pontilhados de trovões
Em traços conhecidos que riscam corações de ferro

Um dia iluminado descobre a surpresa de um circo
Apresentando cambalhotas e repentinas gargalhadas
Para recriar sonhos que disputam olhares curiosos
Mostrando os saltimbancos transformados em fadas

Pelos saltos percebem a insegurança das cordas da fama
Quando as vozes gritam mais alto após um golpe falso no ar
Montam e pulam as alturas em um corcel negro domado
Tentando viver uma peça incrível que suscita as palmas

De lágrima no rosto o palhaço nos desmancha em risos
Acrobatas fantásticos sustam soluços que rasgam a lona
Nas cenas são meninos e meninas crepitando como pipocas
Eternos em cada face de criança feliz e brincalhona

escritor cidadão

Do sujeito sobre si mesmo

By José Saramago

Como escritor, creio não me ter separado jamais da minha consciência de cidadão. Considero que aonde vai um, deverá ir o outro. Não recordo ter escrito uma só palavra que estivesse em contradição com as convicções políticas que defendo, mas isso não significa que tenha posto alguma vez a literatura ao serviço directo da ideologia que é a minha. Quer dizer, isso sim, que ao escrever procuro, em cada palavra, exprimir a totalidade do homem que sou.
Repito: não separo a condição de escritor da do cidadão, mas não confundo a condição de escritor com a do militante político. É certo que as pessoas me conhecem mais como escritor, mas também há aquelas que, com independência da maior ou menor relevância que reconheçam nas obras que escrevo, pensem que o que digo como cidadão comum lhes interessa e lhes importa. Ainda que seja o escritor, e só ele, quem leva aos ombros a responsabilidade de ser essa voz.
O escritor, se é pessoa do seu tempo, se não ficou ancorado no passado, há de conhecer os problemas do tempo que lhe calhou viver. E que problemas são esses hoje? Que não estamos num mundo aceitável, bem pelo contrário, vivemos num mundo que está a ir de mal a pior e que humanamente não serve. Atenção, porém: que não se confunda o que reclamo com qualquer tipo de expressão moralizante, com uma literatura que viesse dizer às pessoas como deveriam comportar-se. Estou a falar doutra coisa, da necessidade de conteúdos éticos sem nenhum traço de demagogia. E, condição fundamental, que não se separasse nunca da exigência de um ponto de vista crítico.


iguais no mercado

Quando compramos, consumimos, aí somos iguais.

Os economistas conhecem, que crescimento econômico é distinto de desenvolvimento, e o conceito de desenvolvimento se torna ainda mais distante do de crescimento voltado para poucos, quando observamos pela ótica do desenvolvimento humano e da questão do meio ambiente. Crescer sempre foi bom, desde os tempos do lema “fazer crescer o bolo para depois dividir”, um pensamento digno de ministro da fazenda dos anos ‘70. Agora o buraco, é claro que, é mais embaixo, vive-se num Estado de Direito Democrático. Devemos ir com fé, a fé não costuma falhar. Mas mudar é preciso, e evoluir é ainda mais; e evolução só deve refletir um desenvolvimento sustentado e com distribuição de renda.

E só no papel de consumidor os direitos se fazem presente. Só sendo visto em uma categoria que possui renda, e que seja gasta, consumida, seja através da navalha do cartão ou do cash a juros de mercado, só assim considera-se “existir” uma “igualdade social”. Os números do crédito, o poder da riqueza, do dinheiro, nivela a todos sem distinção de cor, credo ou opção sexual. O mercado é cego como a justiça, nessa democracia monetária!

Somos diferentes, mas, as diferenças só existem sob o ponto de vista da necessidade de cada um dar seu esforço para superá-la, em condições sabidamente mínimas de igualdade social, simplesmente quando se apresenta as habilidades, possibilidades, ao se acreditar nos sonhos (de consumo), em um ideal de democracia que nem sabemos direito como é ou se constitui, principalmente para onde vai – um objetivo sempre foi a questão da distribuição de renda; da Justiça e do Direito, geralmente nem sabemos ou nem podemos exercê-los, se nem o direito de cidadania temos, ao nos ser negado a oportunidade de defesa se se é pobre, negro ou desempregado, e sob os preconceitos, sumariamente são executados – mas sabemos o que nos falta e o que nos cobram!

Falta a dignidade ao nos faltar emprego e renda, falta tudo se não oferecemos nossa “força de trabalho” (intelectual ou física) por um salário mínimo ou inadequado a uma vida decente, que é legal e mal pago por uma significativa parcela das empresas; ou não se sabe que as pequenas e médias empresas são as responsáveis pelo maior número do emprego oferecido no mercado? E a informalidade que grassa? Justamente elas descumprem em sua grande parte os requisitos que as leis trabalhistas exigem como garantia ao trabalhador (INSS, PIS, COFINS, etc). Sem falar dos impostos que nem de longe chegam no final a contemplar as necessidades sociais para que foram criados. E não me venham com justificativas estatísticas, pois elas não corroboram a realidade mesmo enfeitada com as promessas e as razões políticas eleitorais. A cidade onde moro, Salvador, é uma que se destaca pelo índice de desemprego no Brasil! (11,9% em mar-2009).

Certas comunidades urbanas e da periferia sabem muito bem a real condição de existir, sobreviver, quando se vive perto da violência que cresce, distante das áreas mais urbanizadas (morada das elites, que também já se encontra ameaçada), tendo a lei que ronda pela vizinhança. Os serviços públicos e até privados (correios, leitores de registros, entrega de gás, delivery etc) se negam ou se afastam dessas áreas, por temer a violência, que por vezes atemoriza a comunidade abandonada pelos poderes públicos (saneamento, segurança, educação etc), e que acabam entregues ao poder das milícias e do narcotráfico.

Na verdade, o nosso verdadeiro ideal de democracia e liberdade vai além das desigualdades sociais e ambientais evidentemente existentes. Ao exigir acesso a educação, ao posto de trabalho e conseqüentemente a escolha consciente dos representantes políticos, que pela ética e responsabilidade com o social se dediquem às mudanças almejada por todos, pelos que não partilham da riqueza produzida pela extração dos recursos naturais (petróleo, minerais, alimentos, energia etc) que nosso país dispõe.



domingo, julho 19, 2009

o risco de chover

“Sentir é um risco e um presente, que agora me pertence, e quero só pra mim”, Zélia Duncan.


A estação de nossas chuvas


Mais uma quarta-feira, ao redor as janelas mostram a estação das chuvas, nem parece o começo de férias, e algo acontece, um minuto qualquer que não estávamos atento à dança dos elementos interiores. Uma folha de esperança se desdobrando caiu, pelas asas das mãos da ciranda instintiva uma boca aquarela empurrou a lua mudando nossos corpos de lugar, dava para reparar o zum-zum-zum dos besouros da surpresa, achar bem-te-vis soltos de sonhos sem respostas, sapos solitários e sábios, amores andarilhos saltando de qualquer parte para lugar nenhum. No centro da roda estavam brotando algumas poças de afeto, no início, em uma velocidade de sementes, logo abaixando nuvens de abraços em peneiras. E íamos aos pulos de coelho fugidios querendo subir em bancos de praça e firmes decolar soltando acenos e beijos.

Assim, uma chuva de emoção varreu nosso peito, os papéis e máscaras podiam se rasgar pelos movimentos, serem vistos por qualquer um dançarino presente. Entre uma roda de espinhos florindo, e um caminhar orvalhado, se abriu nossos verdadeiros sentimentos. Uma onda de calor humano, um sorriso largo, decorado pelo olhar de águas coerentes, lágrimas transparentes; ganhamos nosso jeito de expressar nossa mudança, completamente coração na boca e decisão, inspirados pela energia de nosso humor em arco-íris.

Em tempo, deu para dar boas risadas, e levitar mais demorado, desabrochando em um choro alegre, abrindo a natureza onde cabe as diversidades e qualquer forma diferente do padrão, expressando a nudez com profundidade, sem pausa nem decoro; somos essa delicada passagem de evolução inesquecível no carrossel das horas.

segunda-feira, julho 13, 2009

ecodebate

A morte dos rios não traz desenvolvimento

por Ruben Siqueira*


A civilização nasceu entre os rios Tigre, Eufrates e Nilo, o chamado “Crescente Fértil”. Mais tarde Roma desenvolveu-se à beira do Tibre e de seu império fez-se a “civilização ocidental cristã”. Esta, hoje, na sua mais grave crise, devia se ver refletida nos rios que poluiu…


No Brasil os rios foram os caminhos para a interiorização desta civilização trazida pelos portugueses. As “entradas e bandeiras” paulistas seguiram o rio Tietê. Pelo São Francisco entraram os senhores de terra, postando currais de gado e famílias de escravos – nascia a “civilização do couro” às margens do “rio dos currais”. Antes, os povos originários de Pindorama procuravam os cursos d’água e deles faziam os eixos de suas culturas. Acabaram ensinando o português a tomar banho…

Mas não apenas da civilização humana as águas são a fonte e o sustento, também da incomensurável biodiversidade. Todo mundo já aprendeu, ou deveria, que sem água não há vida.

Hoje, porém, no campo e nas cidades, os rios estão moribundos. De cada dez rios brasileiros sete estão poluídos. Todos os rios que cortam cidades, das megalópolis aos vilarejos, viraram esgotos, latrina, lixeira. Preservar as águas não é da lógica que rege o desenvolvimento. Hoje nos damos conta do grave problema que são a corrosão dos recursos naturais e o lixo excessivo que nosso estilo de vida produz. As águas são as primeiras a sinalizar o início do fim…

Da combinação de terra, água, luz solar e zelo feminino, nasceu a agricultura, há 12 mil anos. De lá para cá, a tecnologia evoluiu não só no controle dos fatores de produção agrícola, como até ao ponto de prescindir destes fatores. No vale do São Francisco, há fazendas em que o solo não é mais que sustentáculo da planta, toda a nutrição é artificial, feita por microgotejamento eletrônico. O “agricultor” está sentado ao computador numa sala climatizada, teclando as quantidades de fertilizantes que vão pela água bombeada do rio… Os gases liberados pelos fertilizantes químicos são dos piores de origem agropecuária, que respondem por 25% dos gases de efeito estufa que aquecem o planeta.

Calcula-se que nas fazendas de irrigação de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), no São Francisco, sejam despejadas três toneladas de agrotóxicos diariamente. O rio é o destino da maior parte deste veneno. O Brasil tornou-se em 2008 o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, perto de 400 mil toneladas, um negócio que mobilizou US$ 7 bilhões. Falta pouco para um quarto do que consome o mundo: 2 milhões de toneladas.

O modelo da moderna agricultura, também chamada “Revolução Verde”, se impôs para “desenvolver” as áreas rurais. A concentração da terra e da água, das sementes e dos investimentos públicos em grandes empresas agropecuárias aumentou a produção, mas de commodities (soja, carne, suco de laranja e, logo, etanol) para exportação e especulação no mercado de capitais. Cai o consumo de arroz e feijão, o que significa má alimentação e fome. As cidades violentas e inseguras, não param de inchar. O campo restou esvaziado para domínio do agronegócio globalizado, miséria camponesa e degradação ambiental.

Apesar dos sinais mais que evidentes de que por esse caminho não há futuro, vive-se hoje no Brasil franca expansão do agronegócio hidrointensivo, na onda dos agrocombustíveis, falsa solução para o aquecimento global. Intensifica-se a irrigação, que já consome 70% das águas disponíveis do planeta, inclusive no Brasil.

A transposição de águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional é exemplo cabal. A sede humana é só justificativa marqueteira. O verdadeiro interesse é expandir o modelo falido. A irrigação no Nordeste não funcionou como indutora do desenvolvimento, é duvidosa economicamente e um desastre social e ambiental.

Ao par da irrigação e dos esgotos, as barragens e hidrelétricas condenaram nossos rios. E não param de aumentar, sem que não se discutam os custos, nem para que e para quem tanta energia.

Se é verdade que “um rio é como um espelho que reflete os valores de uma sociedade”, a nossa não vale o que bebe e come…

Esgotado o “desenvolvimento”, precisamos recuperar o “envolvimento”. Aí, só a agroecologia pode nos salvar, salvando a terra, os rios, a agrobiodiversidade, os territórios, as tradições culturais, a soberania alimentar. Nisto os povos originários, sobreviventes à colonização, têm muito a nos ensinar.

A gestão territorial e participativa das águas através dos comitês de bacias poderá até contribuir para piorar o quadro, se for subserviente aos interesses expansionistas do capital. A luta maior é pela revitalização integral. Por isso bradamos “São Francisco vivo, terra e água, rio e povo”.

*Ruben Siqueira, Sociólogo, agente da CPT na Bacia do Rio São Francisco, colaborador e articulista do EcoDebate.

FONTE: EcoDebate, 11/07/2009

sábado, julho 11, 2009

commons

Vila de Todos

Que fosse ela perfeita
Poderia não ser uma vida.

Ela videira de tinto seca,
Desde cedo experiências.

De tão ser que sobra sol
Um destino tanto incerto.

...Refém de alma na mão,
......Coração quebrando cerca.

......Que sente o quanto falta...
......Aprende o que já conhece.

quarta-feira, julho 08, 2009

poeta

Sobre a origem da poesia
Arnaldo Antunes
"12 Poemas para dançarmos" (12 poems to be danced: 2000)

A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem "maçã vermelha", "água boa", "cavalo veloz"; em vez de "a maçã é vermelha", "essa água é boa", "aquele cavalo é veloz". Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em "Marxismo e Filosofia da Linguagem") "o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada 'complexidade' do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc". Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.

Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo

terça-feira, julho 07, 2009

cronópios

22/6/2009 17:17:00
Paraulas para Palau*

Por Augusto de Campos

Em 1951, por conta da minha paixão pela arte trovadoresca provençal, adquiri uma bela antologia de modernos poetas catalães, que, para minha tristeza, acabou desaparecendo de minha vista depois que, no meu entusiasmo, a emprestei a um amigo que se mostrara interessado. Mais de meio-século se passou e só recentemente consegui recuperar, comprando-a de uma livraria internacional, a obra que tanto me impressionara: LA POESIA CATALANA – CONTEMPORANIS – Seleció e Prologo de F. Gutiérrez, editada por Josep Janés em 1947.

O catalão é a língua mais próxima do provençal, a meio-caminho do português, e desde logo me fascinaram as proximidades e dessemelhanças desses idiomas, que me soavam como harmônicos sonoros, sugerindo-me estranhas variações e ressonâncias vocabulares. Tão impressionado fiquei que inseri nos poemas que então elaborava algumas palavras, que dão a impressão de neologismos, mas na verdade são catalonismos imbricados na nossa língua. Num velho caderno da época anotei, ao lado de um pequeno vocabulário traduzido para o português, versos e palavras que me chamaram a atenção, dentre elas as que infiltrei, nem sempre com o mesmo sentido ou a mesma função gramatical, em poemas de 1952 e 1953: “coloraina”, “enlluernar” (enluernar), “veueta d’or”, “a l’afalac de l’amor”, “finestra” (fenestra), flairós” (flairar)”, “eixamplar” (exampl’eu), extraídas ou derivadas de poemas de Josep Carner, Trinitat Catasus, Josep M. Lopez-Picó, Alfons Maseres e outros.

A poesia catalã sempre me pareceu muito forte. Tem tradição trovadoresca e uma expressiva inserção moderna, que se pode contextualizar com a projeção pictórica de grande artistas como Picasso e Miró. Chego a pensar que só o isolamento linguístico explica a sua pouca projeção internacional. João Cabral, que, como se sabe, viveu em Barcelona e lá fez amigos entre poetas e pintores, teve sensibilidade para reconhecer o mérito da produção dos modernos poetas catalães, e veio a traduzi-los, até, para o português (“Quinze Poetas Catalães”, Revista Brasileira de Poesia nº IV, fev. 1949). Quando tomei conhecimento, na época, de agumas das versões cabralinas, chamou-me a atenção, especialmente, o SONETO INTRAUTERINO de Josep Palau i Fabre, com aqueles versos originalíssimos e impactantes: “Jo vul desneixer em tu. Tot home vol desneixer en un amor, un si.” [Quero desnascer em ti. Todo homem quer desnascer num amor, num seio.]. Dentre as primeiras iniciativas de divulgar a poesia da Catalunha no Brasil destaca-se a de Stella Leonardos, que publicou em 1969 uma Antologia de Poesia Catalã Contemporânea (São Paulo, Monfort Editor). Ainda há pouco um entusiasta, Vanderley Mendonça, editor e tradutor brasileiro de obras de Joan Brossa, fez estampar, em elegantes impressões bilingues do seu intrépido e já “cult” Selo Demônio Negro, duas “miniantologias” de J. V. Foix e Joan Salvat Papalat, poetas menos conhecidos mas que estão entre os mais significativos da grande safra da modernidade catalã, em tradução de Ronald Polito e Josep Domènesch Ponsati.

Animado com a recuperação da minha querida e perdida antologia, traduzi três textos do mesmo José Palau, pensando em homenageá-lo, já que, como verifiquei, faleceu em fevereiro do ano passado, aos 90 anos — passamento ignorado entre nós. Amigo de Picasso, ficou conhecido pela biografia que fez do pintor, mas a sua poesia tem permanecido em indevida obscuridade. Os catalães são aparentemente fáceis de traduzir para o português, devido à proximidade dos idiomas, mas essa facilidade é enganosa. Ao contrário das espanholas, as palavras catalãs são em geral mais breves que as equivalentes em nossa língua e o parentesco vocabular induz a equívocos. Muitos dos poemas que li sob a rubrica de “contemporâneos” são metrificados e rimados, o que torna ainda mais problemática uma tradução desse tipo de poesia à altura do original; mesmo os versos livres (menos livres do que parecem) por vezes dissimulam decassílabos, endecassílabos e dodecassílabos e, se não se tomar cuidado, o ritmo tropeça e a música se perde. Quanto aos poemas que traduzi — CANT ESPIRITUAL (Canto Espiritual), COMIAT (Despedida) [este, também vertido por Stella Leonardos em sua antologia] e L’ESTRANIER (O Estrangeiro), o primeiro deles pode ser ouvido, com algumas outras composições de Josep Palau, na sóbria e comovente leitura do próprio poeta. Vale a pena conferir: http://www.youtube.com/watch?v=caQkrNYSuww

Encantam-me esses textos pela naturalidade e diretidade villonescas do discurso, qualidades raras na poética quase que inevitávelmente rebuscada e “self conscious” da modernidade. Dialogar com o desconhecido, o desvalimento e a estraneidade com tão claras, precisas e belas palavras? Não é para qualquer um.

* PARAULAS (provençal) = PARAULES (catalão) = PALAVRAS.

* * *

CANT ESPIRITUAL

No crec en tu, Senyor, però tinc tanta necessitat de creure en tu, que sovint
parlo i t`imploro com si existissis.

Tinc tanta necessitat de tu, Senyor, i que siguis, que arribo a creure en tu
i penso creure en tu quan no crec en ningú.

Però després em desperto, o em sembla que em desperto, i m`avergonyeixo
de la meva feblesa i et detesto. I parlo contra tu que no ets ningú. I parlo
mal de tu com si fossis algú.

¿Quan, Senyor, estic despert, i quan sóc adormit?

¿Quan estic més despert i quan més adormit? ¿No serà tot un son i,
despert i adormit, somni la vida? ¿Despertaré algun dia d`aquest doble son
i viuré, lluny d`aquí, la veritable vida, on la vetlla i el son siguin una
mentida?

No crec en tu, Senyor, però si ets, no puc donar-te el millor de mi si no és
així: sinó dient-te que no crec en tu. Quina forma d`amor més estranya i
més dura! Quin mal em fa no poder dir-te: crec.

No crec en tu, Senyor, però si ets, treu-me d`aquest engany d`una vegada;
fes-me veure ben bé la teva cara! No em vulguis mal pel meu amor
mesquí. Fes que sens fi, i sense paraules, tot el meu ésser pugui dir-te: Ets.

París, 14 de maig del 1950

CANTO ESPIRITUAL

Não creio em ti, Senhor, mas tenho tanta necessidade de crer em ti, que
muitas vezes falo e te imploro como se existisses.

Tenho tanta necessidade de ti, Senhor, e de que sejas, que chego a crer
em ti — e penso crer em ti quando não creio em ninguém.

Mas depois desperto, ou me parece que desperto, e me envergonho de
minha fraqueza e te detesto. E falo contra ti que não és ninguém. E falo
mal de ti como se fosses alguém.

Quando, Senhor, estou desperto e quando adormecido?

Quando estou mais desperto e quando mais adormecido? Não será tudo
um sonho e eu que, desperto e adormecido, sonho a vida? Despertarei
algum día deste duplo sonho e viverei, longe daqui, a verdadeira vida,
onde sonho e vigília sejam uma mentira?

Não creio em ti, Senhor, mas se és, não posso dar-te o melhor de mim a
não ser assim: senão dizendo-te que não creio em ti. Que forma de amor
tão estranha e tão dura! Que mal me faz não poder dizer-te: creio.

Não creio em ti, Senhor, mas se és, tira-me deste engano de uma vez.
Faz-me ver bem a tua cara! Não me queiras mal pelo meu amor
mesquinho. Faz com que, sem fim e sem palavras, todo o meu ser possa
dizer-te: És.

COMIAT

Ja no sé escriure, ja no sé escriure més.
La tinta m’empastifa els dits, les venes...
He deixat al paper tota la sang.
¿On podré dir, on podré deixar dit, on podré inscriure
la polpa del fruit d’or sinó en el fruit,
la tempesta en la sang sinó en la sang,
l’arbre i el vent sinó en el vent d’un arbre?
¿On podré dir la mort sinó en la meva mort,
morint-me?
La resta són paraules...
Res no sabré ja escriure de millor.
Massa a prop de la vida visc.
Els mots se’m moren a dins
i jo visc en les coses.

DESPEDIDA

Já não sei escrever, já não sei escrever mais.
A tinta me empasta os dedos, as veias...
Deixei no papel todo o meu sangue.
Onde poderei dizer, onde poderei deixar dito, onde poderei inscrever
a polpa do fruto de ouro senão no fruto,
a tempestade no sangue senão no sangue,
a árvore e o vento senão no vento de uma árvore?
Onde poderei dizer a morte senão na minha morte,
morrendo?
O resto são palavras...
Nada saberei já escrever de melhor.
Perto demais da vida vivo.
As palavras morrem em mim
e eu vivo nas coisas.

L’ESTRANGER

¿De quin país és aquest estranger?
No ho sé.
¿Com se diu?
No ho sé.
¿Què fa? ¿Quina llengua parla?
No ho sé.
¿Com us dieu, bon home?
...
¿De quin país veniu? ¿On aneu?
Sóc d’aquí. Sóc estranger.

O ESTRANGEIRO

De que país é aquele estrangeiro?
Não sei.
Como se chama?
Não sei.
O que faz? Que língua fala?
Não sei.
E você, que nome tem?
—…
De que país vem? Para onde vai?
Sou daqui. Sou estrangeiro.

Augusto de Campos nasceu em São Paulo, em 1931. Poeta, tradutor, ensaísta, crítico de literatura e música. Em 1951, publicou o seu primeiro livro de poemas, O REI MENOS O REINO. Em 1952, com seu irmão Haroldo de Campos e Décio Pignatari, lançou a revista literária "Noigandres", origem do Grupo Noigandres que iniciou o movimento internacional da Poesia Concreta no Brasil. O segundo número da revista (1955) continha sua série de poemas em cores POETAMENOS, escritos em 1953, considerados os primeiros exemplos consistentes de poesia concreta no Brasil. O verso e a sintaxe convencional eram abandonados e as palavras rearranjadas em estruturas gráfico-espaciais, algumas vezes impressas em até seis cores diferentes, sob inspiração da Klangbarbenmelodie (melodia de timbres) de Webern. Em 1956 participou da organização da Primeira Exposição Nacional de Arte Concreta (Artes Plásticas e Poesia), no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Sua obra veio a ser incluída, posteriormente, em muitas mostras, bem como em antologias internacionais como as históricas publicações Concrete Poetry: an International Anthology, organizada por Stephen Bann (London, 1967), Concrete Poetry: a World View, por Mary Ellen Solt (University of Bloomington, Indiana, 1968), Anthology of Concrete Poetry, por Emmet Williams (NY, 1968). Sua poesia está coligida principalmente em Viva Vaia (1979, 4ª ed. 2008), Despoesia (1994) e Não (2003, 2ª ed. 2008). Últimos estudos e traduções: Poesia da Recusa (2006), Quase-Borges (2006) e Emily Dickinson: Não sou Ninguém (2008).

Site:http://www2.uol.com.br/augustodecampos/home.htm E-mail: a.campos@uol.com.br

Fonte: CRONÓPIOS

sexta-feira, julho 03, 2009

uma canção

Oceano e Deserto

Ouço você cantando desafinado
Não tenho ouvido para música
Mas acho isso muito atraente

Dá-me o motivo mais estranho
Que me provocam as críticas
Mas há outros que te chamam

Dançamos ligados numa química
Os sorrisos correm com improvisos
Nada me faz sentir melhor o dia

Nem os números nos enchem
Os momentos são assim plenos
Adivinhamo-nos em surpreender

E ouvindo insones pensamentos
Viajamos cantando até aonde dá
Conhecendo-nos oceano e deserto


quinta-feira, julho 02, 2009

revival

Três por quatro

Em busca da vida achei uma pista em ampla clareira
No pisar corrente arranquei mil pontas de espinhos
Ignorando os domínios ia somando normalmente
Só escolhia um curso ainda sem padrão nem eira

Entreguei-me às marés ainda mal acostumadas
Às tábuas de horas e regras moldadas a mão
Atravessei no peito as ondas tracejadas de sal
Conspirando para as águas virem numa cheia

Dadas as circunstâncias era movido pela emoção
Abrindo o coração que transitava sem amarras
Em sintonia com a música soltei o que guardava
Réstias de festejos bem combinadas com maçãs

Encontro o vestido de uma história incompleta
Tantos sonhos deixados como jogos de armar
Suspenso em finas hastes de giz da memória
Equilíbrio solto em rota riscada por labaredas

Bela borboleta roxa colapsa atraída pela luz
Aprende a aceitar o desencanto das mudanças
Um valioso selo guardado numa caixa de segredos
Retrato três por quatro dobrado em lembranças

mar de mineiro

Flor do Mal
Cacaso

Vem vadiar ao léu
talho sem dor não deixa sinal
vem provar do fel
nosso destino é tão desigual

Seja no meu lamento
um corpo sedento pra me abraçar
seja um braço atento que se levanta
pra me guiar
E ainda seja em todo o momento
sopro de vento chuva no mar
seja amor sangrento seja tormento
que já passou
e que vai chegar

Vem provar do mal
plante essa flor e rasgue esse véu
vem quebrar o pau
nosso destino não cai do céu

Vejo no seu futuro
um porto inseguro pra se atracar
vejo um tempo escuro que já passou
e que vai chegar
E ainda vejo um gesto duro
nome no muro grito no ar
vejo amor maduro no beijo puro
que vai nascer
mas não chego lá

a crítica

"Por mais incrível que possa parecer, [...] a maior parte dos especialistas em economia política tem apenas noções muito confusas sobre o verdadeiro objeto do seu saber." LUXEMBURGO, R. (1925). Introdução à economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1977, p.35)

o conceito

O Economista na sociedade moderna

Por: Cristovam Buarque (*)

Nas últimas décadas os países em desenvolvimento, em especial o Brasil, passaram a ser administrados por economistas ou por uma lógica economicista dissociada do mundo real. O resultado foi a formação de um grupo considerado de economistas, verdadeiros tecnocratas, que passaram a ditar os rumos da economia brasileira, baseados apenas em modelos econométricos e estatísticos, sem levar em consideração os aspectos éticos, culturais e humanitários do conjunto da sociedade.

Os problemas sociais e aqueles vinculados diretamente à essência do processo humano deixaram de ter uma identidade própria, e foram apropriados pela realidade única do discurso economicista. E a sociedade, influenciada por anos de primazia do econômico, caiu na armadilha de considerar as dificuldades econômicas como sendo os únicos problemas do país. Desapareceram como problemas enfáticos a fome do povo brasileiro, o analfabetismo, o desemprego, a falta de acesso à cultura e de saúde.

Tornaram-se problemas graves a dívida externa, a inflação, a taxa de juros e a taxa de câmbio. Os economistas que são formados nas universidades brasileiras raciocinam, exclusivamente, com projeções numéricas, em torno de quanto vai ser a inflação do próximo mês, se os juros devem subir ou descer, sobre o tamanho da dívida externa. Os economistas atuais perderam de vista a dimensão social do povo brasileiro.

Hoje, infelizmente, não se discute nas faculdades de economia a fome do povo brasileiro, que é o principal problema nacional. O desemprego que atinge níveis alarmantes e joga na rua da amargura milhares de pais de famílias e jovens é visto no discurso economicista como um mal necessário para conter a taxa de inflação. A maior safra agrícola do Brasil é vista com êxito, independentemente da fome de 50 milhões de brasileiros que ela não ajuda a solucionar, porquê é mais rentável exportá-la para alimentar animais que fornecerão sofisticações gastronômicas para poucos.

A indústria de equipamentos médicos pode ser um elemento dinâmico, independentemente do fato de ajudar ou não a reduzir o problema das doenças. Uma multidão de esfomeados, por falta de salários, nada representa para o economista, se o equilíbrio de preços se mantém, ao nível da renda disponível. O desabastecimento não existe, se os necessitados ficam fora das filas de poder de compra.

O conceito de valor é elaborado sem incluir o efeito de depredação sobre o meio ambiente. O valor de uma obra literária é representado apenas pelo número de exemplares vendidos. Buscando quantificar e limitar a esta quantificação o valor das coisas, o economista funciona como um elemento abstrato, que encobre a realidade, dentro de uma determinada lógica e com um determinado propósito.

Em todos os países, os economistas tecnocratas assumiram um distanciamento aparente da realidade política que lhes serviu de base para viabilizar suas estratégias. Não duvidaram em utilizar a repressão policial, a tortura, a abolição de toda liberdade, como instrumentos de política econômica, com uma dupla falta de ética: durante as ditaduras, em relação aos valores básicos do humanismo; e nos momentos de retomada da democracia, negando seus comprometimentos autoritários com os militares dos quais eram cúmplices. O problema não é que os economistas não tenham aprendido as lições recebidas nos cursos, o problema é que aprenderam da mesma forma que um químico aprende o que deve misturar para obter bicarbonato de sódio, não se perguntando por que, para que, a que custo.

Ao estudar a ciência como algo alienado das realidades de seus países, o economista perdeu a perspectiva de entender a essência do processo econômico e a realidade em mutação na qual este processo se situa. Os economistas transformam-se, assim, em uma espécie de "sapiências endeusadas" com a função de elaborar as argumentações que justificam os dogmas vigentes. Ainda mais grave é que, quando a realidade não se apresenta como as teorias previam, eles manipulam os dados criando uma realidade nova, desvinculada do real.

Este problema não é característica apenas dos economistas, mas de toda a rede que forma a moderna burocracia em cada país do mundo. O que diferencia e agrava a situação dos economistas, em relação a outros burocratas, como aqueles das forças armadas, dos sistemas de saúde etc., é que, modernamente, os economistas têm tido a possibilidade de exercer um papel ativo de liderança na definição do rumo da sociedade e da civilização.

No auge da elevação do preço do petróleo, um alto funcionário do governo da Arábia Saudita declarou que o maior problema de seu país era que toda vez que perfuravam um poço procurando água só encontravam petróleo. Como os demais países petroleiros do Oriente Médio, a Arábia Saudita vivia o drama do rei Midas, da Frigia, que, por ter liberado Sileno, recebeu como prêmio o poder de transformar em ouro tudo o que tocasse. Deslumbrado com as possibilidades, o rei Midas só percebeu as conseqüências negativas quando foi ter sua primeira refeição depois do novo poder.

Os economistas modernos trabalham ainda sem o conhecimento do mito de Midas ou sem a experiência do funcionário saudita. É este desconhecimento que faz com que depois da morte do último dos elefantes o mundo acordará mais rico, porque os donos dos armazéns terão mais marfim para comercializar, ou seja, diante da irracionalidade em que a realidade econômica funciona, o economista vê-se forçado a criar mitos, que façam os homens julgarem racionais comportamentos claramente absurdos.

Apesar de todas as suas limitações e fragilidades, a ciência econômica, e com ela o economista, é um dos campos das ciências sociais que maior contribuição pode vir a dar a uma compreensão do fenômeno das relações entre os homens, e destes com a natureza. Para isso, é necessário que a ciência econômica se desvincule dos preconceitos dogmáticos e da alienação em relação à realidade. Os economistas que se consideram cientistas exatos e defensores de uma economia positiva devem olhar a realidade natural e social cambiante e, a partir dela, formular modelos que de fato sirvam a uma racionalidade na combinação produtiva dos homens, entre eles e com a natureza.

Esta nova ciência e este novo economista, devem ser capazes de desvendar o que há por trás do véu de premissas definidas ideologicamente, e buscar a essência da economia. Ao mesmo tempo, será preciso prever que esta busca não pode se limitar a uma visão mecanicista, positivista ou materialista-histórica. Deve estar aberta ao sentimento da magia do processo econômico. A magia por trás de objetivos e métodos inexplicáveis, como o próprio desejo e lutas libertárias, ou o uso do trabalho para concretizar este desejo. A magia de processos organizativos que canalizam esforços que significam tempo em vidas, seja para levar o homem à lua, construir pirâmides, realizar um desfile de escola de samba, ou aumentar o consumo. A magia capaz de montar a logística estatal para enfrentar uma guerra e a logística privada que viabiliza o abastecimento de megalópoles. A magia dos milhares de anos, milhões de horas de trabalho físico e intelectual de centenas de milhares de outras pessoas que, ao longo da história, se unem, se articulam, se complementam com base em leis que não se conhecem e que jamais serão inteligíveis, se ficarmos presos a preconceitos e não formos capazes da modéstia de saber que há uma mágica, no limite de nosso conhecimento.

(*) Cristovam Buarque é Doutor em economia, ex-reitor da Universidade de Brasília e ex-Governador do Distrito Federal

quarta-feira, julho 01, 2009

de Die Massnahme

"Canção do Mercador"
--Bertolt Brecht-

Como saber o que é arroz?
O que é arroz, que eu não conheço?
Não tenho idéia do que seja
Nem mesmo sei de alguém que o saiba.
Do arroz? Do arroz só sei o preço.

A existência feita detalhe

"Falamos das tendências dos preços para baixar ou subir e nem sempre percebemos que estamos refletindo a inumanidade de um movimento autônomo de objetos, um movimento de coisas que carrega os homens tal como a correnteza carrega toras de madeira. Num mundo governado pela produção de mercadorias, o produto controla o produtor, os objetos têm mais força do que os homens. Os objetos tornam-se um 'destino', o daemom ex machina."*

* Extraído do livro A Necessidade da Arte de Ernest Fischer, 1976.

na tela ou dvd

  • 12 Horas até o Amanhecer
  • 1408
  • 1922
  • 21 Gramas
  • 30 Minutos ou Menos
  • 8 Minutos
  • A Árvore da Vida
  • A Bússola de Ouro
  • A Chave Mestra
  • A Cura
  • A Endemoniada
  • A Espada e o Dragão
  • A Fita Branca
  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
  • A Pele
  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
  • A Trilha
  • A Troca
  • A Última Ceia
  • A Vantagem de Ser Invisível
  • A Vida de Gale
  • A Vida dos Outros
  • A Vida em uma Noite
  • A Vida Que Segue
  • Adaptation
  • Africa dos Meus Sonhos
  • Ágora
  • Alice Não Mora Mais Aqui
  • Amarcord
  • Amargo Pesadelo
  • Amigas com Dinheiro
  • Amor e outras drogas
  • Amores Possíveis
  • Ano Bissexto
  • Antes do Anoitecer
  • Antes que o Diabo Saiba que Voce está Morto
  • Apenas uma vez
  • Apocalipto
  • Arkansas
  • As Horas
  • As Idades de Lulu
  • As Invasões Bárbaras
  • Às Segundas ao Sol
  • Assassinato em Gosford Park
  • Ausência de Malícia
  • Australia
  • Avatar
  • Babel
  • Bastardos Inglórios
  • Battlestar Galactica
  • Bird Box
  • Biutiful
  • Bom Dia Vietnan
  • Boneco de Neve
  • Brasil Despedaçado
  • Budapeste
  • Butch Cassidy and the Sundance Kid
  • Caçada Final
  • Caçador de Recompensa
  • Cão de Briga
  • Carne Trêmula
  • Casablanca
  • Chamas da vingança
  • Chocolate
  • Circle
  • Cirkus Columbia
  • Close
  • Closer
  • Código 46
  • Coincidências do Amor
  • Coisas Belas e Sujas
  • Colateral
  • Com os Olhos Bem Fechados
  • Comer, Rezar, Amar
  • Como Enlouquecer Seu Chefe
  • Condessa de Sangue
  • Conduta de Risco
  • Contragolpe
  • Cópias De Volta À Vida
  • Coração Selvagem
  • Corre Lola Corre
  • Crash - no Limite
  • Crime de Amor
  • Dança com Lobos
  • Déjà Vu
  • Desert Flower
  • Destacamento Blood
  • Deus e o Diabo na Terra do Sol
  • Dia de Treinamento
  • Diamante 13
  • Diamante de Sangue
  • Diário de Motocicleta
  • Diário de uma Paixão
  • Disputa em Família
  • Dizem por Aí...
  • Django
  • Dois Papas
  • Dois Vendedores Numa Fria
  • Dr. Jivago
  • Duplicidade
  • Durante a Tormenta
  • Eduardo Mãos de Tesoura
  • Ele não está tão a fim de você
  • Em Nome do Jogo
  • Encontrando Forrester
  • Ensaio sobre a Cegueira
  • Entre Dois Amores
  • Entre o Céu e o Inferno
  • Escritores da Liberdade
  • Esperando um Milagre
  • Estrada para a Perdição
  • Excalibur
  • Fay Grim
  • Filhos da Liberdade
  • Flores de Aço
  • Flores do Outro Mundo
  • Fogo Contra Fogo
  • Fora de Rumo
  • Fuso Horário do Amor
  • Game of Thrones
  • Garota da Vitrine
  • Gata em Teto de Zinco Quente
  • Gigolo Americano
  • Goethe
  • Gran Torino
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  • História de Um Casamento
  • Horizonte Profundo
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  • Jamón, Jamón
  • Janela Indiscreta
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  • Las 13 Rosas
  • Latitude Zero
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  • Le Divorce (À Francesa)
  • Leningrado
  • Letra e Música
  • Lost Zweig
  • Lucy
  • Mar Adentro
  • Marco Zero
  • Marley e Eu
  • Maudie Sua Vida e Sua Arte
  • Meia Noite em Paris
  • Memórias de uma Gueixa
  • Menina de Ouro
  • Meninos não Choram
  • Milagre em Sta Anna
  • Mistério na Vila
  • Morangos Silvestres
  • Morto ao Chegar
  • Mudo
  • Muito Mais Que Um Crime
  • Negócio de Família
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  • Ninguém Sabe Que Estou Aqui
  • Nossas Noites
  • Nosso Tipo de Mulher
  • Nothing Like the Holidays
  • Nove Rainhas
  • O Amante Bilingue
  • O Americano
  • O Americano Tranquilo
  • O Amor Acontece
  • O Amor Não Tira Férias
  • O Amor nos Tempos do Cólera
  • O Amor Pede Passagem
  • O Artista
  • O Caçador de Pipas
  • O Céu que nos Protege
  • O Círculo
  • O Circulo Vermelho
  • O Clã das Adagas Voadoras
  • O Concerto
  • O Contador
  • O Contador de Histórias
  • O Corte
  • O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante
  • O Curioso Caso de Benjamin Button
  • O Destino Bate a Sua Porta
  • O Dia em que A Terra Parou
  • O Diabo de Cada Dia
  • O Dilema das Redes
  • O Dossiê de Odessa
  • O Escritor Fantasma
  • O Fabuloso Destino de Amelie Poulan
  • O Feitiço da Lua
  • O Fim da Escuridão
  • O Fugitivo
  • O Gangster
  • O Gladiador
  • O Grande Golpe
  • O Guerreiro Genghis Khan
  • O Homem de Lugar Nenhum
  • O Iluminado
  • O Ilusionista
  • O Impossível
  • O Irlandês
  • O Jardineiro Fiel
  • O Leitor
  • O Livro de Eli
  • O Menino do Pijama Listrado
  • O Mestre da Vida
  • O Mínimo Para Viver
  • O Nome da Rosa
  • O Paciente Inglês
  • O Pagamento
  • O Pagamento Final
  • O Piano
  • O Poço
  • O Poder e a Lei
  • O Porteiro
  • O Preço da Coragem
  • O Protetor
  • O Que é Isso, Companheiro?
  • O Solista
  • O Som do Coração (August Rush)
  • O Tempo e Horas
  • O Troco
  • O Último Vôo
  • O Visitante
  • Old Guard
  • Olhos de Serpente
  • Onde a Terra Acaba
  • Onde os Fracos Não Têm Vez
  • Operação Fronteira
  • Operação Valquíria
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  • Os Esquecidos
  • Os Falsários
  • Os homens que não amavam as mulheres
  • Os Outros
  • Os Românticos
  • Os Tres Dias do Condor
  • Ovos de Ouro
  • P.S. Eu te Amo
  • Pão Preto
  • Parejas
  • Partoral Americana
  • Password, uma mirada en la oscuridad
  • Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas
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  • Por Quem os Sinos Dobram
  • Por Um Sentido na Vida
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  • Quero Ficar com Polly
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  • Sem Medo de Morrer
  • Sem Reservas
  • Sem Saída
  • Separados pelo Casamento
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  • Sexo, Mentiras e Vídeo Tapes
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  • Sultões do Sul
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  • Território Restrito
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  • The Bourne Ultimatum
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  • Um Lugar Chamado Brick Lane
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  • Uma Vida Iluminada
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  • Vestida para Matar
  • Viagem do Coração
  • Vicky Cristina Barcelona
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  • Voando para Casa
  • Volver
  • Wachtman
  • Zabriskie Point