segunda-feira, setembro 28, 2009

dance me

contando estórias (3)

There is something on your mind

O ferro elétrico pesava sem colaborar na tarefa de esticar as linhas e mangas da camisa, nesse meio tempo Horácio conseguiu escutar um blues enquanto já compunha algo para tocar assim que terminasse de levar o lixo para fora de casa. Ao retornar da lavanderia, se descalçou e tirou as meias suadas, entrou em estado de alegria visivelmente interessado em escrever para Ludmila, os estudos o aguardava na pequena sala de trabalho, ali logo tratou de organizar algumas leituras que o ajudariam na pesquisa para construir um personagem significante, arrumou o material necessário ao ensaio, e também para um projeto que precisaria apresentar em pouco menos de quinze dias na universidade.

Antes de qualquer coisa, ele necessitava de um estimulante para uma empreitada que lhe exigiria horas de dedicação, uma xícara de café quente lhe cairia bem. Antecipou o momento que não dava mais para adiar, era uma coisa ainda mais prioritária que o texto a ser impresso para uma matéria do curso, pois era algo que haveria de ser gravado urgentemente, para não cair no esquecimento do sono ou no inevitável cansaço que homeopaticamente vem se encostar nas suas pálpebras meadas lá pelas altas horas, obrigando-o ir menos tarde para a cama. Isso, o revira forçando a levantar bocejante, mas determinado, inúmeras vezes para alterar uma única palavra, no mínimo, reescrever uma frase completa, um parágrafo inteiro, ou até refazer tudo sobre o assunto que estava em andamento. Uma inquietação desgastante.

Horácio sentou e coçando a barba puxou a cadeira de trabalho dando um gole rápido e prolongado queimando a ponta da língua, droga - exclamou. Aliviado, começou a experimentar uma boba aceleração cardíaca conforme desenrolava os pensamentos e a digitação mostrava a sua criação no monitor do notebook. Assim, escreveu versos e carta casando línguas diferentes:

Amada Ludmila, parece fácil ser transparente, ser íntimo mesmo, mas sabemos o quanto representa ser verdadeiro no diálogo entre amantes que se reconhecem. Você me inspira confiança para conversar sem o receio de preconceitos ou interpretações imaturas da realidade. Esse momento é delicado, lindo e de uma riqueza sem dimensão, por tudo que é importante pra gente. O desejo denuncia (pra você também?) a alegria e as intenções nada filosóficas que vão além do tempo que dispomos. Os instintos e a ternura afloram, percebo cada vez mais à flor da pele a tamanha energia que flui dos (seus) olhos, não sendo privilégio (meu) nenhum vê-la ”desabrochando” no despertar da primavera. Alguém já deve ter-lhe dito: “seus olhos estão brilhando”.

O esforço de criação do Horácio se prolongou pela madrugada, dando literalmente umas três laudas inteiras cheias de andorinhas húngaras, fecskë espaçosas. Horácio até quis propor um encontro na saída da última palestra compartilhada com ela, mudar o “script”, todavia, a vontade ficou entre os “limites que cercam o coração” diante da companhia próxima de Ludmila, e dos amigos comuns espectadores naquele instante do evento.

Estar ao lado ou em frente dela tornou-se um “jogo” prazeroso; olhá-la nos olhos o preenche tanto quanto o simples toque, e ficar juntos, então, faz esse movimento um crescente de impulsos quase impossível de se lidar impunemente. A permissão do afeto vai se tornando espontaneamente perfume, o cheiro dela invade suavemente o seu espaço, e Horácio cantarola com autonomia “Hummingbird, don't fly away", em um tom diferente das outras vozes presas em seu MP3. De repente calça os chinelos, suspende a respiração, dá alguns passos pelo corredor abrindo os braços entre uma lembrança e outra. Uma poesia surge como mais um recado para ela.

Arrasto meus dedos pelos muros

Quero escrever a poesia nas unhas

Quebro o perfume da sua ausência

Vem e castiga-me infinitamente

Óbvio, pensou Horácio, essa explosiva combinação de calor humano cabe (nem diz “pode” ou “deve”) ser aceita naturalmente, e relaxa, num jeito criativo de se presentear numa entrega interativa e (só) aparentemente “inconsequente”. Quer transitar de maneira consciente nessa linguagem subliminar, entre eles, das texturas móveis do corpo. Ele ousa imaginar fantasias ainda precoces para um tempo assim imprevisto, por que não? E conclui, do céu não passa!

Parodiando a última mensagem anônima postada por Ludmila, ele dispara um torpedo pelo celular: “um beijo delicioso e um grande abraço” que se apaga junto com o break da bateria descarregada. Nem cogita ligar, pois já é muito tarde, e Horácio quer evitar qualquer constrangimento, por motivos que só ele e ela sabem. Ele afasta-se dos livros, vai escovar os dentes já morrendo de sono, apaga a luz, deita-se em seu canto e espreguiça-se como gato. Dorme cobrindo Ludmila com um poema novo. Deixa que a curiosidade roa as unhas.

segunda-feira, setembro 21, 2009

traduzir

Raíces y alas
(Afranio Campos - trad. Suzana Outeiral)

Justo ahora sé las palabras que me huyen
Me atrevo a ser más fuerte a través de ellas, por fin
Pero me sobran pensamientos cortos enlazados
Letras trenzadas callan el silencio en mí.

Escribo sobre lo que me despedaza por dentro
Días y noches forjan sus dolores en un repente
Cuando ya no se espera es el amanecer que entra
Por la nueva ventana abierta y me cubre, soñoliento.

Cruzo puertas que ayer aún no existían
Mi camino es la orilla de una grave descobierta
Como un pez libre que presiente el desove
Salgo de las raíces y abro paso en lo que me libierta.

Más allá del miedo común al animal con instintos
Algo me protege de las piedras y de los espinos
Grito en el aire girando ligero en un carrusel de alegría
Y gano el don de posar como un pajarito.


Pausa mayor
(Afranio Campos - trad. Suzana Outeiral)

En el Solar caía un sol de tintas.
Lo que restaba era una trilla del mar
Y sus ojos de barco navegado
anclaban en una pausa del muelle,
sacando el horizonte de su lugar.

Sombras de Goya traspasaban
el pecho femenino torneado por la tarde.
Era roja la fuente de los sentidos,
el cielo y el suelo tomados de la mano,
hablaban algo para que fueran oídos.

Encontré una concha estampada en la arena,
bordes de sal en una trilla de estrellas
ofreciendo luz al distante camino
de modelos recortados de retratos,
llevados por la marea en pedazitos.

dont fly away

Hummingbird
(B.B. King)

Sometimes i get impatient
But she cools me without words
And she comes so sweet and so plain
My hummingbird and have you heard
That i thought my life had ended
But i find that its just begun
Cause she gets me where i live
Ill give all i have to give
Im talking about that hummingbird
Oh shes little and she loves me
Too much for words to say
When i see her in the morning sleeping
Shes little and she loves me
To my lucky day
Hummingbird dont fly away

When im felling wild and lonesome
She knows the words to say
And she gives me a little understanding
In her special way
And i just have to say
In my life i loved a woman
Because shes more than i deserve
And she gets me where i live
Ill give all i have to give
Im talking about that hummingbird
Oh shes little and she loves me
Too much for words to say
When i see her in the morning sleeping
Shes little and she loves me
To my lucky day
Hummingbird dont fly away


domingo, setembro 20, 2009

Andorinhas

Após assistir Budapeste:

Andorinha Um: "Escrever poesia é desabar por dentro". É renascer nos sentimentos.

Andorinha Dois: O amor é o melhor motivo de se ficar junto, embora, nem sempre assim aconteça.

Andorinha Três: De toda maneira, melhor ser um poeta anônimo que um poeta sem tinta, sem sangue, sem história.

Andorinha Quatro: Difícil como fazer poesia em outra língua que não a própria, só o inevitável jeito de escrever com acentos e sotaque.

contando estórias (2)

Palavras de Rita: "Só os canalhas é que falam que estão apaixonados".

Certa tarde, Horácio parecia preso em sua cadeira giratória buscando no Google informações muito complexas para uma simples leitura vespertina, daí como se quisesse se desprender delas se voltou para a sua esquerda, numa intenção, ficando de frente para sua amiga de pesquisa provocando-a com perguntas sobre as mudanças nos padrões de relacionamento entre as pessoas mais jovens. Numa conversa despretensiosa fui esmiuçando suas idéias e instigando a "pretty girl" de vinte e quatro anos a responder o que pensava sobre os relacionamentos de seus conhecidos, ou melhor, dos garotos e das garotas do seu tempo. Horácio considerou tudo para si mesmo, sem comentar, que muitos “jovens de meia idade”, da idade dele, também passaram a agir tal qual os jovens da turma da sua amiga. Muitos gatos pardos na noite da cidade.

O interessante nesse diálogo é que Horácio esperava não parasse por ali, o que trouxe uma inusitada curiosidade mergulhando os dois numa troca de impressões, para ele, de como os jovens “aprendizes” de estratégias e de jogos de conquistas agiam realmente para serem felizes. Para ela, objetiva, de como se acham preparados para os relacionamentos e o conhecimento dos seus novos parceiros.

Nessa fase emocionante o que impressiona é que tudo está acontecendo num passar de olhos rápidos, o raio-x do interesse se dá como numa caçada absolutamente racional, pretensamente planejada, uma “pegada” que não caminha, voa, e a rapidez do desinteresse pelos parceiros da mesma forma. Os processos deflagrados mistura tudo, o que é percepção se dobra ao instinto, e todos se encontram num caldeirão de êxtase que chega às raias do que parece impossível, inimaginável ao escritor de ficção, sem dúvida nenhuma fazendo um “dinossauro” como ele, Horácio, mais um “deliquente de meia idade”, se sentir subitamente “um objeto útil”, frente à velocidade alucinante como as coisas acontecem.

O interesse em uma relação, pelo o outro, sem a presença dos tabus, valores, padrões e limitações de gerações anteriores abriu novas e tantas possibilidades, de criativas relações (pegante, ficante, amaciante, beijante, etc), e as meninas incorporaram com impressionante maestria o que os rapazes já faziam há tempos. Uma amiga coleciona uns cinco namorados, ela ressaltou. Na cabeça de Horácio tudo passou a ter um certo sentido, o mostrar-se sincero nas emoções, dizer-se apaixonado, se tornou uma coisa perigosa demais no jogo da conquista, do “querer ter” sem medida, o interesse pelo outro vai até o limite do mistério, do prazer anônimo, alguma revelação essencial, do pulsar interior, da emoção espontânea, do sentimento romântico pode acabar todo o encantamento, o entusiasmo hormonal é delicado e sutil, pode não sobrar nada para dar continuidade a pretendidas descobertas do que o outro possa se tornar na sua fantasia, o desejo introduz a todos por uma enorme “selva de epiléticos”, da lei que impede qualquer vacilo sentimental. Ser romântico é como se apresentar nu na porta do outro, ser “bobinha” é apenas uma tática excitante, mas sem ser desinteressante para quem não pretende se sentir “preso” ao outro real, separado da couraça, dos cinturões que amarram a boca do coração. Falar que está apaixonado é fatal. A fila anda. Só os canalhas falam isso. Dar flores é cair no lugar comum. Pode ser um truque! Ela foi taxativa em suas impressões apesar de sua bagagem "leve" de vida.

A “grande ilusão” se aquece com ou sem a luz do sol. Os paradigmas mudaram nessa seara, e Horácio procura sentí-la e entender. O que não quer dizer que ninguém mais se perceba, mesmo sem querer, andar nas nuvens, nos braços da desenraizada emoção humana, se entregando a uma “paixão de lagartixa”, e parar num vendedor de flores pensando nela. Longe disso, na vida essas loucuras ainda acontece.


sábado, setembro 19, 2009

uvas da pele

Tuas mãos
------(Pablo Neruda)

Quando tuas mãos saem,
amada, para as minhas,
o que me trazem voando?
Por que se detiveram
em minha boca, súbitas,
e por que as reconheço
como se outrora então
as tivesse tocado,
como se antes de ser
houvessem percorrido
minha fronte e a cintura?

Sua maciez chegava
voando por sobre o tempo,
sobre o mar, sobre o fumo,
e sobre a primavera,
e quando colocaste
tuas mãos em meu peito,
reconheci essas asas
de paloma dourada,
reconheci essa argila
e a cor suave do trigo.

A minha vida toda
eu andei procurando-as.
Subi muitas escadas,
cruzei os recifes,
os trens me transportaram,
as águas me trouxeram,
e na pele das uvas
achei que te tocava.

De repente a madeira
me trouxe o teu contacto,
a amêndoa me anunciava
suavidades secretas,
até que as tuas mãos
envolveram meu peito
e ali como duas asas
repousaram da viagem.


quinta-feira, setembro 17, 2009

contando estórias (I)

A alergia dos signos

Saí rápido do salão indo até o corredor, sentei calmamente para calçar os tênis evitando contar os minutos da espera, sentido certo de que teria mais um encontro prazeroso com Ludmilla, ela me reconhece intimamente e o coração bate acelerado no seu tempo.

Repentinamente Ludmilla aparece na área, levanto a cabeça ao vê-la e começamos a papear na freqüência e intensidade das sinapses elétricas de nossas células. Pra-ra-ti-bum, raios, sinos, o relógio pára. Existe algo valioso entre a gente. O olho não mente quando o coração dispara e provoca o espírito da coisa e o instinto indefectível da carne.

-Você está melhor da alergia (respiratória)? Melhorou da tosse? Fui puxando assunto.

- Sim. Ela respondeu.

Continuei: Eu tive que me tratar quando criança, sempre sofri de alergia (das vias respiratórias)... nós os geminianos - quis pôr a cor dos nossos signos na idéia, sabendo que nascemos quase no mesmo dia, um ontem e o outro hoje -, temos essa característica de somatizar as emoções, uma tendência de sofrer com as alergias trazidas pelas vias aéreas - pensei em falar da terapia como uma responsável pela revolução do meu metabolismo, da renovação da vida e a auto-regulação propiciada, quando mudei meu pensamento complementando minha atitude de maneira diferente, consequência da criatividade, da poesia presente na gente -, mas, temos (nós geminianos) outras benesses, não é?

Ludmilla de imediato completou:

- É, ser (muito) volúvel. E sem dizer mais nada Ludmilla desceu rapidamente os degraus em um inusitado silêncio que ficou no ar me deixando na esperança de abraçá-la mais uma vez.

Fátima que havia “pegado o bonde andando” caiu de pára-quedas e emendou o texto de Ludmilla fazendo uma alusão acintosa, relacionando o modo de ser de meu astral geminiano (o mesmo signo de Ludmilla) ao (um suposto comportamento) “volúvel” ou “muito volúvel” que tinha acabado de ouvir. Uma intervenção no mínimo estranha.

- Ela está falando dela. Comenta Ana Clara convicta e com “ar de psicanalista” atenta às palavras soltas (que na maioria das vezes “de solta não tem nada”) ditas com naturalidade por Ludmilla, mas que para nossa percepção representou um claro lapso.

Mas Fátima retruca com sua perspicácia querendo indicar que foi uma observação óbvia sobre o “volúvel” eu mesmo. Ela como minha melhor amiga sabendo de histórias passadas de certas relações que não guardo segredo pra ninguém, logo ela que considero demais, apontava um fogo amigo poderoso e oportunamente disparado nessa ocasião. Deduzi pelo reforço na expressão dela, apropriada a situação, ao parecer se eximir da autoria temperada com uma pitada de poison, diferente da colocação feita anteriormente por Ludmilla, agora estava mais que munida de inerente “achometro” distorcendo a conotação da palavra “volúvel”, a qual se transformou numa implícita e forte indicação valorativa direcionada ao meu apaixonado coração geminiano. O que Fátima queria informar com esse julgamento?

Em uma sintonia original Ana Clara ratificou: Não falei de você Fátima, não me referi a você quando disse “ela falou dela” (como volúvel) e sim, falei do que ela (Ludmilla) disse mesmo pra si, numa referência (hum) tanto quanto terapêutica que diz: ao falarmos do outro estamos sim, nos revelando.

Levantei apressando os movimentos descendo as escadas tentando acompanhar Ludmilla, a chamei com a voz meio nervosa em um tom agudo suave mesclado de sorrisos:

- Isso é uma séria colocação... Ludmilla, pera aí, venha cá! Insisti. Mas ela se foi, entrando na noite úmida, reparei que logo foi acolhida por alguém que a esperava do outro lado da rua.

Respirei. Pausa. Só pretendia esticar um pouco mais o nosso papo gostoso, de admiração mútua e instigante, numa maior aproximação de nossas energias. A lua nos ignorou passando pela emoção daquele curto instante de nosso encontro interrompido.

Fátima também já chegara ao térreo se distanciando, eu e Ana Clara combinávamos uma “carona” minha, a pé, até o seu carro.

Daí pensei:

Existiu uma acusação fria, de ser volúvel? Seria uma direta fatal (segundo Fátima, em seu papo reto), ou não passou simplesmente de uma declaração contextualizada sobre o jeito de amar dos geminianos?

Sei que possivelmente posso estar errado na interpretação, dessa coisa de ser o destinatário do “volúvel”, mas de uma certeza eu tenho, indubitavelmente escrevo aqui sobre essa condição inverossímil, nesse momento:

- Declarar “eu te amo”, confessar estar apaixonado faz tanta diferença, detona uma força atômica orgânica. E digo e repito de uma única vez por todas, quando mudo meu taco de direção (pois confio nele), é porque tomei todo o cuidado na completa confirmação de que o outro (o “feminino”) não está em sintonia de nenhum diálogo afetivo. Um não como razão, é sinal de ficar fora da parada, considero um não, um não. Respeito profundamente as escolhas, nem aprofundo em nóias. No máximo roubo um beijo para jogar uma pá de cal (se acontecer a rejeição) e descomplico o processo abrindo espaços; posso sofrer com minha liberdade de opção, sem evitar buscar superar meus processos, para continuar vivendo sem a dúvida que trava o crescimento, tentar ser mais feliz com minhas próprias asas, amar como animal saudável e caminhar por outras praias com sentimentos sem as pedras do rancor ou ciúmes que pesem. Leve desenlaço. Afinal, diz-se que coração dos outros é terra que ninguém anda, só se sente, e é importante permanecer bem se for verdadeiro! O que mais posso dizer?

quarta-feira, setembro 16, 2009

desafinados

Próximos

Ouço você cantando desafinado
Não conheço ainda sua música
Mas acho isso muito atraente

Me dá o motivo mais estranho
Que me provocam as críticas
Mas há outros que te chamam

Dançamos ligados numa química
Os sorrisos nascem do improviso
Nada me faz sentir melhor o dia

Nenhum barulho nos detém
O momento cresce sendo o que é
Adivinhamo-nos ao surpreender

Ensejo de insones pensamentos
Viajamos juntos até aonde dá
Apertamos a pele e o conteúdo

Desenhando caminhos que falam
Nos acolhemos no reconhecimento
Nós merecemos o que desejamos


segunda-feira, setembro 14, 2009

a música me traz


Curvas de Fá

Ouço notas musicais na sua gravidade e calibre
Uma atração aquecida vem de você e me desafoga
Em mergulho de pássaro toco o seu instrumento

Estórias de viagens te acompanham por estações
Gente mudando de lugar e humor constantemente
A cada virada te vejo em correntezas que banham

Passo a sonoridade dos meandros de sua nascente
Caudalosamente solta me bebe no gargalo e dança
Sereia de espuma revira meus órgãos em pimenta

Conheço os perigos de atalhos e curvas chapadas
Quando o que mais interessa é expandir a vida
Ausência na paisagem que a favor se modifica

Íntima confissão me traspassa e revela a alma
Corpo magro moldado ao chão flui em água bruta
Livre de malas prontas rumo ébrio ao que sou


clari-dade

"Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre."

Clarice Lispector

sábado, setembro 12, 2009

contornos



Mariposa

Com uma fome que morre no corpo
Uma visão que se impõe sempre latente
Abundância de vontades que por vezes
Tende à percepção de um calor ausente

Ao lhe tomar a matéria e os contornos
O ser incomodado se ateia suspenso
Insensatez em inspiração que quer sempre
Uma viagem decisiva seja para o que for

Ritmo de paixão térmica do caos à ordem
Lembrança viva de paisagens em músicas
Esquenta as cordas que rodam o coração
Se vai bêbada a mariposa sequiosa de luz


sábado, setembro 05, 2009

íntima

Dança da Vida

Na dança da vida não sou mais um ser qualquer
Achei-me em um a mais que nós dois somente
Pela identidade encontrada em conchas e algas
Sou miríades de cerejas minando de estojos

Cascas que desfolham bailarinas entre sóis
Uma linguagem de nossos átomos em conexão
Dançamos serpenteando embolados e certeiros
Despojados como hipopótamos em altura e peso

Até nos sentirmos à vontade num vôo com o outro
Suamos em tranças de distintas e claras percepções
Quase retos na difícil arte dentre muitas a despertar
Ao largar os cacos das louças internamente quebradas

Tendência em existir num sentido incomensurável
No melhor dos tempos se permitindo durar no pouco
Outros são desenhos e letras que se desfazem desbotados
Justo por não aceitar o real presente do bordado novo

Acertamos o que as horas a passos largos trazem do dia
Percebendo as qualidades e virtudes que nos invadem
Reconhecendo tensões e matérias que nos impedem
Dançar a vida que nos atrai por relações diversas

Como animais imersos no viço da emoção humana
E erros por não fazer o que é próprio a natureza
Mesmo sabendo que o tempo é uma coisa viva
Que não deixa confundi-lo com o relógio que criamos

Nossas vivências provam o que o corpo encobre
Quer se estender no mesmo espaço raro dos atos
Dando voltas de costas no dorso de suas costas
Quando a cabeça deita no ombro uma linda lua


terça-feira, setembro 01, 2009

geração Internet

Tantas coisas virtuais

Outro dia, encontrei com uma representante autêntica da geração que viveu sua adolescência na mesma época da adolescência da Internet, e numa conversa sobre amenidades me caiu na idéia puxar assunto sobre um tema muito atual: o uso do computador no dia a dia. Seja para estudos, trabalho, na busca frenética de informação, ou para atualização, troca ou o envio de email, blogs, podcasts, e as então usuais mensagens rápidas, scraps, chat etc etc; nesse papo instigado, inesperadamente ela disparou uma frase especialmente significativa, a qual me pareceu muito expressiva de sua imatura experiência com a tecnologia, claro, vindo da parte de quem quase passa naturalmente boa parte das horas de sua vida debruçando-se rotineiramente sobre o teclado de uma máquina que a criatividade do homem “soprou” e "ganhou vida" para elevar o seu potencial poder de gerar o “estado da arte”. Alguns lidam positivamente, produtivamente, outros nem tanto, duram viciosamente, com tudo o que se tornou praticamente uma maneira de intercomunicação, imprescindível, mais uma “companhia” que se consuma concreta para milhões de internautas. Uma verdadeira malha de “pontes digitais” de relacionamentos entre pessoas e entre pessoas e objetos, que se vêem cada vez mais virtuais e "impessoais".

As palavras dela que ficaram em meu bloco de notas: "usar outro computador que não o meu é igual a dormir fora de casa, é como mudar de namorado".

Sorri e as fixei no meu interesse visível pelo significado essencial da colocação emocionalmente evidente, e nas minhas divagações quanto ao que representa na realidade atual o computador pessoal, num mundo digital que se constrói a cada segundo e que se desenvolve aceleradamente. Para os milhões de usuários e a cada hora mais adeptos, novos proprietários desse "objeto pessoal": o computador. Meio para muitos, um fim para outros muitos, canal integrador, objeto inclusivo social se bem utilizado, útil, visão prática de ponto a ponto do mundo tecnológico da informação, presente na teia do nosso cotidiano como principal “transporte cibernético do conhecimento” da atual e das futuras gerações.


segunda-feira, agosto 31, 2009

ver (des) envolvimento

Desenvolvimento sustentável é estratégico
Agencia Estado, 30/08/2009 às 14:58

Em discurso na cerimônia da sua filiação ao PV, a senadora Marina Silva (AC) evitou hoje fazer críticas ao PT, partido do qual saiu no dia 19, depois de 30 anos de militância. Marina disse enxergar no PV espaço para mostrar que o desenvolvimento sustentável é estratégico para o Brasil e para o planeta. "Está germinando uma nova forma de produzirmos a base material da nossa existência", afirmou.
Marina disse que começou a pensar na proposta de filiação ao PV quando lhe ofereceram uma oportunidade de mudança programática do partido. "Comecei a me expor sobre a possibilidade de saída (do PT)", lembrou. "Muitas pessoas me perguntavam: Por que não permanece no PT para o embate interno? Aí eu vi que meu trabalho não era de convencimento, mas de atuar ao lado de quem está convencido daquilo que o mundo inteiro também já está convencido", afirmou, referindo-se ao tema da sustentabilidade.
A senadora citou a crise financeira internacional para destacar a importância do debate sobre a sustentabilidade. "Existem hoje duas crises, uma é a econômica e outra é uma crise ambiental sem precedentes", afirmou. "A segunda é mais grave. Se não resolvermos a crise ambiental, qualquer saída para a crise econômica será uma falsa saída. Chegamos à era dos limites."
Marina, pelo menos na cerimônia realizada pelo PV numa casa de eventos no bairro de Pinheiros, zona oeste da capital, demonstrou não ter mágoas do PT. "Tenho 30 anos de militância dentro do Partido dos Trabalhadores", afirmou. "Com outras pessoas, sonhamos, aprendemos. Sofremos alguns constrangimentos por erros de poucos. Não venho mais com a ilusão do partido perfeito." Ela comparou sua saída do PT ao convívio familiar, quando umfilho deixa a casa dos pais mas não deixa de fazer parte da família. "Estou saindo para fazer uma outra casa, para morar talvez na mesma rua, no mesmo bairro, na mesma vizinhança", afirmou.
Ao analisar sua mudança do PT para o PV, Marina se emocionou. Disse que tinha preparado um discurso, mas percebera que era "um momento de falar com o coração". Para "homenagear" seu passado, citou uma frase de um conto de Guimarães Rosa. "Será que você seria capaz de se esquecer de mim, e, assim mesmo, depois e depois, sem saber, sem querer, continuar gostando? Como é que a gente sabe?" Para homenagear seu futuro no PV, preferiu Santo Agostinho: "Tarde vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova, Tarde vos amei ! Eis que habitáveis dentro de mim, e eu lá fora procurando-vos!".

alternativas ?

Marina Silva, um novo olhar sobre o Brasil
por Leonardo Boff

Erram os que pensam que a saída da senadora Marina Silva do PT obedece a propósitos oportunistas de uma eventual candidatura à Presidência da República. Marina Silva saiu porque possuía um outro olhar sobre o Brasil, sobre o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo que identifica desenvolvimento com crescimento meramente material e com maior capacidade de consumo. O novo olhar, adequado à crescente consciência da humanidade e à altura da crise atual, exige uma equação diferente entre ecologia e economia, uma redefinição de nossa presença no planeta e um cuidado consciente sobre o nosso futuro comum. Para estas coisas a direção atual do PT é cega. Não apenas não vê. É que não tem olhos. O que é pior.
Para aprofundar esta questão, valho-me de uma correspondência com o sociólogo de Juiz de Fora e Belo Horizonte, Pedro Ribeiro de Oliveira, um intelectual dos mais lúcidos que articula a academia com as lutas populares e as Cebs e que acaba de organizar um belo livro sobre “A consciência planetária e a religião”(Paulinas 2009) Escreve ele:
“Efetivamente, estamos numa encruzilhada histórica. A candidatura da Marina não faz mais do que deixá-la evidente. O sistema produtivista-consumista de mercado teima em sobreviver, alegando que somente ele é capaz de resolver o problema da fome e da miséria – quando, na verdade, é seu causador. Acontece que ele se impôs desde o século XVI como aquilo que a Humanidade produziu de melhor, ajudado pelo iluminismo e a revolução cultural do século XIX, que nos convenceram a todos da validade de seu dogma fundante: somos vocacionados para o progresso sem fim que a ciência, a técnica e o mercado proporcionam. Essa inércia ideológica que continua movendo o mundo se cruza, hoje, com um outro caminho, que é o da consciência planetária. É ainda uma trilha, mas uma trilha que vai em outra direção”.
“Muitos pensadores e analistas descobriram a existência dessa trilha e chamaram a atenção do mundo para a necessidade de mudarmos a direção da nossa caminhada. Trocar o caminho do progresso sem fim, pelo caminho da harmonia planetária”.
“Esta inflexão era a voz profética de alguns. Mas agora, ela já não clama mais no deserto e sim diante de um público que aumenta a cada dia. Aquela trilha já não aparece mais apenas como um caminho exclusivo de alguns ecologistas, mas como um caminho viável para toda a humanidade. Diante dela, o paradigma do progresso sem fim desnuda sua fragilidade teórica e seu dogma antes inquestionável ameaça ruir. Nesse momento, reunem-se todas as forças para mantê-lo de pé, menos por meio de uma argumentação consistente do que pela repetição de que “não há alternativas” e que qualquer alternativa “é um sonho”.
“É aqui que situo a candidatura da Marina. É evidente que o PV é um partido que pode até ter sido fundado com boas intenções mas hoje converteu-se numa legenda de aluguel. Ninguém imagina que a Marina – na hipótese de ganhar a eleição – vá governar com base no PV. Se eventualmente ela vencer, terá que seguir o caminho de outros presidentes sul-americanos eleitos sem base partidária e recorrer aos plebiscitos e referendos populares para quebrar as amarras de um sistema que “primeiro tomou a terra dos índios e depois escreveu o código civil”, como escreveu o argentino Eduardo de la Cerna”.
“Mesmo que não ganhe, sua candidatura será um grande momento de conscientização popular sobre o destino do Brasil e do Planeta. Marina Silva dispensará os marqueteiros, e entrarão em campanha os seguidores de Paulo Freire”.
“Esta é a diferença da candidatura Marina. Serra, do alto da sua arrogância, estimula a candidatura Marina para derrubar Lula e manter a política de crescimento e concentração de riqueza. Lula, por sua vez, levanta a bandeira da união da esquerda contra Serra, mas também para manter a política de crescimento e de concentração da riqueza, embora mitigada pelas políticas sociais”.
“Marina representa outro paradigma. Não mais a má utopia do progresso sem fim, mas a boa utopia da harmonia planetária. A nossa visão não é restrita a 2010-2014. Estamos mirando a grande crise de 2035 e buscando evitá-la enquanto é tempo ou, na pior das hipóteses, buscar alternativas ao seu enfrentamento.
É por isso, por amor a nossos filhos, netos e netas, temos que dar força à candidatura da Marina. E que Paulo Freire nos ajude a fazer dessa campanha eleitoral uma campanha de educação popular de massas”.
Digo eu com Victor Hugo: ”Não há nada de mais poderoso no mundo do que uma idéia cujo tempo já chegou”.

(*) Leonardo Boff é teólogo e autor do livro Que Brasil queremos? Vozes 2000.
Fonte: EcoDebate, 31/08/2009.

domingo, agosto 30, 2009

é preciso

Permanecer

Até onde nosso olhar se estende
Inesperada dança viva de entregas
Ainda que pareça simples e singela
Vamos em passos que se aprende

Mãos entreabrem visões distintas
Nossos rostos se mostram profundos
Risos nascem de nossa cara criança
Por alguns minutos refazemos tudo

Somos transformação abraçando a vida
Queremos limpar o musgo das unhas
Brilhar livres às intimas galáxias
Que permanecem internamente juntas


nessa

Grande Viagem

Agora entre limites que rasgam o coração
Já não sou o mesmo de quando te conheci
Alguma química mudou o humor dos dias
Reparo no encanto das palavras ao seguir

Como os sonhos chegam bem perto assim
Velejo desgarrado de todo peso do passado
Costurando uma roupa que cai bem em mim
Pois é leve o ar das mudanças que trazem

Uma paixão que queima conta outra história
Em vôo rasante minha sorte está batendo
Repetindo o tom de uma idéia desenhada
Dispo-me do que não cabe mais aqui dentro

Solto um suspiro pelo prazer da grande viagem
Quero alcançar aquela fonte que me espera
Avanço com todo espírito que me preenche
Num reflexo rumo ao horizonte feito flecha


terça-feira, agosto 25, 2009

último ato

imagem em metal de Joaquim Luiz Mendes de Almeida

Mar e Naufrágios

A praia exibia montinhos de areia fina e branca
De repente uma onda derramou-se em espuma
E pinceis da natureza misturaram os horizontes
O mar fez-se céu e o sólido chão moveu-se em dunas

Mergulhamos em ângulos feito gaivotas soltando asas
As cores de nosso sol reviraram arco-íris em calda
Nossa pele cochichando em línguas soltas e variadas
Nos movimentos do sexo nossos corações cavalgavam

Gostosuras criando formas de navegar sem regras
Entrelaçados no prazer de remar com as mesmas mãos
E pés fincados nos próprios pés para deslizarmos tortos
Nos vários naufrágios resgatados por insaciável paixão

Como aguardar por essa brisa da manhã despertada
Sem saber para onde correria nosso perpetuo balão
Acordamos trôpegos sob planos de viver o agora
Leves de certezas nos enchemos de mútua admiração

Vimos mudanças em vagões alados sobre trilhos
Brincamos na superfície de uma lâmina da vida
Para comer e beber das horas de nosso trabalho
E nos acharmos numa estrada de viagem indefinida


recursos naturais

Chegada de mineradora em Caetité divide opiniões
por Emanuella Sombra

À beira da estrada, no distrito de Brejinho das Ametistas, em Caetité, o lavrador José Francisco da Silva pede carona. Havia andado cinco léguas – ou 30km – até ali, vindo de sua propriedade. Para chegar à sede do município, onde tinha marcada um cirurgia na vesícula, seriam outros 28 km. Dois ônibus quebrados em um posto próximo dimensionavam a dificuldade da tarefa. “A gente vive há mais de 40 anos em cima de um morro de pedra onde só pousa urubu”, lastima o baiano de sotaque amineirado.

Próximo à divisa entre Bahia e Minas Gerais, a 757km da capital baiana, Caetité tem um imbróglio nas mãos. De um lado, a chegada da mineradora Pedra de Ferro, empreendimento que em 15 anos deverá extrair do subsolo algo em torno de 15 milhões de concentrado do minério.

Do outro, Igreja Católica e ambientalistas denunciam impacto ambiental e crescimento desordenado na região, além de uma pressão psicológica, já existente, para que agricultores vendam suas terras. Possibilidade que, aos olhos de José Francisco, passa longe de ser compulsória. Minutos de conversa, e um quase delírio: “Se quisessem comprar minha terra eu vendia era correndo”.

A especulação imobiliária de que são alvo moradores da zona rural daquela cidade e da vizinha Pindaí ainda não lhe bateu à porta. Do compadre, que deixou a casa depenando-lhe as telhas, recorda o que disse. “Zé, agora eu tô é rico”. Do padre, contrário ao êxodo “forçado”, o sertanejo desdenha: “Queria ver é ele morar aqui”.

Em fase de licenciamento, o projeto carrega a marca da Bahia Mineração (Bamin), controlada pelo investidor indiano Pramod Argawal e pela ENRC, do Cazaquistão. Em troca da promessa de 4 mil empregos na construção da mina – reduzidos a 1,3 mil na fase de extração – Pedra de Ferro se beneficiará de 765m³ de água/hora do São Francisco, canalizada por 150 km de um duto até Malhada (BA).

Uma hipótese para o escoamento do ferro é a concretização da Ferrovia Bahia Oeste, entre Ilhéus (Ba) e Alvorada (TO). Apesar de já possuir outorga prévia da Agência Nacional de Águas (ANA) para extração no Velho Chico, a Bamin não tem o apoio de ambientalistas.

Fonte: A Tarde on Line CIDADES 16/08/2009 às 21:19 ATUALIZADA EM: 17/08/2009 às 11:44

quantos lêem?

Folheando

Livros que nunca caducam
Livros que se perpetuam
Livros de loucos geniais
Livros que serão e foram tidos
Antes, durante e depois vício

Quando guardados aonde for
Vão expor cada alma livre
E desfolhar-se em sonhos
Agitar-se em praças e celas
Imaginados nossos sempre

Que cada mão os deseje
Prova de não se verem técnicos
Com certeza nem de auto ajuda
Sem jamais serem esquecidos
Nem de se tornarem velhos

Porque parte permanecem todos
De nossa dança da vida
Quem lê e escolhe o que ser
Um pedaço de cada história
E de cada insônia vazia

Substituto de Deus e vinhos
Também um cobertor à mão
Livros que permanecem cheios
De perguntas nuas e idéias vãs
Livros que temos na cabeceira

segunda-feira, agosto 24, 2009

prosa

Andar ereto
por Viviane de Santana Paulo

Houve aquele domingo da semana, sem saber ao certo o que fazer a mãe ficou feliz com a espontânea idéia de ir ao zoológico com as crianças — programa perfeito para um domingo sem planos. As crianças estavam animadíssimas, empolgadas em ver o leão, o urso polar e os macacos. Foram de carro, suas duas filhas e os dois filhos da vizinha, o marido ficou em casa, reparando alguma coisa no computador, um vírus de última hora se alastrando na sagrada paz do domingo, não houve remédio, o homem teve de ficar sentado em frente à tela eletrônica.
É uma grande vantagem não haver trânsito nas ruas, elas adquirem uma outra aparência, temos a impressão de estarmos em uma outra cidade ao depararmos com o sossego superficial e as ruas momentaneamente desabitadas.
Um repentino bem-estar apoderou-se da motorista cantando uma música infantil com as crianças, dirigindo o automóvel, atravessando uma metrópole infestada de civilização duvidosa. Ela logo arrumou um lugar no estacionamento, não estava cheio, não se sabe o que as famílias ficam fazendo nos domingos ao invés de levarem os filhos ao zoológico. Ah, talvez estivessem em casa, assim como seu marido, consertando o computador. A mãe comprou o sorvete na entrada e todos seguiram para dentro do parque, bem próximos uns dos outros para não se perderem.
Havia a jaula estreita da pantera andando de um lado para o outro, quase não havendo espaço para dar a volta com seu corpo negro e selvagem e ela fitava as grades de aço passando verticais pelos olhos felinos e verdes. Como se não houvesse nenhum mundo por trás das grades e não havia, porque o mundo que se tem é aquele no qual se vive.
Eva estava agora diante da jaula dos macacos, viu uma fêmea amamentando o filho. Quantas vezes não se sentou assim com a Maria no peito? Mas aquela não era ela, era um animal, um mamífero, que dá leite às crias, mas não as levam à escola. Riram com os macacos, da semelhança que possuem com os seres humanos e porque não limpam a bunda. A fêmea fez um carinho no filho. Repararam que do outro lado do habitat um velho macaco pegava no sono deitado numa rede, os pequenos olhos abriam e fechavam, ele olhava sonhando para as crianças. O macaco estava nesse zoológico já havia alguns anos, depois que escreveu o tal relatório para a academia, deram-lhe um monte de medalhas, de prêmios, e o deixaram em paz. Porém, logo viram que ele vivia muito em paz e resolveram lhe tirar as medalhas, os prêmios, e o colocaram na jaula dos macacos para ser igual aos outros. Temos que fazer parte de nossa espécie e ser como ela e não rebelar-se ou mostrar superioridade. Foi esse o argumento usado para o processo de regressão doAffe. Contudo, ele demorava-se a ficar igual aos de sua espécie, continuava inteligente e escrevendo as esconsas. Os manuscritos eram sabotados para fora da jaula e publicados sob pseudônimo nos jornais. De resto, ele dissimulava que era igual aos outros e os homens sabiam que ele dissimulava e que ele sabia que eles sabiam que era simulacro.
A arte de viver é também fingir não conhecer a verdade, seguir mostrando que o que sabemos é somente aquilo que exigem de nós, o que é permitido, outra coisa é fuga, o risco de sobreviver por si só, de ser livre; fingir que não estamos cientes de os outros de nossa espécie saberem que simulamos a verdade. Enfim, tudo se resume em um fingimento e a verdade em si se perde em alguma fresta dessa encenação, da hipocrisia.
Eva não se recordava muito bem, mas havia lido algo do macaco no jornal. Engraçado, com tantas coisas para fazer, não conseguia se lembrar do tema, tinha apenas certeza de ter sido um desses escritos levados para fora do zoológico. Os leitores conheciam o dilema, liam os artigos impregnados de desespero apático, sabendo que era injusto, mesmo assim ninguém fazia nada pelo macaco. Deixaram-no abandonado à sina de ser ele próprio.
A míope ajeitou os óculos na cara, viu que estavam sujos, tirou-os, limpou-os na barra da blusa, e colocou-os novamente. Muitos não haviam lido o tal do relatório, senão esse animal não estaria ali, atrás da jaula de vidro cheia de plantas e cipós, de onde os macacos nos olham sem entender o quanto somos esquisitos, selvagens e falsos com nossa espécie e com as outras.
Estavam agora em frente à jaula do orangotango, Eva reparou que os pêlos meio alaranjados estavam sujos e refletiu sobre a sorte que ele teve de ser absolvido, os crimes cometidos na rua Morgue foram perdoados. Afinal... não passava de um animal que não sabe o que faz.
E Eva continuou pensando que, há milhões de anos, se não tivéssemos nos levantado, estaríamos como eles. Foi o andar ereto a grande chave do desenvolvimento, a partir daí iniciou-se o vôo rasante para o futuro imprevisível e inerente, em linha reta ao progresso humano, à solidão e ao isolamento. Porém, a partir daí procura-se o distanciamento do mundo animal. O homem se colocou num ápice, cada vez mais evidente, onde somente ele é o soberano e tenta negar a si próprio. O andar ereto para o futuro desconhecido, contra a parede, as grades da jaula estreita.
Eva andava ereta, com o corpo de fêmea que havia parido, os seios caídos amparados pelo sutiã, os quadris largos, as celulites nas nádegas, a barriga flácida, o excesso de peso inchando os pés pequenos. Estavam no caminho que ia dar no viveiro dos pássaros: gaivotas; araras coloridas; tucanos curiosos; papagaios verdes e amarelos, e tagarelas; revoada de periquitos... Pareciam tão livres, tão livres...! Batiam as asas e alguns se sustentavam no ar: tão leves, tão leves... e soltos ali dentro. Habituaram-se porque quando não há outra possibilidade, a única sobrevivência é adaptar-se ao que se vive no momento. E o homem se adapta com rapidez! Os animais demoram mais, alguns acabam morrendo. Não estes que já estavam habituados à restrita imensidão, ao azul do céu engradado e à brisa trazendo, de vez em quando, o cheiro do distante.
Em seguida pegaram um atalho para irem ao habitat do jaguar onde uma pomba obstruía o caminho estreito e não se movia com os movimentos espalhafatosos das crianças, os gritos e risos altos. A pomba inofensiva e insistente, fitava arrulhando aqueles seres humanos, amedrontando passantes de um caminho corriqueiro. Mas ela não era o Noel, não ficaria ali estarrecida e ameaçada, pensando em tudo que poderia ter sido e não foi e no abismo que havia entre ela e aquela espécie. Pegou as crianças pela mão e foi decidida em cima do estorvo. A pomba que desse passagem e não ela! Porém, a ave não saiu do lugar, mesmo tendo os pés das crianças quase em cima da cabeça. As crianças riram e em seguida ignoraram a pomba, esqueceram o episódio, queriam ver o jaguar que era muito mais interessante do que uma simples pomba cotidiana e doméstica.
Eva deu a volta, as crianças a seguindo, juntas, para não se perderem no enorme zoológico tranqüilo de um domingo à tarde, com os pais na frente do computador, por causa de um vírus infectando os costumes e rituais de antigamente. E o jaguar que havia andado pela imensa floresta do equador, salvado Antonio José Bolivar, estava mancando, dava para ver quando se levantou para ir comer o alimento que os funcionários lhe ofereceram. As crianças ficaram com muita pena dele. Melhor sair daqui, ir para outro bicho menos fragilizado! Porque não queremos a fragilidade, buscamos a força e nos esquecemos que uma depende da outra, para entrelaçar-se e formar uma coisa só.
Chegaram então na jaula da mula-sem-cabeça jorrando fogo pelo pescoço, cavalgando num cercado sem mato e capim e defecando crenças que lhe introduziam pescoço abaixo, como se enfia uma pá de carvão no forno. Impressionante como modernizaram seu habitat: um vidro à prova de fogo e escuro, lá dentro as noites de quinta-feira, os pecados da carne da mulher e a infidelidade dos sacerdotes.
No habitat do boto a água turva do Rio Negro reluzia a pele rosa. Ele nadava com tanta desenvoltura e sorria atrás do vidro do gigantesco aquário. Aquele sorriso incrustado no focinho. Há espécies que são assim: carregam esse sorriso incrustado que não desmancha nem quando estão tristes ou odiando ou falecendo. E, enquanto todos se certificam de sua felicidade, eles se corroem por dentro cada vez mais e o sorriso ficando ainda mais evidente.
Ali estavam no covil das anacondas. Eva se lembrou da manchete dos jornais sobre o regresso da anaconda que fugiu do zoológico. Depois de ter conseguido a liberdade, caiu nas garras da selva que não era mais a mesma. Veio um homem, depois outro e mais outros e a selva se tornou outra coisa. A anaconda não reconheceu mais sua pátria e regressou ao cárcere voluntariamente. Isto também acontece, quando cerceiam a confiança no nosso mundo, desmatam aquilo que tanto conhecemos e que faz parte de nossa natureza. Foi uma sensação! Todos queriam visitá-la, recebeu um habitat maior, mais alimento e aquele respeito indevido, do qual era obrigada a usufruir, porque o respeito maior e autêntico seria a selva, mas esta já lhe era há muito inacessível.
Havia também os filhotes da imensa anaconda, que havia sido a rainha da selva, e que morreu com um tiro na cabeça, quando certo vaporzinho passava pelo rio Paranahyba. O passageiro avistou, de longe, o réptil na margem do rio, e atirou, acertando-a na mente. Restaram os ovos que havia botado, um momento antes, no meio do corpo em putrefação do homem que havia morrido por ali, sem ninguém saber. O homem morto que ela tanto velou para, por fim, usá-lo como ninho de vida selvagem e livre.
Agora estavam cansados e foram para uma dessas lanchonetes estratégicas no meio do zoológico, cheia de souvenires de bichos de plástico, adesivos, camisetas, canecas, livros, Cds e etc. Havia algumas mesas no terraço, com o guarda-sol aberto, pois fazia calor, de onde se podia ver os longos pescoços das girafas comendo folhas colocadas nas cestas penduradas nos galhos das árvores.
As crianças comeram hambúrgueres, tomaram coca-cola e estavam correndo pra lá e pra cá. Eva se cansou de dizer para uma e para outra: não faz isso, não faz aquilo, não mexe aí, não sobe aí, deixa isso e etc. Calou-se e a boca mordeu o hambúrguer. Estava mastigando o grande pedaço e só reparou que estava com mais fome do que pensava quando sentiu o gosto da carne bovina. Não era nenhuma vaca sagrada, nenhum boi mitológico seqüestrando a Europa sentada em seu lombo, atravessando o Mediterrâneo. Era a carne de um boi cheio de antibióticos, que passou a vida inteira imóvel dentro de um cercado de ferro, onde não podia sequer enfiar os chifres no impenetrável obtuso e tê-los partidos. Ter partido não o obtuso que é duro demais, mas os chifres! Nem isso podia fazer, autodestruir-se, tinha de esperar que outros o fizessem da maneira e na hora que quisessem. Para depois devorarem-no assim: com maionese e ketchup.
Continuaram o passeio, mas de repente, entrando por um atalho para chegar no viveiro das focas, depararam-se com um chiqueiro de porcos. Mas o que esses animais estavam fazendo num zoológico? Eram simplesmente porcos, desses que a gente vê nas fazendas. Naturalmente, os filhos nunca os haviam visto, viviam nessa grande cidade e estavam integrados nessa época, gostavam de ver televisão e jogar no computador. Onde veriam suínos? Só mesmo no meio do pão, no lanche para a escola, ou no feijão, quando cozinhava feijoada. Seja como for, achou interessante encontrar o animal caseiro no meio de um zoológico cheio de bichos selvagens. Vai ver que serviriam de alimento para alguns dos animais! E por que quebraria a cabeça se não era nenhuma Mrs. Jones na fazenda de Mr. Jones cuidando de alguma revolução de bichos?
Contemplaram os porcos como se fossem qualquer outro animal exótico na iminência de ser extinto, encarcerado na civilização.
Depois seguiram adiante.
Pararam em frente aos rinocerontes, parece que não se achavam mais os melhores do mundo e não tentavam mais dominar toda a cidade, como haviam feito em certo momento da história. Andavam de um lado para o outro, com o corpo maciço, preocupados com o passado pesado. E as crianças, de repente, repararam no senhor Behringer, que coçava a cabeça do seu lado, e gritaram seu nome. O senhor behringer era o vizinho alcoólatra de Eva que costumava vir sempre ao zoológico para tentar descobrir se era o rinoceronte africano que possuía dois chifres ou o asiático. Era fixado nos rinocerontes ou traumatizado porque, por mais que Behringer seja ele mesmo, os rinocerontes não irão deixar de ser rinocerontes com um ou dois chifres, não serão extintos, alguns permanecerão ainda tentando dominar a cidade e o mundo. Mas Eva nunca se deixará dominar por esses brutamontes, pensou ela também coçando a cabeça num gesto automático. Depois olhou furtivamente para o senhor Behringer que lhe sorria, cumprimentando-a. Ele sempre lhe perguntava se ela sabia qual rinoceronte possuía dois chifres. "O africano" —, respondia, pois ela se informara, depois de ouvir essa pergunta várias vezes. Mas o que adiantava lhe responder se o senhor Behringer não deixava de repetir essa pergunta? Eva se despediu do vizinho amavelmente, chamou as crianças e continuaram o passeio. Porém, de vez em quando, sentia suas pernas engrossarem, ficarem pesadas, se sentia corpulenta, maciça e cansada, com uma dor de cabeça no meio da testa...
Melhor ir embora!
No final da tarde, na saída do zoológico Eva pensou: bem mais adiante é a amplitude ou o cimo frio do pedestal?
No fundo, fomos nós que andamos uma parte muito importante de nós. Para, por fim, pegarmos nossos filhos e levá-los para casa.
Havia começado a chuviscar uma garoa fina de verão, o ar estava abafado e nublado. Eva veio dirigindo o carro, torcendo para que o marido tivesse terminado de consertar o computador e as crianças pudessem jogar.

Do livro: Estrangeiro de mim, Gardez Verlag Alemanha, 2005.

Viviane de Santana Paulo publicou Passeio ao longo do Reno (poesia) e Estrangeiro de mim(contos), na Alemanha. A autora pertence à primeira geração de escritores brasileiros radicados no exterior. Promove autores brasileiros no meio literário alemão:foi mediadora na publicação dos artigos de Affonso Romano de Sant`anna e José Miguel Wisnik em duas edições da Lettre International, revista de grande renome na Alemanha. "Procuro criar um amálgama entre os valores heterogêneos das culturas, e também uma ponte entre a realidade brasileira e a internacional e fazer com que muitos leitores a transitem de um lado para o outro." Vive em Berlim e trabalha na Embaixada do Brasil.

E-mail: vsantanapaulo@yahoo.com.br

Fonte: Cronópios

sábado, agosto 22, 2009

Ponto Trágico

Meus prezados leitores,
Essas três frases abaixo são de Henry David Thoreau, elas expressam meu pensamento sobre os últimos acontecimentos no Congresso Brasileiro, especificamente quanto ao comportamento dos Senadores do PT, partido construído com suor e lágrimas pelos trabalhadores, que há 30 anos representou um passo para a esperança de liberdade, soberania e a consolidação das transformações sociais, políticas e econômicas necessárias aos cidadãos brasileiros:

"A maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero".
O que não é o caso da trabalhadora ex-senadora do PT, Marina Silva;

"Quando o súdito nega obediência e quando o funcionário se recusa a aplicar as leis injustas ou simplesmente se demite, está consumada a Revolução".
Esse não é o caso do Senador Aloísio Mercadante; Sejam quais forem os argumentos políticos, eleitorais, isso só aconteceu por imposição do Presidente Lula e do Partido; o recuo do Senador só revelou a verdadeira situação do PT quanto as suas práticas internas, óbviamente "desautorizada" pelas expectativas democráticas dos trabalhadores reforçando seu distanciamento dos ideais históricos de seus representados;

"A massa nunca se eleva ao padrão do seu melhor membro; pelo contrário, degrada-se ao nível do pior".
Esse é o significado dos fatos recentes lamentavelmente vistos no seio do Congresso Brasileiro. Basta trocar o têrmo "massa" por "postura de certos políticos", o que é extensivo aos políticos de "boa" conduta ética e aos de conduta reconhecidamente conservadora e reacionária.


sexta-feira, agosto 21, 2009

imagine


Únicos

De estarmos em sintonia
E assim cuidar do mundo
Acreditar ainda no outro
Conhecendo as diferenças
Como irmãos ou irmãs
Sendo homem e mulher
Agindo de modo são
Vivendo como únicos
Sendo desenhos diferentes

Caindo de lágrimas internas
Entre abraços inteiros
Colhendo o que se espera
O amor como um templo
A mais alta lei fora da letra
Sem palavras que descreva
Sangrando no leite materno
Choro de flores nas guerras
Jogo de uma única chance
Em tempo de faltar o todo

"beautiful love", Joe Pass

sangre

O sangue em Chiapas
por José Saramago

Todo o sangue tem a sua história. Corre sem descanso no interior labiríntico do corpo e não perde o rumo nem o sentido, enrubesce de súbito o rosto e empalidece-o fugindo dele, irrompe bruscamente de um rasgão da pele, torna-se capa protectora de uma ferida, encharca campos de batalha e lugares de tortura, transforma-se em rio sobre o asfalto de uma estrada. O sangue nos guia, o sangue nos levanta, com o sangue dormimos e com o sangue despertamos, com o sangue nos perdemos e salvamos, com o sangue vivemos, com o sangue morremos. Torna-se leite e alimenta as crianças ao colo das mães, torna-se lágrima e chora sobre os assassinados, torna-se revolta e levanta um punho fechado e uma arma. O sangue serve-se dos olhos para ver, entender e julgar, serve-se das mãos para o trabalho e para o afago, serve-se dos pés para ir aonde o dever o mandou. O sangue é homem e é mulher, cobre-se de luto ou de festa, põe uma flor na cintura, e quando toma nomes que não são os seus é porque esses nomes pertencem a todos os que são do mesmo sangue. O sangue sabe muito, o sangue sabe o sangue que tem. Às vezes o sangue monta a cavalo e fuma cachimbo, às vezes olha com olhos secos porque a dor lhos secou, às vezes sorri com uma boca de longe e um sorriso de perto, às vezes esconde a cara mas deixa que a alma se mostre, às vezes implora a misericórdia de um muro mudo e cego, às vezes é um menino sangrando que vai levado em braços, às vezes desenha figuras vigilantes nas paredes das casas, às vezes é o olhar fixo dessas figuras, às vezes atam-no, às vezes desata-se, às vezes faz-se gigante para subir às muralhas, às vezes ferve, às vezes acalma-se, às vezes é como um incêndio que tudo abrasa, às vezes é uma luz quase suave, um suspiro, um sonho, um descansar a cabeça no ombro do sangue que está ao lado. Há sangues que até quando estão frios queimam. Esses sangues são eternos como a esperança.

quinta-feira, agosto 20, 2009

One Life

rio Madeira


por Carol Salsa

A mídia volta a colocar em pauta um dos assuntos mais discutidos em termos de geração de energia na região amazônica: o Complexo do Rio Madeira. De um modo geral, os projetos de barragem, à revelia da população local, não contemplam os aspectos sociais e muito menos os ambientais previstos. Exemplo disso é o Complexo do Rio Madeira. Após a entrega do Estudo de Impacto Ambiental EIA ao IBAMA, foi convocada uma equipe técnica composta por oito analistas ambientais deste órgão, entre eles, engenheiros civis, biólogos e historiadora, que apresentaram o Parecer Técnico nº014/2007. Este Parecer condenava o Complexo caso não fossem atendidas as diretrizes propostas para revisão quanto à : ictiofauna, existência de mercúrio no leito do rio, volume de sedimentos etc.. O próprio IBAMA não fez qualquer alusão ao Parecer e desconsiderou-o.

Pela equipe foi atestado a falta de um Plano de Mitigação que tratasse os eventuais problemas na implantação do empreendimento confirmando o que poderia acontecer como fatos já acontecidos e que serviriam de referência aos estudos de anterioridade nas construções de barragens na região. As experiências com Balbina e Tucuruí não são lá tão “auspiciosas” , e nem devem ser replicadas. A primeira porque alagou uma enorme área plana de 2.360 quilômetros quadrados para gerar 250 MW. Soma-se a este o fato de não ter sido feito o destocamento de todas as árvores existentes no local. Conclusão: tornou-se uma área de emissão de gases estufa, dióxido de carbono- CO2 e metano CH4 , gratuita para os idealizadores e a serem pagas pelas sociedades que a ela subsistirá.

Como se não bastasse, as barragens não contemplam as populações tradicionais. A compensação pela desmobilização das comunidades, subtração de recursos naturais os quais se constituem em fonte de renda para os ribeirinhos, pescadores, agricultores familiares, não atende à qualidade de vida anteriormente desfrutada. Tucuruí representa a ausência do Estado quando se trata de Soberania Nacional. Na realidade, a barragem foi construída para fabricar lingotes de ferro gusa para serem exportados para o Japão. Se, por acaso, é uma questão de Soberania Nacional, onde ficou ou está a contrapartida para a população local, se nossos recursos usados na fabricação de produtos para exportação dispensaram a responsabilidade sócio-ambiental para com o povo brasileiro? Não é dizer que só hoje os projetos se preocupam com o meio ambiente. Em todas as épocas sempre foi um pré-requisito de qualquer tomador de decisão a qualidade intrínseca do famoso “bom senso“. A biodiversidade é insubstituível e não permutável. Acresce ainda que as espécies formadas durante séculos, exigiriam centenas de gerações para a produção evolutiva delas. A consideração feita já é suficiente para se pensar profundamente e, inúmeras vezes, no que se está fazendo. Com a visão ultrapassada dos tomadores de decisão que só vêm nos projetos o lucro, a ganância de ter cada vez mais dá um “chega pra lá” na resolução dos problemas das comunidades soberanas, também carentes, e condenadas a viver uma pobreza que se perpetua durante anos.

Não estamos contra os projetos de barragens. Reconhecemos que um apagão teria conseqüências desastrosas para todos nós. Mas a técnica tem que andar lado a lado com a política, tipo “ Cosme e Damião”. Será que é, atualmente, impossível corrigir erros de governos passados que se diziam ao lado do povo? Demagogia é o que não falta no cardápio de políticos que ludibriam os eleitores. O bom exemplo dos que comandam a Nação é imperioso existir. Se não houver respeito em todos os estratos sociais, não reclamem da juventude que só teve até hoje péssimos exemplos de cidadania, moral e ética no trato do patrimônio natural, direto de todos. O Manifesto sobre o Complexo do Rio Madeira é um problema complexo na verdadeira acepção da palavra. Cita o documento que considera, entre outros:

  • Irregularidade no processo de licenciamento ambiental;
  • Sub-dimensionamento da área de influência dos empreendimentos;
  • Falta de avaliação adequada de impactos socioambientais dos empreendimentos em relação a questões chave;
  • Desconsideração de impactos sociais e ambientais;
  • Desconsideração dos protestos de movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil brasileira;
  • Falta de uma garantia mínima de equivalência da qualidade de vida das famílias ribeirinhas e de outras comunidades locais;
  • Indiferença de Governo Federal pela sentença condenatória do projeto do Complexo do Madeira no Tribunal Latinoamericano de Águas (TLA), em setembro de 2008, e pelo recente trabalho realizado pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais ( Plataforma DhESCA Brasil); ambos evidenciaram violações de direitos humanos associados à implementação das usinas no rio Madeira, que chama a responsabilidade do Estado brasileiro para o cumprimento dos diplomas internacionais afins;
  • Constrangimentos diplomáticos;
  • Indícios de intervenção política e irregularidade na utilização de fundos públicos de cunho social;
  • Desrespeito aos Princípios do Equador.

Ainda estaria em tempo de rever detalhes de projeto cujo eixo foi mudado para uma distância de 9 km em relação ao eixo original e que por isso mesmo, foi considerado pelos interessados no projeto, provavelmente, “ muito perto “, desconsiderado-se o necessário e importante , novo EIA/RIMA . Também, não podemos olvidar o impacto das águas no solo para a formação do reservatório. A operação revolverá camadas do leito do rio onde há mercúrio que por sua vez afetará toda uma cadeia alimentar. E o volume de sedimentos que fluirá do reservatório não prejudicará o funcionamento das turbinas tipo bulbo? Onde este volume de sedimentos se depositará?

Outra dúvida: como explicar a liberação de uma “ licença parcial “ para o início das obras, emitida, equivocadamente, em 2008 ? O Ministério Público não desculpou. Chega de criatividade fora da Lei. Só há três licenças possíveis para empreendimentos potencialmente poluidores do meio ambiente conhecidas como LP, LI e LO, respectivamente, Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação. Qualquer outra adotada é “ledo engano”. Só não disseram para eles ?

Lamento afirmar que o que estamos deixando registrado na memória das pessoas íntegras e da juventude, é um deplorável livro que está sendo escrito pelos déspotas contemporâneos, intitulado “ História da Desumanidade .”

Carol Salsa, colaboradora e articulista do EcoDebate é engenheira civil, pós-graduada em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ, Gestão Ambiental e Ecologia pela UFMG, Educação Ambiental pela FUBRA, Analista Ambiental concursada da FEAM ; Perita Ambiental da Promotoria da Comarca de Santa Luzia / Minas Gerais.

Fonte: EcoDebate, 20/08/2009

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  • A Força de Um Sorriso
  • A Grande Ilusão
  • A Idade da Reflexão
  • A Ilha do Medo
  • A Intérprete
  • A Invenção de Hugo Cabret
  • A Janela Secreta
  • A Lista
  • A Lista de Schindler
  • A Livraria
  • A Loucura do Rei George
  • A Partida
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  • A Pele do Desejo
  • A Poeira do Tempo
  • A Praia
  • A Prostituta e a Baleia
  • A Prova
  • A Rainha
  • A Razão de Meu Afeto
  • A Ressaca
  • A Revelação
  • A Sombra e a Escuridão
  • A Suprema Felicidade
  • A Tempestade
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